Gabriela Araujo 16/11/2013
The Book Thief [Resenha]
Resenha postada no blog Equalize da Leitura.
Deixe-me começar dizendo que esta é a primeira resenha que faço tão perto da data em que terminei o livro, para ser mais exata, tem mais ou menos cinco horas desde que esta história deixou sua impressão em mim. Deixe-me acrescentar: nada do que fiz hoje foi bem sucedido até agora, porque a história colou em mim como um amante apaixonado e até agora não deu sinal de que vai me deixar ter sossego.
Este livro, por muitos considerado um clássico, é bastante conhecido e então não me estenderei tentando convencê-los a lê-lo; é provável que a maioria já tenha o feito. Eu quem sou a atrasada aqui. Tardiamente ou não, eu conheci a jornada da menina Liesel, que por um percalço do destino era prole de uma comunista em plena Alemanha Nazista. Logo no início do livro ela perde o irmão, é separada da mãe, e vai morar com um casal pobre na cidade de Molching. Com apenas nove anos, a menina não entende exatamente o que está acontecendo. Pelo seu processo de aprendizado e amadurecimento, passam seu pai adotivo Hans Hubermann, sua mãe adotiva Frau Hubermann, seu amigo Rudy, o judeu Max e outros.
Em sua trajetória imprevisível, uma coisa se faz constante: a literatura. Os livros foram presentes na vida da menina de um modo que apenas amigos são, e se comunicavam com ela de modo como familiares se comunicam: uma hora dúvida, uma hora confiança, uma hora amor.
"Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler."
Porque este é um daqueles livros em que eu usaria todas as palavras – inclusive aquelas em alemão que eu tive um vislumbre ao longo do livro – e não seria suficiente, tentarei dividir minhas impressões em três partes e poupar vocês de minha ladainha eterna.
A primeira delas começa logo no início do livro com o narrador tão irreverente que nos é apresentado: a Morte.
Eu adoro irreverência – e Markus Zusak gosta da coisa também se o que ele fez em seu livro ‘Eu sou o mensageiro’ é alguma indicação – e esse aspecto interessantíssimo do livro captou minha atenção de imediato. Algumas pessoas que não gostaram desse livro apontaram como uma das razões o fato de a Morte aqui ser retratada como um ser bondoso e nobre. Não quero entrar em uma discussão profunda sobre o tópico, mas como este aspecto em especial me encantou demais, sinto-me na obrigação de defender: por tudo o que sabemos do ‘depois’, a Morte poderia muito bem ser uma energia presa numa profissão non-grata, pense na Morte como um fluido abstrato: ela não necessariamente precisa ser boa, mas ela também não necessariamente precisa ser cruel também. Pense que ela já foi, é, e vai ser solução/alívio para alguns e que, para aqueles que acreditam na vida após a morte e em um plano superior, ela literalmente abre as portas para o paraíso.
É claro que, nesta história, a Morte possui a tarefa mais suja e vil, e eu não entendo como ela pode ser vista como boa: em minha interpretação, o que vemos é a Morte sentindo compaixão e remorso e rancor por seu trabalho ter se multiplicado: se alguém deve ser o culpado, que tal aquele indivíduo ancestral que habita o Planeta Terra? A Morte aqui carrega as almas, mas quem fere os corpos é próprio ser humano. ‘Que desperdício’, a Morte diz, ‘vocês não me dão outra escolha’.
"Como a maioria dos sofrimentos, esse começou com uma aparente felicidade."
A segunda impressão? A literatura.
O amor pelos livros tocou Liesel antes mesmo que ela soubesse ler – diga, meu caro leitor, existe uma magia igual a esta? -. A literatura se apresentou à menina pela primeira vez como uma forma de guardar lembranças e caminhou com ela por períodos ruins, bons, turbulentos, desesperadores, reveladores.
Liesel carregava palavras, bebia palavras, presenteava pessoas com palavras, e mesmo quando ela se questionou sobre elas, as palavras a resgataram. Eu me agarrava às palavras com ela, inspirando realidade e expirando angústia.
Este livro apenas me fez chorar de verdade perto do fim, porque até ali eu estava flutuando em um estado letárgico de revolta, incompreensão, inspiração, admiração, dor, e muito de tudo. Eu absolutamente amo a forma como Markus Zusak escreve, mas esse livro em particular me pegou em meu ponto fraco: eu saio de mim lendo sobre o Nazismo, sobre Guerras, sobre a Ditadura. Eu me torno uma criança e envelheço uns 100 anos ao mesmo tempo: para que tudo isso?, a criança-eu pergunta, e a idosa-eu responde: ‘Eles são ignorantes, é esse o nome para aqueles que cometem o erro sem nem saber porquê, mas sabendo exatamente como vai terminar’. O roubo de livros trazia a Liesel uma sensação de liberdade e de justiça, acredito eu, e ela o fazia quando tinha necessidade das palavras: quando tinha necessidade de que algo fizesse sentido na realidade em que vivia.
A terceira impressão? As pessoas.
Não se enganem: o título do livro induz a um pensamento, mas o que mais me tocou foi o relacionamento entre os personagens. Não falarei de todos, eu prometi que não me estenderia, mas não tem como eu terminar esta resenha sem citar alguns. Oh, esta é a hora que as lágrimas preenchem meus olhos de novo. Não só porque as histórias dos personagens são tristes – por que elas são, e se você ainda não leu e deseja, um aviso: prepare-se -, mas por causa daquele Por que? que fica martelando na minha cabeça como um disco arranhado.
Eu vou começar pelo meu personagem predileto no livro, ele se chama Hans Hubermann. Hans é naturalmente bom, ele é aquele tipo de pessoa que – se fosse possível para nós observar sua alma – ela com certeza reluziria: Hans foi a pessoa que fez com que eu questionasse a mim mesma: eu que, gosto tanto de questionar o porquê de tudo e o comportamento das pessoas, será que eu teria tido coragem de agir como ele agiu? De ser quem ele foi? Ou eu me acovardaria? Os valores do indivíduo se invertem quando a questão é sobrevivência, mas não Hans, ele não: ele se questionou muito, mas errando ou acertando, ele foi quem ele realmente era até o fim. O relacionamento dele com a Liesel é lindo, - eu penso que se a beleza tivesse um rosto seria a imagem dele tocando seu acordeom para a filha ou então lendo para ela – e eu chorei por ele. Eu chorei muito por ele.
Meu segundo favorito? O nome dele já me faz sorrir: Rudy Steiner. Se eu tivesse que escolher um amigo homem para ter por uma vida, eu tenho quase certeza que diria o nome dele. Ah sim, eu chorei muito por ele também. Mas ele também foi quem me arrancou muitos sorrisos. Eu penso em arrependimento a lembrar dele, eu penso em lealdade, e eu penso em beijo. No universo alternativo que eu criei para você, pequeno Rudy, você ganha o seu. Eu só tenho uma coisa para dizer sobre o relacionamento dele com a Liesel: se você já leu, sabe, e se não leu, leia. Sem mais.
O judeu, Max: eu senti pena dele, mesmo sabendo que este é o pior sentimento que se pode ter, mas foi relacionado à compaixão, então acho que é justificável. Eu, metaforicamente, segurava meu coração quando lia sobre ele porque queria me preparar, eu chorei, mas então eu sorri.
Sobre a Liesel? Enquanto eu lia, ela me levou com ela, e de certa forma, ainda leva.
"Que tal um beijo Saumensch?"