Larissa | @paragrafocult 25/02/2020
"Centauro ultrapassa as fronteiras de sua imaginação. Centauro não figura em manuais médicos."
Para compensar o mês de janeiro do qual eu li demais, em fevereiro eu descansei a mente das leituras e por isso li apenas uns cinco livros. Uma dessas leituras se mostrou uma gostosa surpresa já que eu o comprei sem saber nada da história. Tinha passado por um sebo e estava olhando os títulos despretensiosamente. Acho que de tanto ficar garimpando obras pelos sebos daqui das redondezas, sempre que entro em um, fico batendo um bom papo com os vendedores que já devem estar cansados da minha cara por lá. Nesse dia, estava em dúvida entre A Rainha dos Condenados da Anne Rice e Torre Negra III do Stephen King, porém o vendedor me apareceu com esse livro aqui. Capa simples, nome estranho e um autor que nunca ouvira falar. Me disse que a obra era muito boa e me contou uma curiosidade, que o livro A Vida de Pi (sim, aquele do filme que ganhou vários Oscars) foi um plágio de uma obra do Moacyr Scliar. Eu não sei muito sobre, mas a obra do Moacyr que se assemelha muito a do filme e livro do autor Yann Martel, se chama Max e os Felinos e é basicamente sobre um jovem que fica preso em um bote com um jaguar após um naufrágio.
Isso, claro, atiçou a minha curiosidade e deixei para trás os dois livros que antes me deixavam em dúvida sobre qual levar e escolhi esse. Posso dizer que não me arrependo. Que leitura boa. Não, esse não foi um livro perfeito, muito menos uma leitura que poderia agradar a todos os tipos de leitores mas ainda sim, foi uma leitura boa, diferente e profunda.
Como ponto central do livro, temos a família russa Tratskovsky. Eles são uma família judia simples e normal, um casal com três filhos e esperando o quarto integrante. Tudo ia bem. Quando finalmente o caçula nasce, todos levam um choque: ao invés de um bebê comum, nascera então um centauro. Da cintura para cima havia um ser humano bonito e de pele macia mas da cintura para baixo, pelos grossos adornavam um torso de cavalo.
O pequeno recebe então o nome de Guedali. Por conta de sua aparência peculiar e diferente, o rapaz cresce completamente solitário. Com exceção do irmão mais velho que não parece gostar dele, suas duas irmãs e seus pais, após o choque inicial, o tratam muito bem. Ele está feliz com a família que tem e que o ama mas se sente incompleto e essa exclusão em que está vivendo faz com que cresça um rapaz muito inteligente, já que a leitura se tornou sua melhor amiga.
O livro todo é narrado pelo próprio Guedali durante o seu aniversário de trinta e oito anos. Ele nos conta tudo, desde o momento em que nasceu. Comecei a leitura com o pé lá atrás, afinal, um livro com um centauro como personagem principal não era algo que me deixasse extremamente curiosa pelo desenrolar da trama. Moacyr Scliar consegue passear de forma majestosa pelo realismo - através dos dilemas e frustrações de Guedali - e pela fantasia - já que o mesmo é um centauro, um ser mítico. Mesmo Guedali não sendo humano, é muito fácil de se identificar com ele. Ele não é perfeito. Em muitos momentos somos levados a sentir raiva de suas escolhas e sentimentos, de seus desejos porém seus medos e dilemas são bem reais mesmo para nós.
Quando terminamos a obra, a sensação de que fica foi que não lemos algo que se limitava apenas a centauros. Vai muito além disso. Em dado momento, Guedali parte com Tita - uma outra centaura que por obra do destino, acaba conhecendo - para o Marrocos a fim de fazer uma cirurgia para mudar sua forma, tentando assim se tornar humano. Esse foi de longe um dos meus momentos favoritos do livro. Ver todo o questionamento que ele faz a si mesmo, se era realmente aquilo que desejava, se tirar aquela parte dele que o acompanhara a vida toda seria realmente a resposta e o caminho correto para a sua felicidade.
A única parte que me desanimou da leitura foi que lá pela metade do livro, a história se tornou um pouco "novela da Globo" por conta de uma cadeia de acontecimentos. Isso não diminuiu a qualidade da obra em si porém acaba atrasando um pouco a leitura porque na parte em que essa sensação novelesca predomina, o enredo destoa um pouco do todo, porém logo volta ao normal.
Não é um livro longo, a leitura é calma e simples, ótima para quem gosta de refletir e absorver o que lhe foi dado. Pude entender o motivo que levou essa obra a ser traduzida em diversos idiomas e os prêmios que ganhou. A fama de Moacyr Scliar se fez bem clara para mim. Espero em breve poder ler outros livros do autor e que a minha experiência com elas seja tão boa quanto ou melhor do que a que tive com essa.
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