Tibor Moricz 12/07/2013
Resenha 01 de Larry Nolen e Resenha 02 de Júnior Cazeri
01)
OfBlog – Tibor Moricz, O Peregrino (The Pilgrim)
Uma escuridão imensa. Silêncio. Um nada absoluto. Foi assim por um tempo desconhecido. Até que se iniciou um rumorejar. Como água correndo pelo leito de um rio. De começo uma correnteza leve. Depois uma enxurrada que sai arrastando tudo o que encontra pelo caminho. Estava mergulhado nela, sendo arrastado. Ora submergindo, indo até as profundezas mais densas, ora explodindo na superficie, procurando por ar. A água corria por leitos impenetráveis. Embora estivesse sendo conduzido violentamente para algum lugar, era-lhe impossível determinar o seu destino. Era-lhe impossível determinar qualquer coisa, porquanto a escuridão ainda imperasse. (p. 9)
A passagem de abertura do romance do escritor brasileiro Tibor Moricz, O Peregrino: Em Busca das Crianças Perdidas (2011) chama a atenção pela rigidez. Ao longo do primeiro terço desse romance curto (196 páginas), a narrativa de Moricz está repleta de frases curtas e afiadas que ilustram a dureza da terra pela qual perambula o peregrino do título. Esta terra é uma visão do Velho Oeste americano no século 19, através dos olhos de um estrangeiro. A leitura foi interessante pelo tanto de estranheza que causou em alguns momentos.
A história que Moricz escreveu sobre o peregrino (seu nome, embora revelado na narrativa, vai permanecer em segredo para os poucos que desejem ler o livro em português) captura essa sensação de brutalidade e estranheza no mundo que tantas vezes inspira outros a vaguearem em direção a seu abraço implacável. Não é uma história simples; há alguns apartes e passos em falso que encontrei enquanto lia. Mas foi uma história que prendeu minha atenção ao longo da narrativa.
O que mais gostei em O Peregrino foi a prosa de Moricz. Ele usa passagens curtas e descritivas para expor a sua versão do oeste americano de uma maneira que, às vezes, me fez lembrar de Cormac McCarthy. Isso não quer dizer que suas histórias sejam parecidas, mas sim que suas narrativas compartilham uma brutalidade que chega a ser semelhante. A escuridão está presente o tempo todo neste romance, desde as primeiras linhas até o final. Em alguns pontos, há um pouco de luz, mas são momentos que servem apenas para enfatizar a desolação que encontrei em várias cenas.
Um problema que tive foi com os nomes. Talvez devido a ser um escritor estrangeiro (ao menos para mim), os nomes utilizados por Moricz para várias pessoas soaram um pouco fora — às vezes inadequados — de lugar. Mas, novamente, essa sensação de “fora de lugar” não prejudicou a narrativa, mas deu-lhe uma espécie de sensação estranha ou transposta, como se o Oeste americano não fosse aquele lugar onde mitos são criados, com o qual já estou acostumado, mas tivesse sido transformado em algo menos familiar e ligeiramente mais ameaçador. Esta qualidade fez de O Peregrino um trabalho imaginativo agradável, apesar de pequenas falhas, que chamará a atenção de quem quiser ler uma história ambientada no Oeste americano, com alguns elementos de steampunk acrescentados em boa dose.
02)
O Peregrino – Em Busca das Crianças Perdidas (Editora Draco, 2012), romance do publicitário Tibor Moricz, é uma aventura no gênero weird western, com doses moderadas de filosofia e reflexões quanto ao ciclo da vida, culpa e identidade. Faço, então, duas leituras. Começando pela aventura.
Em uma caverna, em total amnésia, um homem desperta. Ao seu lado, um colt 45. Saindo do que pode ser seu berço ou túmulo, não sabemos, o estranho procura pela civilização. Após alguns tiroteios ele descobre a cidade de Downtown, habitada exclusivamente por pessoas idosas. Uma lenda local diz que um peregrino chegaria à cidade e resgataria as crianças sequestradas pelas criaturas de Uptown. Assim começa a jornada do peregrino em busca do bem mais valioso da poeirenta Downtown.
Contudo, o peregrino não é um herói. Egoísta e violento, fazendo uso de sua arma fantástica, capaz de derrubar adversários superiores, como os temíveis delegados simbiontes e abutres de Uptown, seu interesse é no ouro da cidade. Ímpetos de chacinar todos os que estão à sua volta são contidos com certa dificuldade. A paciência do peregrino é curta, sua mira certeira.
A jornada desenvolvida por Moricz para seu anti-herói leva a confrontos diversos, muitas mortes, inimigos perturbadores e locais fantásticos. A Garganta do Enlouquecido e Mogul, exemplificando dois locais que chamam a atenção pela criatividade. Claro que, durante suas andanças, o peregrino vai se descobrindo, algumas memórias voltando para atormentá-lo e mais mistérios entram na trama.
Um fator de destaque do livro é a capacidade de Tibor de manter o suspense e tensão por grande parte da narrativa, a curiosidade só faz crescer durante a leitura. As frases curtas e diretas, diálogos secos e descrições econômicas só acentuam a sensação de urgência.
Agora, uma perspectiva das entrelinhas.
Nos três ciclos do livro, indo de Downtown para Uptown, com uma passagem por Middletown, fica clara a intenção do autor de brincar com os ciclos da vida e passear por passado, presente e futuro. A falta de identidade do herói é um fator importante para o leitor, que pode construir sobre ele a visão que bem entender, já que se apresenta como uma tela em branco, pintada apenas ao fim da obra.
Quando o livro se fecha, as referências do autor ficam claras, sendo que citá-las aqui é arriscado, mas vá lá, talvez Matrix e as obras de Philip K. Dick sejam as mais facilmente identificáveis. Trabalhar com realidades e irrealidades, ciclos e maniqueísmos não é novidade, mas a abordagem do autor é relevante.
Finalizando, O Peregrino é um bom livro, prende e entretém o leitor de forma convincente, é escrito com precisão e o autor não esconde seu bom vocabulário, sem parecer pedante. A aventura, ainda que alongada, captura e arrasta o leitor para um cenário inusitado, levanta mistério sobre mistério, na melhor tradição pulp, e não deixa largar a obra até o seu fim.
Acima da média, recomendo.