Sombras marcadas

Sombras marcadas Kamila Shamsie




Resenhas - Sombras Marcadas


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Alê | @alexandrejjr 17/06/2021

A tirania das forças destrutivas

Cinco países, duas famílias e um recorte que abrange mais de meio século do sofrimento humano. Todos esses são elementos que compõem o ambicioso romance da escritora britânica de origem paquistanesa Kamila Shamsie.

A tarefa não era fácil. A tentativa de discutir as consequências de uma violência que não encontra mais barreiras espaciais e temporais em um mundo globalizado é tentadora e, mais do que isso, desafiadora. Depois dos ataques de 11 de setembro, a opinião pública estadunidense abraçou, em sua maioria, a caça às bruxas proposta pela política do governo Bush, condenando todo e qualquer muçulmano como extremista e fanático - o que é de uma profunda irresponsabilidade.

"Sombras marcadas" é um livro que aborda essa relação intrínseca que todos nós carregamos desde o nascimento entre identidade e nação e põe sob perspectiva um mundo cada vez mais globalizado. Com esse objetivo, Kamila vai além e sintetiza - ou pelo menos tenta sintetizar - em Hiroko Tanaka, personagem que os leitores acompanham do começo ao fim do romance, as agruras que a humanidade sofre em meio às tensões políticas, étnicas e sociais das guerras que marcaram o século XX e o início do XXI. É com ela que a autora impõe as diferenças emocionais, psicológicas e culturais de um mundo em constante usurpação de identidade.

Por ser um romance que transita entre lugares, línguas e culturas, "Sombras marcadas" toca em temas pertinentes do mundo contemporâneo: aculturação, igualdade racial e diversidade cultural são alguns dos mais gritantes ao longo da narrativa. Seja na bomba nuclear estadunidense lançada em Nagasaki em 1945, na dissolução do Raj britânico seguido da partição da Índia e a consequente autonomia do Paquistão em 1947, na interferência político-armamentista dos EUA na guerra afegã contra a União Soviética no final década de 1970 que se estende pelos anos 1980 ou no mundo após os atentados terroristas em 2001, fica claro que a tolerância perdeu lugar entre os valores essenciais de uma diplomacia.

Assim como García Márquez, Kamila apresenta uma história geracional. É através dos constantes cruzamentos entre os Ashraf-Tanaka e os Weiss-Burton que acompanhamos a desilusão permanente da História, a que possui o “H” maiúsculo. Sentimos, assim como Hiroko, a falta de reciprocidade do outro, daquele que é diferente de nós, e a ausência constante de pertencimento ao viver em uma aldeia global, conceito de Marshall McLuhan, estudioso canadense da comunicação, que cabe muito bem ao livro.

Com coincidências incômodas que servem para dar andamento à narrativa e alguns desenvolvimentos superficiais (caso das empresas militares privadas, que não me envolveram), Kamila Shamsie mostra em seu quinto romance - único dela publicado no Brasil até este ano - que a tirania das forças destrutivas do tempo são implacáveis, mas não invencíveis. Um longo e bom livro que deixa a sensação de um épico inacabado, imperfeito. No entanto, lembre-se: Kamila tem algo a dizer que talvez você tenha que escutar.
Ygor Gouvêa 18/10/2021minha estante
Em maio a Grua Livros publicou o ultimo livro da Kamila Shamsie,Lar em chamas, parece ser bem interessante, teve bastante destaque lá fora.


Alê | @alexandrejjr 19/10/2021minha estante
Ah, eu vi Ygor. Aliás, já está nos desejados. O que eu não vi foi a notificação do teu comentário, que bizarro. Bom, pelo menos eu retornei - com atraso, mas retornei.




Lima Neto 14/09/2011

impressionante livro, que tem um pano de fundo histórico muito forte, sempre perpassado por guerras e conflitos, mas conduzido com uma beleza e sensibilidade impressionantes.
trata-se de um drama; na verdade, de vários dramas, de histórias de perdas, danos, dores e raros momentos de uma plena felicidade, em que as histórias de todos os personagens se cruzam, se mesclam, se perdem e se reencontram.
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Henrique Fendrich 24/03/2020

Este é um livro escrito à moda de García Márquez. A paquistanesa Kamila Shamsie faz um romance que é transgeracional como um “Cem anos de solidão”, mas também transgeográfico.

A trama acompanha a história da japonesa Hiroko desde a queda da bomba em Nagasaki, em 1945, até os acontecimentos dos Estados Unidos à época do 11 de setembro. No meio, há capítulos na Índia e no Paquistão, sem falar em incursões no Afeganistão, na Turquia, no Irã e no Canadá.

O estilo narrativo da autora também lembra bastante o do escritor colombiano, mas é preciso dizer que, pelo menos para mim, ela esteve longe de causar um impacto semelhante ao de Isabel Allende em “A casa dos espíritos”, nitidamente inspirada no Gabo e que inclusive está à altura dos livros dele. No caso do livro de Shamsie, a trama não chegou a me empolgar, sendo que os melhores momentos, para mim, foram os que se passaram na Índia.

Tive a esperança de que houvesse um envolvimento direto dos personagens nos acontecimentos do 11 de setembro, seja como alguém no World Trade Center ou até como terrorista, mas a parte americana da história já começa um pouco depois do ocorrido. De toda forma, há ainda o clima de desconfiança com os árabes em geral e que levaria ao desfecho da obra.

A autora parece ter feito bastante pesquisa para o livro, o que é bom. Sem dúvida fatos importantes do século XX e início do XXI, assim como as relações conflituosas entre povos e nações no mundo moderno, estão bem presentes ao longo do livro. O que não sei é se eles foram dispostos da melhor forma possível para o leitor.
Alê | @alexandrejjr 28/12/2020minha estante
Interessante análise, Henrique. Tenho muita curiosidade de ler esse livro pois ele tem uma concepção ambiciosa.




skuser02844 13/04/2023

Ah, que delícia de livro, adorei que ele ficou em posição de destaque como sendo a postagem de opinião número 400, já que foi uma das melhores leituras que fiz no ano, até o momento, mas acho difícil que surja tanta coisa com potencial de tirá-lo dessa lista.
Aqui conhecemos Hiroko e Konrad, ela japonesa, ele europeu, não tenho certeza agora se ele é alemão, francês ou inglês. Eles estão em Nagasaki, estão apaixonados e vão se casar, assim que a guerra acabar de fato, ela já está nas últimas, eles sabem disso, já consideram o eixo como derrotado e se resignaram desse fato, ainda ocorrem bombardeios ocasionais, inclusive Hiroshima foi dizimada pela Nova Bomba há poucos dias.
Mas então uma das "Novas Bombas" cai sobre Nagasaki, destruindo a cidade, desintegrando Konrad, matando toda a família de Hiroko e a deixando a beira da morte e com marcas que carregará, não apenas na mente mas também no corpo, para toda a vida.
Hiroko ainda vive no Japão por cerca de um ano, mas cansada de ser tratada como hibakusha, a palavra usada para se referir aos sobreviventes da bomba atômica, mas não é algo muito lisonjeiro, considerando os riscos de radiação e o preconceito decorrente disso. Hiroko Tanaka resolve então ir para a Índia, na época ainda uma colônia britânica, para conhecer Elizabeth Burton, a meia-irmã alemã de Konrad, as duas logo viram amigas e Hiroko começa a desenvolver sentimentos por Sajjad, o criado indiano da família Burton.
Em uma viagem, em agosto de 1947, depois que Hiroko e Sajjad se casaram, o clima político da Índia entra em colapso, os ingleses desocupam o país, uma guerra civil começa entre muçulmanos e hindus e acontece a partição, dando origem ao Paquistão, que é onde Hiroko passará a viver, já que por Sajjad ser muçulmano eles não podem retornar a Déli, que fica na parte que ainda ficou sendo a Índia.
A maior parte do livro vai se passar no Paquistão, será nesse país que Hiroko vai criar sua família, casada com Sajjad e criando o filho Raza, que herda seu talento natural para aprender línguas. Raza também vai aw tronar um protagonista do livro, vamos acompanhar não apenas seu crescimento, mas também suas aventuras, seu envolvimento com companhias que não deixarão sua mãe muito feliz e também sua amizade com Harry, o filho de Elizabeth Burton.
A trama narra uma Hiroko decidida a não ser definida pelos desastres que acontecem em sua vida e sempre lutando para que a vida continue, a despeito dos problemas, alguém que faz seu próprio destino e, embora seu passado faça parte de quem ela é não é tudo o que ela é. Acompanhamos também choques culturais e geracionais.
Raza é uma personagem cativante, que mesmo quando age de forma irresponsável, colocando a si mesmo em perigo ficamos torcendo para que supere, porque inteligência pra isso ele tem de sobra.
Cercados sempre pelo medo, no Japão por causa da bomba, no Paquistão devido às revoluções e nos Estados Unidos mais tarde devido ao terrorismo, vestindo rótulos que desprezam mas dos quais não conseguem se desfazer essas personagens traçam seu caminho pela vida, ora com suavidade e controle, ora lutando desesperadamente contra a correnteza, mas sempre com determinação e tentando fazer seu melhor.
Ao final da leitura percebemos que saímos mudados, seja pela determinação de Hiroko, o espírito aventureiro de Raza, a força de Sajjad, a disciplina de Herry, ou mesmo o deboche de Elizabeth. A autora constrói os personagens de forma que o leitor não consegue passar incólume, e não deixa os acontecimentos da narrativa para trás, é um livro extremamente envolvente e apaixonante, que ao terminar você com certeza vai querer mais. Não amei o final, inclusive, gostaria que o livro tivesse mais páginas...


site: http://hiattos.blogspot.com/2023/03/opiniao-sombras-marcadas-kamila-shamsie.html
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