Andre.Pithon 18/09/2022
Vou contar uma história.
Em eras ancestrais eu fazia engenharia. Não foi a melhor das experiências. Eu demorei para conseguir me libertar daquilo, para subjugar a "cabeça" e tomar coragem de fazer algo que eu desejasse com a minha vida, por maior que fossem as chances de fracasso. Enquanto eu ainda estava na fronteira, com medo de mergulhar, eu sai a esmo pegando umas matérias de Letras enquanto ainda engenheiro para ver o que sentia. Uma delas foi de poesia portuguesa, focada em Camões e Pessoa, com a Camila, que tinha acabado de entrar como professora na UFscar. Ali eu tive certeza de tudo.
Foi um semestre muito difícil para mim, mas que se tornou mais fácil com aquela injeção semanal de utopia. Era excelente, e eu aprendi que a literatura não tem muita utilidade no vácuo, ela importa unicamente quando se conecta com você, e quando sua alma e a arte se conectam de uma forma ou de outra. Hoje, eu percebo que eu tomei a melhor decisão da minha vida. Hoje, eu me encontrei no ler e escrever, eu consegui descascar a minha própria alma e descobrir quem eu sou, e mais importante, quem eu quero ser.
Hoje.
Esse também vem sendo um semestre difícil. Um que foi maravilhoso, que foi desesperador, e que agora é melancolicamente esperançoso. Um onde eu me permiti ser mais vulnerável e aberto que em qualquer outro momento da minha vida.
E em algumas das sextas feiras mais difíceis e dolorosas (foram mais do que eu gostaria de admitir), eu tive aulas do romantismo português. Camila novamente. Arte mais uma vez, e mais importante, arte capaz de importar algo para você. Quase chorei em um par de aulas, mas sempre sai delas mais feliz, mais inspirado, meu coração um pouco menos despeçado.
E é para essa matéria que eu li esse livro.
É um livro interessante. Divido em três partes, indicadas pelo título, cada uma marcando diferentes fases da vida de Silvestre. Na primeira, ele tenta amar, e se fode. Vez após vez. Maldito coração. Na segunda, amargurado e ressentido, ele resolve se tornar racional, no controle, beirando papo de incel. E se fode, claro. Não dá pra confiar na cabeça. E na terceira ele só mete o fodasse, casa com qualquer uma, come até morrer. Bem pouco romântico para um livro do romantismo, carregado de ironia e críticas à sociedade da época.
É uma obra pessimista, mas ao mesmo tempo carregada de humor. Que implica na necessidade de seguir em frente, de tentar, de rir da desgraça. Onde sempre que algo parece estar dando certo, quando se encontra uma alma sincronizada, tudo colapsa. E machuca. Bem sei. A primeira parte do livro é a mais interessante, de um ritmo rápido e divertido, honestamente inesperado. É engraçada a busca pelo amor, apenas por ser o amor, o desespero para ser romântico e apaixonado. A própria figura do editor (segunda voz que de tempos em tempos comenta os manuscritos de Silvestre), aparece para criticar a poesia dele e se recusar a colocar na obra por ser humilhante demais. Ótimo. Se minha poesia apaixonada vazasse tenho certeza que seria igual. Coração costuma desapontar.
A cabeça é mais chato, uma passagem mais arrastada do livro, menos divertida. Como a cabeça costuma ser. Termina em multas e fracasso e decepção. Sozinha, ela não funciona, assim como sozinho o coração igualmente falha.
Resta o estômago, que trás a morte de tanto comer.
Pessimismo, e qualquer escolha termina em desgraça. E talvez seja, quem pode dizer? Mas vale a tentativa, o risco, torcer para que os ecos da arte possam confortar os momentos difíceis. E podem, pelo menos para mim. Todos momentos desesperados me chamam para buscar algo que contenha um mínimo reflexo de mim. E acho que é possível encontrar reflexos de si mesmo em qualquer coisa, apenas olhando direito.
Sobrevivi ao primeiro grande fracasso do coração. Haverão outros. E tudo bem. Pelo menos não vai me matar igual caso se o estômago me falhasse.
Obrigado Camila por sempre me guiar a encontrar um toque pessoal na literatura. A culpa de todas minhas reviews serem assim é dela. Não me arrependo de nada.