Emme, o Fernando 25/07/2018Aquela confusão louca na minha cabeça!Nesta obra, o engenheiro e radialista Carlo Emilio Gadda faz uma colagem em que mistura os diferentes falas populares (com seus dialetos e expressões típicas) da Itália dos anos 1920. Não com o intuito de criar um realismo positivista determinista (que analisa com distanciamento a realidade), mas de envolver essa fala popular dos personagens com a fala do narrador, pondo em destaque a situação miserável dos italianos mais pobres na dificílima década de 1920.
O Pastiche (colagem e imitação não satírica de outros autores) de Gadda e o discurso indireto livre parecem ter o intuito de envolver o leitor em uma espécie de confusão linguística e estilística que, em uma análise mais profunda, levam o leitor à confusão, ao processo de deterioração e precarização que domina a vida dos personagens dessa obra.
Trata-se de um romance supostamente policial em que não se tem a intenção conservadora típica dos romances policiais de restaurar a ordem e punir aqueles que se colocam contra as relações de poder estabelecidas. Não se apontam objetivamente culpados. As condições de precariedade parecem contaminar a todos. Parecem tornar a todos, cínicos.
O narrador traz a todo momento informações absolutamente inúteis a narrativa em si, o que serve para aumentar a sensação de inutilidade de todas as ações tomadas pelos personagens.
O vocabulário é rico e bastante difícil, misturando termos populares e acadêmicos com citações ou palavras em francês, inglês, alemão, latim e até grego (sem qualquer nota ou explicação - o que não impede o leitor falante de português com um repertório mais amplo de descobrir seu significado).
Isso tudo deixa o fluxo da narrativa complexo e bastante lento. Não dá para ler de qualquer jeito ou em qualquer lugar. Muita vez o leitor sente que tem de despender uma atenção quase total à leitura. A leitura é um desafio e uma humilde aprendizagem, mas como nada possui um objetivo, nada caminha para um momento de catarse, tudo fica meio cansativo e sem sentido. Nesse ponto dá-se algo parecido com o que ocorre com a leitura de Ulisses de Joice e outras obras do modernismo e pós-modernismo: a ausência de elementos que caracterizam a narrativa ocidental (uma ordem com uma finalidade catártica, momentos de virada no enredo... ) faz que o leitor reconheça o valor literário da obra, mas ao mesmo tempo sinta sua leitura como cansativa e sem um propósito claro.