A. Vagante 21/09/2022
Meu encontro com Nietzsche em "Ecce Homo"
Nietzsche me pareceu despreparado para sua inevitável ruína. Mas quem está pronto para tal infortúnio? Ecce Homo portanto, como último livro do hedonista maior da Alemanha, merece o título que carrega, dados todos os entremeios que o gerou. É o homem apresentado por ?Pilatos?, humilhado pelo seu povo e pelo seu tempo, de olhos azuis e barba graúda, que não se chamava Jesus de Nazaré!
Como estreante no universo nietzchiano, Ecce Homo me provocou às vezes pena, às vezes ódio, às vezes desinteresse, às vezes reverência ao seu autor. Uma biografia espiritual e filosófica com viés de deja vu previsível não apenas pela explicação de cada defesa e contexto de suas obras, mas também pela insistente retomada de seus chavões ? uma luta intensa contra o cristianismo e os convencionalismos do povo alemão.
Apesar de toda a linguagem filosófica empenhada na obra, há lirismo e poesia, mesmo que isso não venha ao caso. Isso torna sua leitura difícil para os novos leitores. Os leitores mais atentos e determinados, porém hão de perceber as circunstâncias permeadoras de tal rigor: Nietzsche não apenas foi um grande filósofo, como também um esmerado filólogo ? uma espécie de supra-sumo da linguística ? somada ao seu caráter de gênio demasiadamente explosivo.
A grande verdade no dinâmico Nietzsche de grandes e polêmicas obras filosóficas no píncaro do século XIX é que ele abomina tudo aquilo que Jesus Cristo passou a representar séculos após sua morte ? um ídolo, uma ideologia. Nietzsche se recusa a ser canonizado como tal. Ele é o homem criado e mortificado na (e pela) sua natureza. Embora os capítulos intitulados ?Por que sou tão sábio?; ?Por que sou tão sagaz?; ?Por que escrevo livros tão bons? insinuem certa prepotência e orgulho de si mesmo, o filósofo esclarece:
?Sou demasiado curioso, demasiado problemático, demasiado insolente, para me contentar com uma resposta grosseira. Deus é uma resposta grosseira, uma indelicadeza para conosco, pensadores ? no fundo, é mesmo apenas uma grosseira proibição: não deveis pensar!?.
Nisto, portanto, está sua melhor síntese de si mesmo. De fato, ele é insuportável porque o mundo se condicionou a enxergar a verdade inteligível assim, e é isso que ele abomina. Ele não odeia Deus, ele odeia o discurso da fé alienante.
Assim, pode-se inferir suas intencionalidades diferentemente de como elas são interpretadas por muitos, de que ele é um apático, um anti-cristo, um doente; doente talvez, dadas suas aspirações. Nietzsche ama o conhecimento e a verdade e luta com todas as forças contra o espírito de alienação humano, que o tolhe, que o limita, que o impede de ter a ampliação do horizonte de expectativas que o possibilita evoluir. Ao mesmo tempo, orgulha-se e comemora por homens sagazes como ele, que se entregam por bode expiatório da ignorância humana, permitindo assim um domínio em expansão da filosofia.