Andreia Santana 09/10/2011
Pequeno libelo à sobrevivência
Sylvia fica em casa sozinha enquanto a irmã mais velha, a mãe e o pai trabalham em uma fábrica. Ela tem cinco anos e sua única boneca foi vendida para comprar comida. Sua maior diversão é imaginar histórias em que os protagonistas são os grãos de poeira que obsessivamente varre do apartamento minúsculo. Ou imaginar sabores de coisas gostosas que ela nunca provou. Sem brinquedos, magra como um graveto, responsável pela limpeza do cubículo onde vive, e sem ir à escola, a pequena Sylvia só conhece duas paisagens: a dos muros cercados de arame e a do céu estrelado visto de dentro da cova onde o pai a esconde, no cemitério local, cada vez que os soldados de botas negras dão batidas no gueto, caçando crianças.
As memórias da menina judia Sylvia Perlmutter, uma das 12 crianças a sobreviver aos nazistas, no gueto de Lodz (Polônia), ficaram guardadas por quase 60 anos, até que um dia ela decidiu contar tudo para a sobrinha, a jornalista Jennifer Roy. O relato transformou-se no livro Estrela Amarela, um pequeno libelo à sobrevivência, de pouco menos de 150 páginas, daqueles de ler em um único fôlego, e que se configura em um dos muitos relatos verídicos inspirados na infância marcada pela II Guerra Mundial.
A história de Sylvia é a realidade transformada em romance e em certa medida, lembra outros livros que contam os horrores da guerra pelos olhos infantis. O livro traz ecos de relatos clássicos do período, como O Diário de Anne Frank. Narrado também em primeira pessoa, mas sem o aspecto dialógico de um diário, o livro tem aquela inocência típica da visão de mundo de uma menina que viveu o cotidiano da guerra dos quatro aos 10 anos, mas a narrativa não é tatibitati e nem piegas. Comove na medida certa, traz revelações surpreendentes sobre os pequenos milagres do cotidiano, mesmo que esse dia-a-dia seja marcado pelo medo.
Sylvia Perlmutter, quando decidiu contar sua história à sobrinha, tinha a intenção de acrescentar mais uma peça a esse quebra-cabeças gigantesco formado pelas memórias individuais e coletivas da guerra. Mais de 50 anos antes da pequena Sylvia, Anne Frank escreveu na folha de rosto do famoso diário: “Espero poder confiar inteiramente em você, como jamais confiei em alguém até hoje, e espero que você venha a ser um grande amigo e um apoio para mim”. Na ausência de um caderno de notas e da capacidade de escrever, a menina que sobreviveu ao infanticídio em Lodz, depois de anos resistindo a abrir a caixa da memória, disse à sobrinha que era hora de resgatar sua infância, antes que ela se perdesse para sempre.
Vale muito à pena embarcar nas lembranças da pequena Sylvia.