DIRCE 17/09/2012
Me vi obrigada, por minha conta e risco, utilizar sinais de pontuação.
Quando, li “ Uma aprendizagem ou o Livro dos prazeres” ( Clarice Lispector), não me passou despercebido que o romance se inicia e termina de forma bem peculiar e inusitada – com sinais de pontuação: virgula no inicio “, estando tão ocupada,(...)” , e dois pontos no final do romance – “Eu penso, interrompeu o homem e sua voz estava lenta e abafada porque ele estava sofrendo de vida e de amor, eu penso o seguinte:”
Acredito que Clarice, ao se utilizar desses dois sinais de pontuação, quis dar a entender que a “vida” de Lori tinha um passado, e que, juntos, Lori e Ulisses, teriam um futuro.
Mas, o que tem a ver tudo isso, com o romance, da escritora turca Halide Edip Adiva “O palhaço e sua filha”? Bem, é que eu, ousadamente, me vi , mentalmente, colocando no início da primeira frase desse romance, uma virgula, e, no final , também fiz uso de um sinal de pontuação, só que, não foram os dois pontos utilizados por Clarice – fiz uso do ponto de exclamação.
A constatação de que a menina Rabia- protagonista do romance- foi vítima de um passado histórico, foi o que me motivou tamanha ousadia. Sim, porque a menina Rabia, neta de um imã turco, teve sua infância roubada em decorrência de uma herança religiosa fundamentalista. A esse avô fanático coube a educação de Rabia, visto que logo após a separação, o pai de Rabia (Tevfik ) - um artista mal visto-, foi exilado, e, sua mãe(Emine), volta a viver na casa paterna. Aos olhos do imã, qualquer fonte de prazer, era uma ponte para o inferno, e, sob esse olhar míope, Rabia se torna uma recitadora do Corão. O sucesso como recitadora , leva Rabia até o palácio do sultão, onde ela se depara com a riqueza, com outras culturas, com outros costumes e modo de pensar.
Gostei do livro, antes mesmo da leitura, pois pela sinopse, foi me dado saber que a mítica Istambul serviu como cenário para o romance, entretanto, do que gostei mesmo foi “conhecer” Halide Edip Adiva que, sem dúvida, além de grande escritora foi uma MULHER admirável.
Esse “conhecimento” foi possível graças à leitura do romance e das informações contidas no livro sobre a vida e as obras de Halide Edip Adiva.
Essa mulher que, na vida real, advogava a sua religião - o Islamismo – , não se furta de defendê-la também no seu romance, contudo, reconhece e denuncia, por meio dos protagonistas do “O palhaço e sua filha”, o quanto o fundamentalismo é danoso para a mente de qualquer ser humano independente da fé que ele professa.
Claro que o livro não aborda apenas a religião, aborda também aspectos relevantes ,como a insatisfação da população turca em relação a sua condição social que destoava do luxo que reinava no palácio do sultão no final do século XIX e início do século XX, e da força de uma menina ( Rabia) que à despeito de sua infância roubada, da ausência do pai, da tirânia de sua mãe, não se deixou dobrar e conseguiu quebrar as barreiras da diferença cultural, social e religiosa, quando conheceu o amor.
Não. Não me esqueci do ponto de exclamação. Por acaso não é ele que, usamos quando algo nos espanta? E não é espantoso constatar que, em pleno século XXI ( o futuro associado ao romance da Clarice) que, embora a mulher turca tenha conquistado seu patamar na liberdade, a maioria das mulheres mulçumanas continua a mercê de uma tradição desumana, e, infelizmente, ao contrário do destino de Rabia, o destino dessas mulheres está longe de um final feliz.
É... pelo que parece o futuro da maioria das mulheres mulçumanas se conjuga no tempo passado.
Esse livro só não leva 5 estrelas porque o título me deu uma sensação de incompletude. Eu o considerei um tanto quanto improprio.
“ As bonecas são tentativas idólatras de fazer imagens, elas são abominação aos olhos de DEUS!” pregava o imã ( pag. 33)
(...) o que se seguiu a isso foi ainda mais terrível. O imã a levou para o quarto dele e, exibiu- lhe um bastão, uma relíquia dos dias em que era professor numa escola, e com ele bateu na menina com uma seriedade oficial. Embora seu corpinho já estivesse roxo e seu rosto inchado de tanto chorar, ela a obrigou a ajoelhar-se e repetir orações de arrependimento em árabe até sua garganta doer(pag. 34)
(...) aos nove anos, ela já tinha sulcos profundos entre as sobrancelhas e rugas de dor nos cantos da boca cor-de-rosa (pag.35)
(...)” Mas o que acontece se alguém casar com um cristão apesar da lei?” , insistiu a garota, franzindo a testa.
“Suponho que as pessoas que moram na rua dessa mulher iriam apedrejar a ela e seu amante cristão até a morte. É uma das leis que não podem ser infringidas, Rabia”. (pag.147)