Locimar 05/09/2020
Demais!!!!!! Pela segunda vez. Vivi na pele esta sensação nas avenidas e guetos de sampa na década de 1990
Atarantado pelos automóveis,
meus olhos são varados pelo neon,
degusto minhas doses de cinismo nos balcões
molhados pelo vácuo.
As mariconas fustigam meu corpo com olhares sórdidos,
cada olhada fere fundo e cria crostas que se endurecem;
até a noite acabar estes olhares superpostos me tornarão imune.
Avenida São Luís e seus anjos turvos,
supermarketing de pupilas frenéticas,
sob as árvores o poder acaricia e intumesce caralhos lânguidos.
Há pelos corpos em fila uma náusea imprecisa,
eu vejo uma sinfonia de cusparadas e aprendo acordes sombrios
com os quais devo ornar minhas pernas
metidas num blue-jeans rasgado.
Meu camarada uns passos à frente
negocia sua boca de estátua grega perfumada
por conhaque e baforadas
com um pederasta untuoso que pilota
uma reluzente máquina.
Nós viemos do subúrbio numa progressão eufórica,
bebemos várias cachaças & nossos corações acossados
pela média preferem a autocorrosão,
mas é assim que a cidade nos gosta.
Eu vejo funcionários públicos levemente maquiados.
Eu vejo policiais que me tolhem os passos
com ameaças de sevícias.
Eu vejo bichinhas evoluírem num frenesi azeitado
por anfetaminas e um desespero dissimulado.
As mariconas não as buscam,por isso
elas exorcizam a noite com gritos e
vêm nos outros rapazes um “frisson”
de inexistentes limusines.
O poder pelas esquinas gargalha.
Atarantado pelo sono, embarco ríspido num carro.
Logo mais, de madrugada,ejacularei catarro,
voltarei de ônibus com meu amigo,
adentraremos em silêncio o subúrbio
sabendo que algo em nós
foi destroçado.
Poesia publicada no boletim “O Corpo” nº 6″,
São Paulo, 1984, assinado por F.