leashy loo 08/02/2023
Ela não tem coragem de enfrentar o mundo da mãe sem a mãe.
Achei algumas partes do livro um pouco confusas: em muitos momentos, não sabia se os trechos narrados eram algum tipo de metáfora ou possuíam algum sentido escondido, ou se realmente aconteceram no universo da história. Demorei para entender o que havia de fato acontecido no livro, e quando finalmente descobri, fiquei chocada.
Uma, Duas aborda a maternidade de um ponto de vista completamente diferente de tudo o que já me foi apresentado, e apesar de as duas protagonistas, mãe e filha, terem cometido erros completamente humanos, entendi o lado de cada uma e as entendi. Simpatizei ainda mais com o lado da mãe, e apesar de muitos a vilanizarem por tudo que já fez, realmente senti pena de suas circunstâncias.
É um livro que aborda a humanidade nua e crua e, sinceramente, deveria ser lido por todos.
(só p/ registrar minhas partes favoritas)?
"Não há como escapar da carne da mãe. O útero é para sempre."
"Perdoamos tudo de quem nos deu à luz, a senhora não acha?"
"O cheiro do meu pai era o desse sabão. E logo seria o meu também."
"É bom estar em qualquer lugar em que a gente não precise ser a gente mesma."
"Para falar eu teria de amar melhor. E eu não sou muito boa em amar. Quando Laura me acusa de desamor com seu olhar, ela não está tão enganada. Eu a amo mais do que jamais amei alguém, mais até mesmo que amei meu pai, mas acho que o meu amor é fraco. Eu não ligo tanto assim que minha filha adulta tenha se urinado inteira enquanto dizia que estava ótima. Eu também não estou ótima. E é assim que é. Fingindo sempre em frente. É engraçado isso. Fingindo sempre em frente. E avante, diria meu pai com as medalhas no peito, cegando-me com seu brilho."
"Não é que goste tanto de viver, mas não queria morrer."
"Ou melhor, Laura vai me matar. Afinal, ela me deve a vida. Laura pode espernear, mas ela nasceu do meu corpo. Como um câncer. Era isso o que eu pensava que ela era. Já contei isso? Quero contar. Numa das vezes em que o ratinho cinzento se enfiou em mim, eu engravidei. Mas eu não sabia o que era isso. Ele pareceu feliz, o homenzinho. E eu horrorizada vendo minha barriga crescer rasgando a minha pele. Tinha um bicho dentro de mim, como agora. É a mesma sensação. Tira isso de dentro de mim, eu gritava. Mas o homenzinho só me olhava com aqueles olhos tristes dele. É um filho, você vai ter um filho. Um bebê saudável pra gente poder amar. Eu não compreendia. Como eu poderia? E um dia aquela coisa me arrebentou e saiu de mim. Em casa, porque o ratinho tinha medo não sei do quê. Era a mesma dor de agora, a mesma. E lembro de ter me surpreendido de estar viva quando acabou. Olhei para o monstrinho sanguinolento e tive tanto nojo. Era um ratinho também. Constatei que tinha aquela coisa no meio das pernas e um dia tentaria se enfiar em mim como o pai dele. O monstrinho júnior se arrastava sobre o meu corpo e queria sugar os meus seios. O monstrinho pai dizia que eu precisava deixar, mas eu não deixei. Não mesmo. Aquela coisa já tinha me sugado por dentro durante uma eternidade e, agora que saiu, queria me sugar pelo lado de fora."
"A verdade é que amei Laura. Apesar de tudo. E a salvei de mim mesma por amor. Era isso o que eu fazia muito mais tarde, quando lhe dava o meu peito e quase fui parar na cadeia. Eu tentava compensar. Era por isso que não gostava de ver o pai dela por perto porque eu sabia o que podia acontecer quando ele se esgueirava pelas paredes como um rato. Eu não queria nenhum ratinho cinzento nem de cor alguma se enfiando na cama da minha filha."
"Eu até assinava o jornal e lia sempre a sua revista. E quando você revirar o apartamento para vendê-lo, vai descobrir todas as suas reportagens guardadas em álbuns que eu fiz. E todos os livros e filmes que você indicava eu lia e assistia secretamente sonhando que um dia nós duas pudéssemos discuti-los como algumas mães e filhas fazem. Eu só peço para você me matar porque não vou suportar se não puder olhar para você. Eu só preciso poder olhar para você. É sua a última imagem que eu quero levar da vida. E ainda que eu não tenha sabido amar, acho que isso é um tipo de amor."
"Sim, porque você não nasceu porque o seu pai se enfiou dentro do meu corpo paralisado. Você nasceu quando olhou para mim, e eu me vi no seu olhar. E desejei que você vivesse. Você é tudo o que eu sinto de vivo em mim agora que morro."
"De repente compreendo que minha mãe vai me deixar. Que não haverá mais uma mãe para odiar. E que eu não sei o que fazer da minha vida sem ela. Minha mãe sempre esteve ali. Por pior que ela tenha sido, foi a única que ficou."
"E neste momento quero morrer com minha mãe. Porque os dias sem ela que virão não fazem sentido para mim. Eu não serei capaz de enxergá-los sem ela. E mesmo agora, que a amparo, que quase a carrego, sei que é ela quem me ampara e é ela quem me carrega. Que só sabemos andar juntas. E que, sem ela, me faltarão pernas."
Eu jamais imaginaria que tudo o que desejei pelo ódio seria, ao final, um ato de amor."
"Uma mulher adulta em posição fetal quando a mulher que lhe deu à luz acaba de deixar este mundo. Partiu levando com ela seu útero."
"Pela primeira vez eu quero que minha mãe esteja em mim. Não como possessão, compreendo agora. Mas como memória."