Hadlla.H 19/02/2024
Uma Jornada de Autodescoberta
Um livro definitivamente emocionante.
Começamos a ler esta obra pensando que vamos acompanhar diretamente um cão vivendo determinadas "aventuras", mas está longe disso. Buck vai de um cão doméstico para um cão selvagem após eventos suscetíveis, mas é perceptível que esse lado primitivo sempre o acompanhou, desde o dia em que ele viu o sol pela primeira vez.
A habilidade de Jack London em personificar animais e emprestar-lhes características humanas adiciona uma camada de complexidade à narrativa. Cada personagem que cruza o caminho de Buck tem sua individualidade, e cada um dos cães que puxava o trenó com Buck tem sua própria individualidade. O que liderava antes de Buck tem sua própria personalidade; ele nasceu para ser um líder, um cão visto como forte pelos outros, mas essa força se esvaiu diante de Buck, mesmo assim, ele não parou de lutar. E o que mais me surpreendeu e deixou triste foi Dave; ele foi um cão criado para puxar trenós, fez aquilo durante boa parte de sua vida, ou praticamente toda, e em seus últimos dias, mesmo sentindo uma dor que julgo ser insuportável, ele não abandonou a sua posição. A ambientação (que ocorre durante a corrida do ouro no Alasca), no início, é confusa, e em determinados pontos da história também, mas ao longo das páginas é possível entender e se conectar ainda mais com a história. Além disso, a ambientação gélida do Alasca fornece um pano de fundo implacável para as experiências de Buck e companhia. A luta pela sobrevivência em meio ao frio ártico espelha os desafios da existência humana em um mundo muitas vezes indiferente e hostil.
Jack London construiu muito bem as situações deste livro; sua escrita não torna a leitura maçante e tem um traço marcante que é a utilização de frases "simplificadas" para contornar cenas demasiadamente complexas, tal qual: "Conhecia a morte como ausência de movimento, como passagem para longe das vidas dos que viviam." Ao longo da narrativa, London nos confronta com questões essenciais sobre a natureza da civilização, a brutalidade da vida selvagem e os instintos primordiais que ainda residem dentro de Buck e até mesmo de nós.
A figura do ser primitivo é construída de forma excepcional. O enredo é interessante, pois acompanhamos um cão doméstico que se acostumou à simplicidade acolchoada da vida em uma fazenda ensolarada, rendendo-se aos seus instintos primitivos, vemos bem como isso funcionou e como Buck lentamente deixou de ser um cão doméstico vindo de São Francisco para se tornar um lobo grande demais.
O final me agradou bastante. Não é aquele final triunfante e glorioso, é um final simples que não tem como objetivo determinar heroísmo ou certo e errado, um final que mostra que Buck finalmente se tornou aquilo que seus ancestrais eram, assumindo um êxtase que marcava o apogeu da vida e finalmente seguindo as leis primitivas da natureza.
"Sabia que estava por fim correspondendo ao apelo, correndo ao lado do seu irmão do bosque em direção ao lugar de onde ele provinha."