alineaimee 25/04/2014Li inúmeras resenhas que elogiavam muito o Alta Fidelidade, mas acho que fiquei com a impressão errada sobre ele. Em geral, os resenhistas destacavam o fato de o protagonista ser apaixonado por música e ter mania de fazer listas dos cinco melhores acerca de tudo. Só por isso, já fiquei muito interessada. Também eram comuns elogios ao humor do personagem, então fiquei com essa ideia de que o romance era divertido e escolhi lê-lo pensando que teria uma experiência desopilante. Não foi o que aconteceu.
Rob Fleming está na casa dos trinta e poucos, tem uma loja de discos quase falida e acaba de ser deixado pela namorada, Laura. Ele começa a enumerar os cinco piores rompimentos de sua vida, inicia uma autoanálise, e começamos a ter noção de com quem estamos lidando. Ele finge que vai demonstrar que o abandono de Laura não foi nada de tão grave, mas vai ficando claro, ao longo do romance, que isso não é verdade. Rob é uma pessoa frustrada, egoísta, mal-humorada. Mais do que isso, ele é imaturo e um verdadeiro cretino. É infiel com as namoradas, impaciente com os amigos, preconceituoso, usa as pessoas. Sua capacidade de fazer as escolhas mais equivocadas era tão grande que tive ímpetos de jogar o livro na parede, na impossibilidade de encher o personagem de tabefes.
Então, vocês indagarão: é ruim assim, Aline? Não, gente. O livro é ótimo! Um romance que consegue despertar sentimentos tão fortes no leitor em relação ao personagem só pode ser muito bom. Minha raiva não era com uma escrita ruim, problema de estilo ou de construção do personagem. Pelo contrário. Se me roí de raiva, é porque o personagem era convincente demais. Essa talvez seja a maior qualidade do romance: a capacidade de Hornby de criar personagens e situações críveis.
Percebam: terminei o livro muito mal, emputecida de verdade com o Rob, que me pareceu um dos personagens mais obtusos de que tive conhecimento. Revoltava-me o fato de que ele chegasse tão perto das melhores conclusões, das percepções mais cristalinas, e em seguida agisse como um completo babaca egocêntrico. Longe de ser desopilante, a leitura foi uma experiência deprimente. Precisei de tempo, de certo distanciamento para reconhecer a eficiência do texto de Hornby. Rob é um personagem humano demais, a ponto de causar vergonha alheia. Porque tudo por que ele passa é possível, tudo soa real demais e é narrado com uma sinceridade desconcertante.
É curioso que num livro sobre uma crise existencial, a capa seja tão descontraída e com cores tão fortes. Ela sugere uma ideia um tanto equivocada do romance, porque destaca apenas um dos seus aspectos. O drama de Rob e a indignação que o personagem me causou não estão retratados aí.
Para me reconciliar com o personagem, listarei as cinco melhores características do romance (originalidade, cadê você?):
1. Estilo narrativo. Nick Hornby escreve muito bem!
2. Os amigos, Barry e Dick, viciados em música, desajustados e incapazes de terem uma conversa séria. As passagens com eles são as mais engraçadas.
3. As listas que Rob, Barry e Dick fazem. São muito divertidas e interessantes para quem gosta de música e cultura pop.
4. Humor. Rob é irônico, autocrítico, ácido. Sua sinceridade extrema nos convida à identificação, que comigo não rolou, de fato (porque sou chata).
5. Ótima caracterização dos personagens, lugares e situações, que torna a história muito crível.
Enquanto a alta fidelidade de Rob é destinada somente a si mesmo e à música, o romance, por sua vez, funciona como um espelho, buscando ser fidedigno ao refletir um aspecto que não queremos reconhecer em nós mesmos. E se a gente ainda reage mal a esse reflexo, é porque estamos no caminho certo. Alta Fidelidade é tocante, cool, envolvente e sacana, como um bom e bem afinado blues.
site:
http://www.little-doll-house.com/2014/04/alta-fidelidade.html