jota 19/08/2013Quarenta anos: idade da razão? Resumo da ópera: Peter Harris, galerista, e sua mulher Rebecca, editora de uma revista de arte, estão a caminho de uma festa de amigos, em Manhattan. Mas um cavalo, desses que puxam carruagens de turistas em Nova York, é atropelado por um automóvel e morre atrapalhando o trânsito. Mas não completamente o sábado do casal, que depois vai terminar, já na madrugada, num ato sexual narrado com muitos detalhes.
Enquanto presos num taxi, marido e mulher também conversam sobre o que parece ser um problema: receber no loft, por algum tempo, Mizzy, ou Mistake (erro, engano) ou Ethan, rapaz de 23 anos, irmão mais novo de Rebecca, que já foi viciado em drogas (mas parou, de fato?), não concluiu seu curso em Yale e tampouco tem um emprego fixo. Ele vem para uma temporada com a irmã e o cunhado; diz que quer aprender algo sobre arte. Isso depois de passar algum tempo fazendo meditação no Japão e dar uma esticada até Copenhague.
Também conhecemos outros personagens secundários, habitantes de Manhattan e de outros pontos de Nova York: milionários, artistas, colecionadores de obras de arte, galeristas, etc. Parece que estamos diante de gente que também poderia frequentar as páginas dos livros de Paul Auster. Elas discorrem sobre música, filmes, livros, pinturas, artistas, etc. Mas a coisa toda não é apenas isso, que Ao Anoitecer é uma obra de Michael Cunningham e, para ele, sexo tem (como Peter nos confessa a certa altura sobre Rebecca) cheiro de camarão fresco.
Então, temos aqui Peter ainda no passado, um garoto de treze anos em busca de odores corporais que poderão estimulá-lo em suas seis masturbações diárias, e que se põe a cheirar o maiô recém-usado de uma garota que o irmão mais velho convidou para passar o final de semana com a família.
A milionária que recebe os amigos no sábado tem pendurado no banheiro social um caro desenho para ser apreciado por quem vai urinar ali. Outros milionários que Peter e Rebecca conhecem podem comprar de algum artista, por um alto preço, uma pedra enfeitada com penas e pedaços de pano ou barbante (algo semelhante a um grande ovo num ninho), e dar-lhe status de obra de arte. (A capa do livro mostra um homem olhando para um quadro em branco. Isso parece representar a ironia que de vez em quando é destilada por Cunningham ao longo de todo o volume).
Já morando no loft de Peter e Rebecca, Ethan é surpreendido nu duas vezes pelo cunhado: tomando banho, e numa madrugada, insone, na cozinha. Peter, que parece ser um heterossexual convicto, fica perturbado com aquela visão, como se o cunhado, com seu corpo jovem e perfeito, fosse assim um desses modelos renascentistas que posavam para os grandes pintores. Ou para as esculturas de Rodin. E Peter, um sujeito sensível, pois se não é um artista, pelo menos vive entre artistas e obras de arte, sucumbe à beleza do cunhado. Ter um caso desses daria o que falar, claro, mas também seria seu pontapé na vidinha chata que leva. Vida que não era assim tão ruim até Ethan chegar.
Mesmo que questões (ou elucubrações) artísticas sejam colocadas por Cunningham aqui e ali, do jeito que toda a história foi construída parece que não sobra ao leitor (ou aos turistas que ainda passeiam de carruagem por Nova York) senão fazer a seguinte pergunta: Peter e Ethan vão ter um caso, de fato; ele vai trocar a mulher pelo irmão mais novo dela? Pois Peter começa a pensar nisso e em alguns devaneios ele vê em Ethan a própria Rebecca jovem e viçosa da juventude, diferente da mulher de quarenta anos de agora.
Ethan, que era visto especialmente pelas irmãs e pelos pais como um príncipe encantado (e que veio a Nova York sem cavalo, espada, coroa e cetro), também se apaixonou por Peter (afinal de contas ele beijou o cunhado na boca em duas ocasiões e já declarou seu amor por ele, que teria começado ainda em criança, sentado em seu colo, ouvindo-o ler uma historieta) ou está apenas usando o cunhado (e também Rebecca) com segundas intenções? Como tudo isso vai acabar? Esse suspense não é colocado pelo autor (que flutua bem acima de nossos pensamentos), mas pelo leitor comum, pelas razões apresentadas antes.
Este é o segundo livro de Cunningham que leio; o outro foi o premiado As Horas, que me pareceu superior (ou mais complexo e envolvente) a Ao Anoitecer. Que, mesmo não sendo uma obra excepcional, tampouco é decepcionante, pelo contrário. Mas uma nota cinco talvez fosse demais, e quatro, de menos. Então fico com a inexistente 4,5.
Lido entre 17 e 19/08/2013.