O estrangeiro

O estrangeiro Albert Camus




Resenhas - O Estrangeiro


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Arsenio Meira 26/11/2013

Mersault no século XXI

Curto e acachapante, O estrangeiro é o primeiro romance de Camus. (Penso em Augusto dos Anjos, que ainda imberbe escreveu os famosos Versos Íntimos aos 17 anos!)

Conta a história de Mersault, homem de vida aparentemente previsível, funcionário mediano, de pouca conversa, sorumbático (como diria Machado), cultivador de relações esporádicas, que mora em Argel. Camus destila uma narrativa seca em primeira pessoa, e nos revela, desde o primeiro instante, o alheamento do personagem, fixado no desapego à vida, aos valores da sociedade e ao seu próprio cotidiano e destino.

Relendo-o pela terceira vez, posso assentar que a sensação de impacto permanece inalterada. Impressionante a destreza literária de Camus; a maneira como constrói o protagonista. Sua alienação e estranheza poderia desnudar um universo artificial e inverossímil, mas o Argelino o faz parecer perfeitamente natural. A espontaneidade do discurso de Mersault lhe dá vida e consistência. Mersault não sofre ou se encanta.

Começa seu relato soltando , de bate pronto, um pontapé na olhar do leitor: (Mamãe morreu hoje. Ou talvez ontem, não sei). Segue sua vida sem sobressaltos: relaciona-se com Marie com certa indiferença (se ela quiser, ele casa; senão quiser, um dar de ombros é o máximo que se traia dele); aceita as propostas do patrão sem nenhum muxoxo (vai para Paris, se ele assim o designar; se não fica tateando o invisível em seus recantos, e estamos conversados); participa da vida dos vizinhos sem maior emoção (ajuda o macho Raymond, o velho Salamano como quem conserta automóveis).

Um dia, envolvido involuntariamente nas brigas de Raymond, Mersault acaba por cometer uma atrocidade, em plena praia, com sol a pino, no desnorteio do calor, da luz do sol e de sua própria insensibilidade moral. Desse fato, desencadeia-se seu julgamento, no qual ele enfrenta uma penca de juízes, procuradores, testemunhas; parece que o mundo inteiro quer sua jugular. E no julgamento a pena máxima é a pena de morte.

A história de Mersault, durante o julgamento e a prisão, é a de uma ligeira autodescoberta, de uma gradual autoconsciência, que não chega a anular, no entanto, a sua condição de estrangeiro aos outros e aos valores sociais em geral. Porém ele acaba menos insensível à vida, afinal o homem não é um monstro; um pequeno idílio saudoso desponta dos seus olhos, como o amor por Marie, o súbito carinho por Céleste, dono do bar e velho conhecido. Mas o comportamento e os pensamentos ainda persistem, são de alguém estranho às coisas da vida. Como todos estão carecas de saber, "O Estrangeiro" é um típico romance existencialista, como A Náusea, de Sartre, onde o vazio do personagem (e a imotivação de suas ações) é o tema principal.

Além de ser uma enxuta reflexão sobre o alheamento, O Estrangeiro trata ainda, filosoficamente, do confinamento e da pena de morte. Camus nos fala da relatividade de ser um acusado: a memória ou uma fresta de luz ou de céu podem dar mais liberdade do que a aparente liberdade da vida social. Eu, cá do meu lado, não estou muito seguro disso...

Quanto à pena de morte, em poucas e certeiras linhas, ele destrincha a inexorabilidade do destino do condenado, em contraste com a imprevisibilidade de uma hipotética condenação no momento do julgamento. Duas lógicas distintas, uma a da inevitabilidade, outra a da contingência.

Não deixa de ser uma obra que exala tristeza. E seu enredo tem seus pontos alegóricos e proféticos: as pessoas do século XXI, embora conectadas e deslumbradas com isso, continuam adeptas da nefasta "ideologia" do "Vem a nós e ao vosso reino, nada"; estão cada vez mais individualistas, narcísicas, e solitárias.

Agora esporadicamente se renuem em passeatas, protesto mil (alguns vão única e exclusivamente para postar fotos suas no face, twitter e o diabo a quatro, querendo provar sei lá o que e para quem). A despeito desse mundo interligado, voltam sozinhas pra casa. Estrangeiras em seus próprios trilhos. Alguns percebem e pulam fora; outros permanecem alheios até o fim.
Renata CCS 26/11/2013minha estante
Que resenha perfeita, Arsenio! Você escreve de uma forma que é um convite à leitura!


Arsenio Meira 26/11/2013minha estante
Renata, obrigado! Te mandei uma mensagem.
Ps - onde se lê: "(se ela quiser, ele casa; senão quiser, um dar de ombros é o máximo que se traia dele);" leia-se: "(se ela quiser, ele casa; senão quiser, um dar de ombros é o máximo que se extrai dele);


Alisson 18/03/2014minha estante
Resenha magnífica!


Arsenio Meira 18/03/2014minha estante
Valeu, Alisson. Camus - em pouco mais de cem páginas - escreveu uma obra tão fundamental, que daqui a dois mil anos, se Terra ainda houver e ser humano idem, o romance continuará clássico, continuará sendo lido, debatido e admirado. Abraços!


Ulisses 15/02/2015minha estante
otima resenha arsenio!


kitsune1977 11/01/2016minha estante
gostei bastante da sua resenha mas, talvez por ser meio limitada ao entendimento da profundidade das obras clássicas, eu achei q o livro deveria se chamar "o psicopata". talvez fosse chamado assim se fosse escrito hj em dia, acredito q na época esse termo ainda não existia...mas foi exatamente o q me passou. mersault, pra mim, é pura e simplesmente um psicopata, lembrando q nem todo psicopata sai matando a torto e direito, normalmente eles são assim, alheios à realidade...desprovidos de sentimentos, tanto faz como tanto fez...


Nik 12/04/2017minha estante
adoreeeeeeeeeeeei


midauer 27/12/2019minha estante
Arsenio, eu já quero ler o livro... mas despois da sua resenha eu quero ler um livro seu!
Excelente escrita! Lindo de ler!


Fábio M. Pacheco 13/10/2020minha estante
Um livro marcante e humanizados.


Fábio M. Pacheco 13/10/2020minha estante
Um livro marcante e humanizador.


Belinha 06/12/2020minha estante
Hoje acordei com vontade de reler o estrangeiro, ótima resenha colega.


Marcia 23/01/2021minha estante
Uma visão existencialista da sociedade do século XX e ainda muito real no século XXI


leo 13/05/2021minha estante
????????


Mateus438 30/03/2023minha estante
Que maravilha de Livro, realmente precisa de mais tonalidade em nossa vida cotidiana.


Daianebcs 11/06/2023minha estante
Ainda bem que não li sua resenha antes do livro. Iria estragar todo impacto e surpresa l.




Fabio 24/10/2023

"Estrangeiro a si mesmo"
A obra-prima 'O Estrangeiro' de Albert Camus, publicada em 1942, convida o leitor mergulhar mesmo que sutilmente nos temas filosóficos existenciais, através do olhar Meursault, um indiferente colono francês na Argélia dos anos 40.

Albert Camus, nos apresenta a história do apático Meursault, um homem que, alheio as coisas a sua volta, e possui uma enorme dificuldade na capacidade simbólica de representar emoções, e interesse as emoções alheias. E narra logo na primeira frase de forma fria e indiferente o falecimento de sua mãe.

Meursault, com suas reações de "indiferença", choca o leitor desde as primeiras páginas e após passar por uma série de situações, logo após o funeral de sua genitora, acaba condenado por um crime hediondo, com motivações irrisórias, por que é incapaz de demostrar e descrever seus sentimentos, e muito menos entender, as motivações pelas quais o levaram até o fatídico dia de sua prisão e que somente no final, ele dá conta dos acontecimentos e que, tudo lhe foge da percepção e constata que, o mundo não tem sentido nem razão, e que a vida é absurda e fantasiosa.

Camus, nos entrega um texto duro, chocante e extremamente melancólico, repleto de simbolismos, que, nos faz mergulhar no absurdo existencial, e mostra um mundo onde não existem consistências, certezas e garantias, e que toda a existência humana está relacionada ao sentimento, e a forma que se conviver com eles, bem tipo da filosofia absurdista camusiana.

Na vida de Meursault, podemos observar que a rotina e a extrema monotonia transforma a capacidade do personagem de mensurar seus atos, passando a não dar mais importância as coisas mais fundamentais tais, como o trabalho, os relacionamentos, os amigos, e mesmo as situações mais extremas, são entendidas como cotidianas e banais, transformando a vida em algo sem sentido, e que nada pode mudar isso.

O Estrangeiro, também nos intima a refletir sobre as relações humanas, e a intrínseca capacidade de convivermos e relacionarmos com o próximo, e como devemos lidar com os nossos sentimentos, e a visão que temos sobre os sentimentos alheios, mesmo os mais tênues e os inverossímeis, e também sobre os problemas relacionados a aleximitia e ao confinamento social.


"Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem." É considerado um dos inicios mais impactantes da história da literatura mundial, e que acaba por ser o cartão de visitas de “O estrangeiro”, e nos dá uma breve introdução do que encontraremos no decorrer das páginas, dessa magnifica obra-prima, que foi amplamente elogiada por escritores e filósofos tais quais, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Maurice Merleau- Ponty.

O Estrangeiro, obra indispensável para todo a amante da literatura, e que deseja conhecer a forma de pensar do escritor e filósofo Albert Camus, na sua forma mais sutil e lúcida

Recomendo absolutamente a todos!
@Francielly 24/10/2023minha estante
Fabio,
Como sempre, mais uma resenha escrita incrivelmente bem!
Parabéns, amigo! ???


Fabio 24/10/2023minha estante
Rô, muito obrigado, pelas palavras carinhosas!?
Eu fico feliz que tenha gostado da resenha, e agradeço pela paciência de sempre, em ler e dar sua opinião!
Sabe que é importante não é?
Muito obrigado pelo carinho, querida!?


Fabio 24/10/2023minha estante
Ahh, Fran, querida, muitíssimo obrigado!?
Vindo de uma escritora como você, é um elogio e tanto!?


Camila Felicio 24/10/2023minha estante
Excelente resenhaa do excelente Camus!! Se não leu ainda te recomendo "A Peste"


Fabio 24/10/2023minha estante
Muito obrigado, Camila, querida!?
Realmente o Camus é espetacular, e pode deixar que eu já coloquei "A Peste"na lista! ?


Fabio 24/10/2023minha estante
Faço das suas as minhas palavras, Rô!!!?


RayLima 24/10/2023minha estante
Ótima análise e adorei o título ??????


Fabio 24/10/2023minha estante
Obrigado, Ray!?
Lisonjeado ?


RenatoVM 25/10/2023minha estante
Terei que parar de ler suas resenhas, ou então minha lista de livros a ler aumentará drasticamente. Impossível não querer ler as obras após suas resenhas. Parabéns.


Fabio 25/10/2023minha estante
Renato, muito obrigado pelas palavras!?
Lisonjeado!!!!!
Fico feliz que tenha gostado da resenha que ela tenha ajudado a aumentar sua lista de leitura!?


-Rachel 25/10/2023minha estante
Resenha perfeita, Fabio!!! ?
Sério, sua escrita é sensacional, não duvido nada que um dia acabarei sendo influenciada por suas resenhas e lerei um desses livros.


Fabio 25/10/2023minha estante
Ahhh Rachel, muito obrigado pelo carinho e pela presença!?
O maior presente para um resenhista, e quando alguém diz que vai ler algo sobre o que foi resenhado!
Muito obrigado e vindo de uma escritora como você, é um elogio gigantesco!?


Pedro 25/10/2023minha estante
Conselho de amigo: fique longe de pessoas apáticas e niilistas. Essas pessoas são abismos.

Excelente resenha, Fábio... como sempre. ?


Fabio 25/10/2023minha estante
Obrigado, Pedro, meu amigo!?
Concordo contigo quanto ao niinistas e nietzschianistas ..... abismos!


Ma_ah 25/10/2023minha estante
Dica anotada!! Uma ótima resenha. Parabéns!!!


Fabio 25/10/2023minha estante
Obrigado, Mah!?
Feliz que tenha gostado da resenha!!!


Aline MSS 25/10/2023minha estante
Estou com o Renato, vou ter parar de ler suas resenhas, pq mha lista não está suportando mais. ???
Ficou excelente como sempre! Manda mto!


Fabio 26/10/2023minha estante
Muito obrigado, Aline!?
Fico feliz que, que estou ajudando aumentar alista de vocês!!!


Regis 26/10/2023minha estante
Adorei sua resenha, Fábio. ???
Esse livro está na minha lista tem um tempo, vou apressar a leitura. ??


Fabio 26/10/2023minha estante
Obrigado, Regis!?
Fico feliz que tenha gostado da resenha, mas fico ainda mais, em saber que incentivei a adiantar a leitura!
Vou acompanhar todas as suas impressões e depois, venha aqui me contar o que achou!


CPF1964 26/10/2023minha estante
Excelente Resenha, Fabio.. As usual.


Fabio 26/10/2023minha estante
Muito obrigado, Cassius!?




@aprendilendo_ 23/05/2021

Resenha de O Estageiro
Publicado pela primeira vez em 1943 e escrito por Albert Camus, “O Estrangeiro” é considerado um dos melhores livros do séc. XX. Na trama, acompanhamos a excêntrica história de Meursault, um jovem apático e sem propósitos, que, após a morte de sua mãe, vivencia um romance arrebatador e uma amizade perigosa. O grande destaque da obra, no entanto, advém justamente da falta de sentimentos do protagonista, a qual demonstra a filosofia existencialista de Camus e enseja inúmeros debates até os dias de hoje.

De início, narrada em primeira pessoa, acompanhamos uma história fluida e peculiar. Nesse contexto, tal singularidade encontra-se na descrição do protagonista sobre o seu entorno, a qual é caracterizada por uma apatia intrigante. Exemplo disso, é a forma como acontecimentos surpreendentes e até repugnantes são tratados de maneira banal pelo personagem. Ainda nesse ponto, com um bom uso do absurdo, a leitura consegue instigar desde as primeiras páginas, enquanto provoca o leitor com diversos momentos de reflexão. Dessa forma, tem-se uma leitura imersiva e com um ótimo estudo de personagem, a qual funciona muito mais como um conto ou parábola do que como um romance em si.

Em segundo plano, abordando o aspecto filosófico do livro, percebe-se o motivo de seu sucesso. Isso, pois de maneira singular, Albert Camus consegue traduzir todos os receios, questionamentos e desânimos de uma pessoa vazia de um sentido de viver. Nesse contexto, o existencialismo surge não apenas do modo apático de Meursault, mas, igualmente, de embates entre as filosofias dos personagens e observações do próprio protagonista. Como resultado, todos esses elementos, somados, geram a ótima proposta de uma observação sobre o sentido da vida.

O Estrangeiro é um livro peculiar, com uma boa escrita e uma trama instigante, o qual traz bons momentos de reflexão sobre o pesadelo de uma vida sem propósitos.

Nota: 8,75
Instragam: @aprendilendo_
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Rosangela Max 07/02/2022

Leitura curta, mas significativa.
Esta é a história de um homem que vivia a vida em um estado entorpecido. Tudo pra ele era um grande ?tanto faz?. E por viver desta forma, acabou fazendo algo estúpido.
Em algumas passagens, me lembrou ?O último dia de um condenado? de Victor Hugo.
A escrita do autor é fluída e honesta. Mostra o ser humano em sua forma crua, sem aquela camada ?sociável?.
Gostei bastante. Principalmente dos personagens fora do padrão.
Recomendo a leitura.
Hannah 07/02/2022minha estante
Maravilhoso! Seria magnífico se todos tivessem a oportunidade de sentir como é enxergar a vida pela perspectiva do personagem principal sem fazer juízo de valor ou de moral


Rosangela Max 07/02/2022minha estante
Seria um tanto perigoso.
Sem consciência de bem e mal, certo e errado? seria um caos. Já estamos caminhando pra isso, vendo as pessoas se tornando insensíveis ao sofrimento alheio, a violência etc.
Não devemos medir os outros de acordo com a nossa própria régua, mas precisamos de limites.
O ser humano não sabe lidar com a ?liberdade?. Rs


Alan kleber 07/02/2022minha estante
A Peste e A Queda também são livros sensacionais. Camus era um gênio.


Rosangela Max 07/02/2022minha estante
Sim, estes dois livros estão na minha lista. ??




Marlonbsan 28/09/2021

O Estrangeiro
Meursault tem emprego e casa, mas caminha pelo mundo, age no ?tanto faz?. Quando sua mãe morre, ele vai ao enterro e a partir daí que ele se mostra alguém diferente aos olhos da sociedade.

O livro é escrito em primeira pessoa, tem uma linguagem muito simples e capítulos curtos, características que ajudam na fluidez da leitura.

Apesar de ter uma história interessante, por conta dos fatos que ocorrem na vida de Meursault, assim como algumas peculiaridades dos demais personagens. O próprio Meursault não é alguém com quem criaria empatia ou me importaria, muito pelo fato de sua apatia quanto ao que ocorre a sua volta e isso faz eu me afastar da história.

Existem várias reflexões quanto a vida e a morte que podem ser feitas a partir dos contextos apresentados durante o livro, assim como questionamentos quanto as atitudes adequadas para os seres humanos em determinadas situações. A visão de Meursault pode causar estranheza, mas ele estava consciente do que estava fazendo.

Talvez haja significados que o autor quisesse passar e com certeza muitas interpretações de quem leu o livro. Mas, para mim, assim como Meursault se mostra inerte quanto ao que ocorre a sua volta, eu me senti quanto ao que me era apresentado, já que não foi uma leitura que me impactou.

No geral é uma história interessante, principalmente sobre o contexto a volta do personagem, e algumas partes que podem gerar várias reflexões, mas também pode ser apática, tanto quanto a personalidade de Meursault.
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Tais 21/01/2024

Killing an arab
Gostei muito da obra. Me trouxe a reflexão de como uma condenação moral precede a sentença condenatória.
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Lais544 23/08/2020

A indiferença é o que pesa. Um homem desprovido de sentimentos e ambições descobre que sua mãe morreu e isso só lhe causa indiferença e sono, acusado e condenado por assassinar um árabe poucos dias depois, o crime não lhe causa arrependimento, sua falta de fé e sua indiferença perante a morte da mãe é pesada no tribunal, final trágico.
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Flávia Menezes 12/08/2022

É PRECISO TER MAIS CORAGEM PRA VIVER DO QUE SE MATAR.
?O Estrangeiro? é uma novela publicada em 1942 pelo autor, filósofo, dramaturgo, jornalista e ensaísta franco-argelino Albert Camus. Muito embora Camus rejeitasse o título de existencialista, é preciso reforçar que essa é uma obra que traz a discussão da existência humana com muita profundidade e maestria.

Apesar deste ser um livro relativamente curto no que diz respeito ao número de páginas, seu conteúdo é bastante rico, e além de trabalhar a questão existencial acima já mencionada, ele traz à tona um tema muito relevante para o nosso momento atual: a alexitimia.

Primeiramente é importante ressaltar que a alexitimia é um conceito que só surgiu por volta dos anos 1970, através do psiquiatra Peter Emmanuel Sifneo, que o usou para se referir aos pacientes que apresentavam uma vida emocional pobre em sonhos e fantasias, e que possuíam severas dificuldades em encontrar palavras para nomear ou expressar suas emoções.

Porém, muito embora a denominação desse transtorno psicológico tenha sido estudada e apresentada anos depois da publicação de ?O Estrangeiro?, isso não quer dizer que esse quadro ainda não existisse. Mas sim, que seu estudo e a sua nomenclatura surgiram posteriormente.

Confesso que foi um verdadeiro deleite ver como o quadro se delineia com tamanha clareza no comportamento e fala do personagem narrador, Meursault. Digo isso, porque os sintomas relacionados à alexitimia são bastante acentuados no que é apresentado pelo protagonista.

Percebemos em Meursault um homem que não tem expressão alguma de sentimentos. Ele não sofre pela mãe que faleceu, ele não consegue demonstrar sentimentos pela mulher com quem se relaciona, e nem mesmo sentir qualquer culpa pelo crime que cometeu. Além disso, ele é um homem sem ambições, e sem sonhos.

Durante as cenas mais intensas, psicologicamente falando, Meursault relata sensações como o sono, o tédio, o calor. Isso ocorre porque em um quadro de alexitima, muitas vezes as emoções são confundidas com sensações. Ou seja, a tristeza pode ser compreendida como sono, ou cansaço. Tudo porque o alexitímico não entende e nem sabe nomear o que sente.

Foi uma feliz surpresa ler um livro que traz um quadro tão importante na nossa atualidade, descrito de uma forma tão bem trabalhada. E quando digo atual, é porque é atual mesmo. No Brasil, temos poucos estudos em relação a esse tema, e quando pesquisei para confirmar o quadro ligado ao personagem dessa história, as comprovações da minha teoria só foram encontradas em teses da língua inglesa ou espanhola. Em português não havia um único trabalho sobre esse livro que apresentasse um quadro clínico específico referente ao problema psicológico apresentado pelo protagonista.

O que é muito triste, porque esse é um transtorno que muitos homens apresentam. Em especial, os das gerações mais antigas, em função dos meninos terem sido educados com rigor excessivo, e com aquela clássica fala de ?meninos não choram?. O que só resultou na repressão das emoções nos homens. Porém, vale ressaltar que hoje em dia, também podemos ver o mesmo quadro ligado ao gênero feminino, já que na atualidade, meninos e meninas já não possuem tantas diferenciações na forma como são criados.

E assim como aconteceu na história com Meursault, durante muitos anos, os alexitímicos eram julgados e rotulados como pessoas frias, sem sentimentos. E esses estudos sobre esse transtorno, auxilia muito na compreensão da dificuldade que essas pessoas possuem em compreender suas emoções, resultando nessa inabilidade em expressá-las. Que no fundo estão ali, porém, repousam em completa inércia.

Com uma narrativa que mais se parece com um diário de bordo jornalístico, ela muito me lembrou a cena do filme ?Marley e Eu?, quando o protagonista, que era jornalista, narra sua coluna, contando sobre a sua rotina com o seu cão labrador de forma contínua. Essa cena me veio muito à mente durante toda a leitura, porque a narrativa do livro possui igualmente esse ritmo rápido, o que possibilita concluí-lo em no máximo 24 horas.

E se o conteúdo todo já é brilhante, o final é simplesmente filosófico, na mais pura essência da beleza do existencialismo. Como uma boa fenomenóloga, ver esse final tão marcado sobre a questão da vida e da existência humana foi fascinante. Chega a ser um momento da história em que você mal consegue tirar os olhos do livro, porque a sua própria mente viaja nessa discussão, te provocando a pensar sobre a existência de Deus, sobre o que é a felicidade, e o que é viver. E tudo isso acontecendo em um momento decisivo na vida deste personagem principal.

?O Estrangeiro? não é apenas um livro, mas um convite para mergulharmos nessa magnitude que é a existência humana, e na beleza e riqueza das cores que as nossas emoções dão a nossa vida.

Vivemos tanto nessas apologias ao ?pega mais não se apega?, ?abstrai e finge demência?, e todos esses modismos que resultam em reprimir nossas emoções, que não percebemos que essa ânsia por não sentir nada, por desligarmos a nossa humanidade, como se diz no seriado ?The Vampire Diaries?, resulta na nossa desconexão com o outro. E por mais que se valorize o não se apegar a ninguém, o fato é que o nosso existir está fortemente condicionado ao olhar do outro.

É quando o outro me vê, que eu existo. É quando o outro me percebe, que eu posso ser. Que meu corpo ganha vida, e que a minha vida passa a ter sentido. E mesmo que a solidão seja uma condição da existência humana (nascemos sós, e morremos sós), o desejo por esse olhar do outro é o que eu mais persigo.

Porque sem ele, sem o outro, meu fim é o mesmo vivido por Meursault: a condenação a não mais ser, nem muito menos, existir. Porque sem estar com o outro, sem valorizá-lo, sem percebê-lo e sem ser por ele percebida, eu me torno para esse mundo uma verdadeira estrangeira, uma total desconhecida.
Elcimar.Matos 13/08/2022minha estante
Realmente a alexitimia tem que ser mais estudada, e me lembro bem que só soube de sua existência depois que conversamos sobre.


Flávia Menezes 13/08/2022minha estante
E quando eu li, lembrei mesmo da nossa conversa. É um livrinho bem rapidinho. Se um dia quiser ver como isso é, como uma pessoa assim ?funciona?.. vale à pena ler. ???


Elcimar.Matos 13/08/2022minha estante
com certeza lerei




Kaio.Rodrigues 22/01/2021

Que livro incrível! Nele somos apresentados a uma personagem que parece está vivendo no piloto automático. Ele não tem ambições, tem sentimentos vagos e não entende o motivo de as pessoas estarem sempre fazendo coisas que, na perspectiva dele, não fazem sentido.

Em alguns pontos, é possível que possa surgir uma semelhança entre Meursault e o próprio leitor, justamente porque para ele "tanto faz", se dar para evitar um problema simplesmente o ignorando-o, ele ignora-o.

Meursault é tão indiferente as situações que o cercam que chega a icomordar. Entretanto, ele vive bem com isso. Diferente do resto da sociedade que está sempre buscando um sentido para o se faz na vida e, em muitas ocasiões, não consegue alcançá-lo.

Camus nos faz compreender melhor o Absurdo e a maneira de como vive sua personagem, que não tem raízes que a prendam a nada, pode ser libertadora.
elle carmo 22/01/2021minha estante
meu preferido ??


Kaio.Rodrigues 26/01/2021minha estante
Gostei bastante também.




André Lucena 30/10/2021

Qual o peso da indiferença?
"Minha mãe costumava me dizer que nunca se é completamente infeliz. Mesmo na prisão continuava a concordar com ela, quando o céu se coloria e um novo dia entrava na minha cela".

O livro mostra as consequências das escolhas de um homem indiferente a tudo, que tinha zero perspectiva de vida, não por ser infeliz, mas por não almejar qualquer tipo de mudança. Todos os dias eram iguais, todas as semanas eram iguais, porém no dia que recebe a notícia da morte de sua mãe, as coisas começam a mudar, mesmo contra a sua vontade.

É uma leitura bem simples, que mesmo assim é capaz de proporcionar diversas questões existenciais. Senti bastante empatia pelo protagonista, Meursault, por ele ser alguém falho, julgado pela sociedade por ser taciturno, e que mesmo assim, demonstra ser bastante sábio em relação à vida e o seu significado. Ele tem um modo simples de enxergar as coisas e aceitar o seu destino. Justamente essa simplicidade que torna a história interessante.
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Albieri 25/03/2022

11° Livro do Ano
????????
O Estrangeiro - Albert Camus

Um livro muito fácil de se ler e que conta com enredo envolvente, porém o que peca e não é na escrita, simplesmente o fato de a frieza do personagem não ser explicada, um cara frio e calculista, mas muito bem desenvolvido.

#livro #book #oestrangeiro #albertcamus #leitura #ler #read #amoler #leitores #leitor #biblioteca #livraria
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Victor Dantas 14/01/2021

É preciso mesmo um sentido? #35
“O Estrangeiro” (1942), foi o meu primeiro contato com a obra de A. Camus, romance esse que foi sua estreia.

O livro narra a vida de Mersault, um jovem que vive em Argel – Argélia, e leva um a vida comum como todos... ou talvez, não tão comum assim, diria que leva uma vida estrangeira.
Estrangeira, pois, em uma sociedade baseada em sonhos, metas, ambições, desejos, sentido, o Mersault é exceção... é o estrangeiro.

Em uma sociedade que se ampara em religião, posição política, ideologia, arte, consumo, fé, ciência, e tantos outros campos, que servem de muleta, justificativa para dar um sentido à vida, Mersault é a personificação da recusa e aversão a tudo isso.

Afinal, a vida precisa mesmo de um sentido?
A que ponto o “sentido” não é uma desculpa?
O sentir já não é o viver?

E essa recusa e aversão, que o faz ser considerado um estrangeiro, por não seguir o script da sociedade, qual faz parte, por não atender as normas que lhe são impostas, o correto, o ético, o moral.

Ele é o que é. Se tem vontade de comer, come, se tem vontade de dormir, dorme, se tem vontade de ir à praia, vai, se não quer chorar pela morte de seu parente, não chora, se não quer ficar de luto, não fica, e assim o Mersault aprecia sua existência.
Entre negativas e afirmativas, vontades e não vontades, mas sempre com a aceitação dos fatos.
São os fatos que movimentam o Mersault.
Nada mais.

E é justamente por viver os fatos, que o Mersault expressa uma indiferença a tudo que desvie disso. Para ele não é preciso sentido, o fato é a máxima. A vida é um fato, assim como a morte, outra máxima.

Com uma narrativa objetiva, sem excessos e nem faltas, “O Estrangeiro” é original em tudo que se propõe a passar ao leitor, desde reflexões subjetivas até análises mais críticas.
A filosofia aqui inserida, e que viria a se desdobrar em outras do autor é o “Absurdismo”.

“O Estrangeiro” nos mostra que viver como o Mersault, é um ato de coragem, revolta. Paradoxo entre liberdade e prisão.
Ser livre de tudo, mas ser prisioneiro de si mesmo.

De longe, Mersault é um dos personagens mais memoráveis e ícones da literatura universal, o que sem dúvidas, coloca o “O Estrangeiro” em posição de uma obra atemporal.

Prepare-se. Você está diante de uma obra que vai te colocar em conflito com seus posicionamentos, crenças e valores.
Um personagem que vai te causar inquietação.

E ao final da leitura, a questão vai vir:
Alguma vez já vivi como um estrangeiro?

Uma obra que não se esgota na primeira leitura.

Débora 14/01/2021minha estante
Que resenha incrível, Victor! Preciso ler essa obra!


Edison.Eduarddo 14/01/2021minha estante
Agora tem q ler "O caso Meursault" de Kamel Daoud....


Victor Dantas 14/01/2021minha estante
Obrigado Débora! :)
Acredito que você vai gostar muito.


Victor Dantas 14/01/2021minha estante
Sim, Edison, me falaram sobre esse livro. Vou ler em breve :)


Edison.Eduarddo 14/01/2021minha estante
Blza, Victor.... Depois conta pra gente já q vc lê tudo bem rapidinho.... Eu querendo muito fazer essas duas leiturinhas.... ehehhee...


Alexandra.Sophia 14/01/2021minha estante
Sensacional ????


Victor Dantas 14/01/2021minha estante
Obrigado Alexandra ??


Roneide.Braga 16/01/2021minha estante
Livro sensacional!
Resenha incrível, me fez lembrar de vários momentos ?




Myilena 08/01/2012

A elaboração limpa e enxuta, nua e crua, sem uso de minúncias quanto à escrita, com frases que parecem ter sido moldadas pelo silêncio de Meursault, declara a criação de Camus de um mundo absurdo, completamente alheio às preces dos homens. Desconhecendo esse absurso, a personagem principal recusa-se a aderir os jogos dados pela sociedade, sendo então, para todos os demais, um estrangeiro, assim como todos os outros eram estrangeiros para esse.
A vida conturbada do argeliano que presenciou conflitos, que teve inúmeros problemas familiares e que viveu de perto a miséria talvez nos afaste do universo individual de Albert Camus, em especial, dessa dita sua principal obra. Porém a universalização da obra é evidente. Os aspectos sentimentais fizeram pairar aqui um existencialismo (ainda que de alguém que tenha nadado contra a corrente existencialista em seu momento de ápice, não aceitando o partido comunista) junto a uma descrença na sociedade atual que é, na realidade, a esperança de uma visão com menos "estrangeiros". A sociedade fez de Meursault um peixe fora d'água.
Raul 22/11/2012minha estante
Condenado não pelo crime, mas sim por não ter chorado no enterro da mãe...


Baixando 13/04/2013minha estante
Baixar o Filme - O Estrangeiro - Baseado na obra homônima de Albert Camus - http://mcaf.ee/pumqx




Joyce429 12/04/2022

Excepcional!
Mersault é um personagem complexo e muito bem construído, um verdadeiro estrangeiro em meio a sociedade com seu modo de agir. Ele é indiferente a tudo que o cerca, não se importa em tomar partido entre o que é certo e errado, é indiferente até mesmo com a morte se sua mãe. Para ele tudo se baseia em ?tanto faz?, e assim acontecimentos absurdos vão tomando conta da história.

É impressionante como o sol e seu calor pungente se torna uma espécie de personagem, estando presente em todos os momentos cruciais da história (enterro, praia, processo), e contribuiu para que uma catástrofe aconteça.

É um livro excepcional, Camus consegue nos levar a inúmeros questionamentos em um enredo simples, curto e muito bem narrado. Entre tantos questionamentos, ficamos nos perguntando se o modo de agir de Mersault é indício de que ele é um psicopata.
comentários(0)comente



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Clara K 16/07/2014minha estante
Parece ser um livro fascinante. Vou procurar esta leitura, sem dúvida.


DIRCE 18/07/2014minha estante
Oi Clara,
Na verdade, é um livro precioso.




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