Crystal 27/04/2020
este é um livro incômodo, estranho. Albert Camus parece tê-lo escrito justamente pra provocar essa sensação nas pessoas. o resultado é que você termina a leitura totalmente desnorteado, sem ter ideia do que acabou de ler, sem saber se realmente gostou. aí depois de alguns momentos você percebe que, sim, esse é um grande livro, mas não sabe explicar exatamente por quê.
essa é a doce tortura que é ler O Estrangeiro, um clássico curto e seco que me tirou totalmente da minha zona de conforto e me rendeu boas discussões pós-leitura. porém sigo numa relação de amor e ódio com o personagem principal e ainda absorvendo cada passagem da história que, apesar de ter me deixado com uma sensação “what a fuck?” do início ao fim, me intrigou até o último fio de cabelo.
é justamente o protagonista Meursault o motivo de toda essa curiosidade e estranheza. construído para ser um exemplar do absurdismo, Meursault é uma pessoa indiferente à vida que leva, ao que acontece à sua volta e ao seu futuro. ele não se importa com a morte de sua mãe, com a violência com que seu vizinho trata as mulheres, não se importa de assassinar um árabe sem motivo algum, nem sobre qual vai ser seu destino depois de ser julgado.
tal qual o absurdismo, que trata do conflito entre a tendência humana de buscar significado na vida com a inabilidade de encontrá-lo num universo sem propósito, Meursault é arrastado passivamente através dos acontecimentos numa sociedade cujas normas de conduta ele não entende, mas que não vai perdoar seu modo de pensar e de agir estranho, estrangeiro.
Camus também não nos dá informações sobre o porquê de Meursault ser do jeito que é. tudo o que sabemos é do seu momento presente e de como parece que, através do absurdo, ele encontra sua liberdade, que numa hora parece sem sentido frente a todas as maravilhas que uma vida pode ter, em outro aparenta ter a vivacidade do total desprendimento diante das convenções sociais.
é a complexidade de seu protagonista que transforma O Estrangeiro num livro que está mais nas entrelinhas que naquilo que necessariamente lemos. uma história que se constrói embaixo da superfície.
(resenha retirada do meu perfil @crystallribeiro)