spoiler visualizarRonaldo Thomé 02/08/2021
"Eu me sinto um estrangeiro (...)"
Clássico, árido e incômodo, como as areias das praias da Argélia. Essa é a melhor definição de O Estrangeiro, obra de Albert Camus que se tornou a mais famosa do autor, e provavelmente um dos livros mais estudados até hoje.
Camus, argelino de nascença, cria uma obra tão simples e enxuta, que você parece já saber tudo o que vai acontecer nas primeiras páginas. Mersault, o funcionário de um escritório da capital, descobre que sua mãe faleceu em uma casa de idosos.
Durante o funeral, as pessoas reparam em algo estranho: Mersault não parece triste, sua fisionomia não se altera em nenhum momento. Homem de poucas palavras, ele desvia de assunto com frequência e causa certo embaraço nas pessoas.
Vemos que, passados alguns dias, Mersault volta a sua vida: trabalha, vai às praias e restaurantes, sai com sua amiga Marie e tem encontros fugazes. Passa a cultivar uma amizade com um vizinho com índole suspeita, e testemunha uma agressão violenta dele contra sua companheira.
Há livros que se tornam conhecidos por um personagem, outros pela sua originalidade, outros pela sua dificuldade... O Estrangeiro é daqueles livros que, de tão famosos, acaba perdendo um pouco o impacto relativo. Dito isto, a obra tem um plot twist tremendo quando, após ser perseguido junto ao seu amigo por um grupo de árabes, Mersault acaba baleando e matando um deles, num momento gratuito, à beira mar.
A construção que Camus faz gera uma crescente interessante até esse ponto, e a partir daí as reflexões que ele levanta de forma implícita explodem frente ao leitor. Quem é Meursault? Por que ele é um homem tão apático? Seria ele um psicopata, um frio? Um assassino?
Durante o julgamento que se segue, Camus mostra o ponto de vista do Estado, das religiões e da sociedade em geral. O toque de mestre do autor, ao meu ver, é que, por mais que seja difícil de se identificar com esse personagem, somos obrigados pela história a profundas reflexões. Será que também não somos assim? Será que não somos apáticos, frios, ao agir e falar de nossos sentimentos? É impossível não lembrar do conceito de niilismo, tão importante em Nietzsche, ou na "banalidade do mal" de Hannah Arendt, ao ler essa história.
O final do livro não deixa espaço para a esperança, nem para a melancolia; o que se depara é com a realidade brutal da vida, que para tudo cobra um preço, nem sempre justo. Sem dúvida, uma obra extremamente difícil de julgar e que talvez, por ser tão simples, continua sem se esgotar após 70 anos.
Indicado para: quem quer se envolver em longas reflexões sobre a vida e o sentido da existência. Como tudo pode mudar em um único momento?
Nota: 10,0 de 10.
Dica: leia ouvindo isso - https://youtu.be/Egveh-GLjus