Francine 09/02/2017É uma obra que vale a pena ler, contar e usar para abordar a necessidade de não estigmatizar o que podemos definir como maldade e bondade.A diaba e sua filha me atraiu inicialmente pelo título, depois a sinopse cumpriu o objetivo e acabou por me incentivar a adquirir essa leitura. Até então não tive contato com a literatura africana, algo que pretendo mudar depois dessa bela experiência.
Com uma narrativa melancólica, somos apresentados a uma jovem que não se lembra quem foi ou onde mora. Ela apenas carrega uma certeza: é mãe de uma menina, de quem desconhece o paradeiro. Conforme anda pelas ruas, seus passos ecoam: clique-claque, clique-claque, clique-claque...
Ela não é capaz de dizer desde quando seus pés se tornaram parecidos com pequenos cascos de cabra, com uma acentuada fenda. No véu de suas lembranças sabe que nem sempre foi assim. Um dia, seus pés foram normais.
Ela bate de porta em porta e pergunta a quem lhe atende: "Onde está minha filha?".
Seu rosto é belo, atraente... Mas quando as pessoas olham para seus pés, e encontram os cascos, rapidamente fecham a porta! Elas não dão ouvidos à voz sofrida de uma mãe que perdeu sua criança. Elas temem aquela diaba. Elas temem enfurecê-la e terem suas vidas roubadas.
Elas temem o desconhecido.
Por ser uma leitura de poucas páginas, não direi mais nada. Basta saber que é um enredo capaz de ser lido literal ou metaforicamente. De modo literal, nós o interpretaremos como um mito, uma fábula africana que pode ser apresentada às crianças como uma introdução ao gênero dark fantasy. De modo metafórico, no entanto, poderemos encontrar nas entrelinhas uma enorme riqueza de reflexões:
– Os pés de cabra que todos rejeitam, hoje, podem ser o quê?
(a raça, a orientação sexual, a ideologia política... qualquer diferença capaz de gerar preconceito)
– De todos os personagens, por fim, quem mais demonstrou afeto?
(a diaba, que procurava sua filha, ou o povo que a rejeitava?)
– Por que os pés da diaba assustavam?
(por sua aparência, pela falta de informação)
O desfecho é maravilhoso. Imprevisto e agridoce de um jeito que atende a expectativa, mas mantém o enigmático que percorre toda a narrativa. É uma obra que vale a pena ler, contar e usar para abordar a necessidade de não estigmatizar o que podemos definir como maldade e bondade. Afinal...
Não são os cascos de cabra que tornam uma pessoa boa ou má.
São suas atitudes.
As ilustrações são maravilhosas, seguindo um estilo um pouco embaçado talvez para sugerir que não vemos direito a pessoa a quem previamente julgamos com nossos preconceitos. A edição é impecável (marca da Cosac Naify). Leitura recomendada.
Resenha publicada no blog My Queen Side:
site:
http://www.myqueenside.com.br/2017/02/resenha-157-diaba-e-sua-filha.html