spoiler visualizarRayan GQR 28/02/2021
Bentinho poderia se servir de um psicólogo
Após reler esse tão aclamado livro foi que parei para notar que a tão debatida questão do "Traiu/Não traiu" é uma parte bem pequena do livro real, eles não se casam até o capítulo 101, e o livro tem 148 capítulos, só bem lá no finzinho que essa questão aparece, antes é a história da "queda" de Bentinho, da maior paixão de sua vida, cujo fim o levou a ficar completamente amargurado, cogitando se matar ou até matar uma criança inocente. Bentinho desde adolescente mostra uma propensão a imaginar muito e a se deixar levar por ideias imaginadas, acho interessante notar como ele nos convida a fazer o que ele faz ao ler livros, pintar o que não é dito na história em nossas próprias cabeças, de acordo com nossas próprias inclinações, algo que foi feito tanto que pôs em cheque inclusive (fosse essa a intenção do autor ou não) a imparcialidade dele como narrador da história, que é construída de forma a indicar como Capitu era muito boa de dissimulação e como Ezequiel se parecia com Escobar, tudo isso para mostrar um ponto, tudo isso se construindo para formar um argumento contra sua ex-mulher, então independente de se o Machado tinha ou não em mente esse conflito sobre a traição, quem leu pintou com suas próprias cores a obra e viu nos ciúmes obsessivos e na imaginação fértil de Bentinho uma dúvida de se dava mesmo para confiar em tudo que ele falava, o que dá à história uma outra dimensão, que coloca o narrador como personagem que não só participa como tem interesse em moldar a trama, diferente do Brás Cubas, que já era morto e falava alheio aos assuntos dos vivos, Bentinho está vivo e conta a história tentando nos convencer de algo.
Pra mim mais interessante que a pergunta que ele propõe no final, se a Capitu da praia da Glória já estava na de Matacavalos, é a pergunta de se o Dom Casmurro já estava no Bentinho de Matacavalos, desde cedo já víamos ele tendo ciúmes ao menor sinal, como o caso do cavaleiro passando à janela, e estando apaixonado ao ponto de, por um segundo fugaz, desejar até que a mãe morresse para se reunir à sua amada, mesmo que se culpasse depois por isso, ou seja, será que esse fim era inevitável? Será que a paixão dele era tão forte que só podia se tornar essa coisa obsessiva de ter ciúmes do mar e de defuntos?
P.S: Os devaneios e reflexões dele são bem legais e ele descreve sua paixão bem entusiasticamente, pintando com todas as cores da sua juventude, passa o sentimento muito bem.
P.P.S: Eu gostei do jeito que o Machado escreveu de maneira como que "propositalmente amadora", se demorando demais nos momentos de juventude que encantavam o personagem e passando mais rapidamente pela conclusão, já que a folha está acabando, ele mesmo fala que certo ponto deveria ser a metade da história, porém já é bem mais avançado no livro, tudo isso faz sentido sendo o primeiro livro do Bentinho e por ele estar escrevendo mais por emoção que por estética, assim o Machado "encarna" muito bem seu narrador-personagem.