Mayra 05/05/2010
Capitu NÃO traiu Bentinho
Em um livro onde só sabemos da história pelos olhos de um único personagem é difícil tirar conclusões concretas, historias narradas em primeira pessoa podem ser tanto verídicas como inventadas. Porem Machado de Assis é um verdadeiro mestre é preciso acreditar que este gênio não fez uma história como tantas outras de sua época onde a mulher é sempre o pecado e a ruína do homem. Não podemos acreditar que Machado de Assis pensasse como os demais. Se pensava talvez não fosse a pessoa em que acreditamos que era.
Bento Santiago é considerado por alguns autores o personagem mais complexo do romance “Dom Casmurro”. Pois é analisado com vários traços psicológicos no decorrer da obra. Muitos leitores enxergam o romance pelos olhos do narrador mais para acreditar nos argumentos apresentados pela defesa precisaram ir alem dessa visão machista e preconceituosa expressa por Bentinho. Vale lembrar que ele era advogado e qualquer advogado pode facilmente defender uma causa e quando fazem isso jogam todos os pontos a seu favor para que todos acreditem facilmente. Em sua infância vive um grande dilema com a promessa feita por sua mãe de colocá-lo no seminário. O personagem possui uma grande insegurança psicológica e entre elas podemos citar o comportamento exagerado ao bem próprio, o egoísmo invade sua mente, obcecado para sair do seminário e ficar com Capitu, chega a desejar a morte de sua própria mãe, pois assim ficaria livre da promessa.
“... O terror me segredou ao coração, não estas palavras, pois nada articulou parecido com palavras, mais uma idéia que poderia ser traduzida por elas:”mamãe defunta, acaba o seminário...”
Outra grande característica de Bentinho que é fundamental pra a defesa de Capitu é o ciúme exagerado que ele sente por tal, o que lhe trazia insegurança e desconfiança. Como qualquer pessoa ciumenta, imagina situações que muitas vezes não são verdadeiras. Podemos citar ainda um estudo sobre o sobrenome de Bentinho, Santiago = Santo Iago, aludindo ao Iago de Otelo que é o símbolo de ciúme.
“...cheguei a ter ciúmes de tudo e de todos. Um vizinho, um par de valsa, qualquer homem moço ou maduro me enchia de terror ou de desconfiança...”
Apontamos dois episódios que são usados contra Capitu para comprovar o temperamento delirante de Bentinho. O primeiro é o capítulo CXIII – Embargo de terceiro. Aqui, Bentinho chega mais cedo de uma apresentação teatral, “voltei no fim do primeiro ato”, e encontra Escobar em sua casa. Está embaraçado, o que pode ser observado no diálogo titubeante. Capitu, que não acompanhou o marido por dizer-se indisposta, está fora da cama (e se estivesse na cama?) e bem de saúde. O outro capítulo é o de número CXXIII – Olhos de ressaca. Nele, durante o enterro de Escobar, Capitu “olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa”, que deu para o marido a certeza de que algo não estava certo. Situações suspeitas, sem dúvida mais afinal, por que um amigo íntimo não pode visitar a casa de seu confrade em um horário pretensamente impróprio? O que impede uma mulher de bom coração chorar a morte de um amigo da família? Todos estavam chorando e sofrendo e apenas as lágrimas de Capitu é que são repreensíveis? Ela também era amiga do Escobar e da viúva, assim como Bento. Nada. Ademais, não me parece plausível que os supostos adúlteros se encontrassem na casa de Bentinho. Os empregados falam demais. Os vizinhos são atentos. Haveria de ter hora e lugar mais apropriado.
Alguns leitores, e adeptos a traição de Capitu afirmam que tal personagem é boa com desculpas e podia enganar a qualquer um facilmente. Embora seja comprovada a facilidade de Capitu na hora de despistar atenções como presenciamos em sua atuação com relação ao pai nos capítulos de introdutórios não podemos acusá-la de enganar a Bentinho, pois ela mesma afirma em trechos do livro que odeia segredos entre os dois. Alem de que em momento algum se mostrou atraída por Escobar ou encurralada a ponto de precisar inventar desculpas para Bentinho.
Um ponto marcante e talvez o principal indicio de acusação contra Capitu é o fato de Ezequiel parecer-se com Escobar. Antes de tudo fica uma pergunta pra a acusação: Que outro personagem do livro, além do alucinado e louco de ciúmes Bentinho vê a aparência ‘física’ entre tais personagens? Pode ser apenas uma impressão de um velho amargo corroído pelo ciúme há anos. Em dado momento da obra, Bento perante a um retrato da mãe de Sancha fala da semelhança daquela com Capitu, mesmo não havendo nenhum parentesco entre elas o que mostra que mesmo que Ezequiel fosse parecido com Escobar isso não seria necessariamente a prova de uma traição.
Vendo as semelhanças comportamentais citadas pela própria Capitu no capitulo 131 é mais claro ainda ver que ela não cometeu um adultério, agindo com tanta inocência que chega a citar para bentinho as imitações do filho. Qual a mulher que trai e expõe de tal maneira essa traição? Alem do mais se baseando em pesquisas psicológicas podemos afirmar que no desenvolvimento da criança a imitação dos mais velhos desempenha um papel de primordial importância. E a aproximação que as famílias tinham pode ter gerado em Ezequiel tais imitações que foram inclusive aprovadas pelo próprio Bentinho no inicio do capitulo 112, pois ele aceita tais imitações enquanto Capitu adverte e reclama do vicio do filho.
Alem do mais todos aqui sabemos que para haver traição não é necessária que ela seja física, então como Bentinho explica o fato de ter traído Capitu em pensamentos com Sancha?
“...não havia jeito de esquecer a mãe de Sancha nem os olhares que trocamos...”
“...Uma sensação me correu todo o corpo...”
Outro ponto interessante e talvez imperceptível em uma primeira leitura é uma possível relação afetiva entre Bentinho e Escobar. Uma vez que trocam expressões e gestos ternos e afetuosos, por vezes demoradamente, reparem:
“...não fitava de rosto, não falava claro nem seguido: as mãos não apertavam as outra, nem se deixavam apertar deles, porque os dedos, eram delgados e curtos, quando a gente cultiva tê-los entre os seus...”
“...Quando ele entrou na minha intimidade pedia-me freqüentemente explicações e repetições miúdas[...]Eu, seduzidos pelas palavras dele, estive quase a contar-lhe logo, logo, a minha história. A principio fui tímido mais ele fez-se entretanto na minha confiança...”
“Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres”
“... quando voltei ao seminário, na quarta-feira, achei-o inquieto; Disse-me que era a sua intenção ir ver-me, se eu demorasse mais um dia em casa”.
Bentinho durante todo o livro dá muito enfoque ao olhar de Capitu:
“são olhos que puxam, que carregam o homem, é mesmo como a onda do mar. É uma força semelhante a do mar, são olhos em que você se perde, se afoga, te sufocam.”
E talvez essa seja uma das grandes paranóias dele que se perdeu nos olhos de Capitu e provavelmente pensava que todos iam se perder como ele. Talvez ele pensasse que ela produzia esse efeito sobre os homens, de propósito. Mais esse é um dos maiores enigmas da história da literatura do Brasil: Capitu traiu ou não Bentinho?
Para nós esta claro que não, mais vai saber. E como já disse Maitê Proença: “Isso é ficção! Estamos há 100 anos, discutindo ficção. Esse é o poder de Machado. Ou serão dos olhos de ressaca?”