Ivy (De repente, no último livro) 20/04/2020
Resenha do blog "De repente no último livro..."
Esse livro me roubou lágrimas, e foram lágrimas diferentes da comoção que outros livros causam por terem estórias tocantes. Cinzas na neve é brutalmente realista. A narrativa delicada e direta de Ruta Sepetys consegue transportar o leitor para a fria Sibéria, para vivenciar ao lado de Lina toda a angústia que as pequenas nações vizinhas à Rússia tiveram que suportar quando Stalin decidiu invadir e anexar estas terras à União Soviética.
É muito duro ler sobre campos de trabalho forçados, pessoas morrendo à mingua, despojadas de seus bens e de seus direitos como seres humanos simplesmente pelo fato de serem diferentes do que os que estão no comando.
A ambientação que Ruta faz, todo o cuidado na construção histórica e geográfica da estória, permite que a gente consiga praticamente ver e sentir o que aqueles personagens passam. A Sibéria fria, solitária e melancólica que para Lina e seus compatriotas se resumia a uma sentença de morte é ricamente descrita. As dificuldades de se sobreviver naquele ambiente complicado, os conflitos de estar em um grupo de pessoas de caráter e valores diferentes, a luta em se manter a dignidade e a vida quando tudo está contra aquele grupo, tudo isso é narrado por Ruta Sepetys com uma veracidade latente, e com um toque tão singelo e cru, que como num filme as imagens foram passando pela minha mente. Fica um nó na garganta e um vazio no peito acompanhar tantas injustiças, e saber que mais uma vez a humanidade errou com essas pessoas, condenando a estória deles ao esquecimento quase que total. É um orgulho e um alívio termos autores como Ruta Sepetys, que anos depois podem usar seu talento para denunciar a dor destas gerações anteriores.
Lina é tão real. Ela é uma adolescente, e tem sentimentos contraditórios, suas emoções estão a flor da pele e ela manifesta isso com uma sinceridade extrema, uma transparência cativante. Lina tem seus momentos de fúria, de ódio e de revolta. Ela está em uma situação atípica, e reage de acordo ao que se espera. Achei incrível como Ruta pode traçar a personalidade dessa protagonista permitindo que ao mesmo tempo em que carrega dor, carrega também um traço cativante de esperança.
Outro detalhe lindo foi o romance que a autora construíu dentro da trama. Lina e Andrius são diferentes, mas de repente foram postos para encarar a mesma realidade. Cada um deles reage diferente ao que se espera, e no final a gente fica pensando se o amor deles irá sobreviver à tudo isso, se eles foram unidos apenas pelas circunstâncias do que enfrentam ou se realmente existe um sentimento ali. Eu amei a construção do romance pois não ocupa mais espaço do que deveria, mas ao mesmo tempo ocorre de forma natural e plausível.
A evolução do personagem de Lina e também de seu irmão Jonas é tocante de se acompanhar e ao mesmo tempo super dura. Jonas é só uma criança de onze anos, mas ele aos poucos deixa de ser aquele garotinho mimado para se tornar alguém franco e muito maduro, e a gente nem consegue se lembrar mais que ele é só um garotinho, porque de repente ele diz coisas acertadas demais, demonstra uma razão maior do que seria possível, mas aí a gente lembra de sua realidade desoladora, e entende que Jonas é a demonstração perfeita de quanto o ser humano se molda e muda, de acordo às situações que vivencia.
Os personagens secundários desse livro são impecáveis, como toda a trama construída por Ruta Sepetys. Temos aqueles que às vezes nos fazem torcer o nariz, por ter atitudes mais agressivas diante da realidade, outros despertam dúvidas. Mas o que mais me tocou na trama foi ver o quanto eram todos muito reais, e falíveis. Ninguém ali era perfeito, mas todos tinham seu brilho próprio, que os tornava fundamental para essa grande estória.
Tenho que falar da mãe de Lina, Elena Vilkas, meu personagem favorito. Elena é tão altruísta, positiva e corajosa que foi impossível não se sentir de certa forma cativada pela personagem. Ela passa por tantas coisas, e luta tanto por seus filhos, dá uma parte de si para que eles possam seguir adiante e é muito comovente sua luta e seu instinto de proteção e cuidado com seus filhos mesmo em meio ao caos em que estão lançados. Elena me comoveu e ganhou o meu carinho de um jeito que poucos personagens literários realmente conseguem. Eu a sentia como alguém real, e sofri por ela e os seus.
Eu estou apaixonada pela escrita de Ruta Sepetys. Ela consegue escrever um livro de fatos históricos sem tornar a leitura cansativa. O cuidado da autora em retratar aquela realidade, todo o trabalho que certamente houve por trás da construção dessa estória é de se admirar e aplaudir. Ruta tem uma escrita precisa, dura, sem rodeios. E ao mesmo tempo calorosa, fluída, e muito envolvente. São poucos autores de livros históricos que conseguem retratar com tanta precisão um período sem perder o ritmo da estória e nem exagerar nas descrições. Ruta Sepetys consegue escrever com equilíbrio, transformando sua linda estória em praticamente uma homenagem à um povo que caiu mas soube se reeguer lindamente quando enfim recebeu a oportunidade.
Cinzas na Neve é um dos melhores livros históricos que já li. Com uma trama impecável e comovente, a escrita fluída de Ruta Sepetys me ganhou. É um livro importante, porque retrata um momento sombrio da Segunda Guerra que foi esquecido (e que deve ser relembrado!). É aquele tipo de livro que deveria ser adotado nas escolas, porque retrata com exatidão, habilidade e coragem um período vergonhoso da nossa história, e nos faz relembrar o valor inigualável da liberdade.
site: http://www.derepentenoultimolivro.com/2020/04/review-346-cinzas-na-neve.html