Palazo 23/11/2011“Governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento dos governados; sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo alterá-la ou aboli-la e instituir um novo governo, baseando-se em tais princípios e organizando-lhe os poderes pela forma que lhe pareça mais conveniente para realizar-lhe a segurança e a felicidade”.
Esse trecho da declaração da independência dos EUA é citado algumas vezes por Marcus Yallow, protagonista do livro “Pequeno irmão”, escrito por Cory Doctorow e publicado pela Editora Record.
Os motivos que inspiraram a declaração do garoto de apenas 17 anos eram sempre os mesmos, confrontar aqueles que defendem a perda da privacidade e da liberdade para justificar um aparente estado de segurança. Este fato pode parecer absurdo, porém ocorre todos os dias ao nosso redor sem muito alarde, com ações simples que vamos nos acostumando, nos adaptando e encarando como parte de nossa própria realidade.
O livro começa como uma obra adolescente comum, no estilo próximo ao de Percy Jackson. Marcus é o protagonista, também conhecido como W1n5t0n no meio digital, um nickname que ele usava para driblar sistemas de segurança no colégio e na vizinhança com a finalidade de manter sua privacidade e continuar realizando suas atividades normais como visitar sites proibidos durante as aulas, ou mesmo escapar da escola para jogar o jogo Harajuku Fun Madness.
A obra muda de tom durante uma dessas fugas em que quatro amigos vão jogar uma nova etapa do jogo. Darryl, Jolu, Van e Marcus encontram-se e partem em busca de uma pista quando sentem um terremoto sobre seus pés, ao longe avistam um cogumelo se formando e sumindo. Uma bomba havia explodido uma das pontes mais importantes de São Francisco, um ataque terrorista acabara de acontecer e os fatos que se seguiram mudaram o curso da história.
A partir do ataque o livro ganha uma nova cara, o medo passa a fazer parte de cada trecho. Os quatro amigos fogem, encaram o pânico da multidão na estação de metrô, são presos, torturados e três deles são soltos. A cidade muda, o medo e o caos tomam conta de cada cidadão, tudo é justificável pela improbabilidade de um novo ataque e pela busca inconsequente por terroristas. Todos perdem sua privacidade e são suspeitos de terrorismo.
Esses eventos mudam Marcus, que da mesma forma que usava a tecnologia para escapar dos sistemas de segurança da escola, começa a usá-la para escapar e enganar a segurança do próprio governo. Junto com o protagonista, uma infinidade de jovens começam a usar uma rede alternativa, criptografada, para conversar e a organizar ações para confundir os sistemas de segurança, driblar barreiras e se organizar para vencer o medo e o caos criado por aqueles que deveriam defender, proteger e privar pela felicidade de todo cidadão.
O governo, através do Departamento de Segurança Nacional, procura deter estes jovens e o medo toma conta do personagem principal. Marcus assume um estado quase paranóico de perseguição, mas mesmo assim continua suas ações inspirado pelo apoio de centenas de jovens, e de pessoas que acreditam no texto da Declaração de independência dos EUA, principalmente quando diz que “sempre que qualquer forma de governo se torne destrutiva de tais fins, cabe ao povo alterá-la ou aboli-la e instituir um novo governo”.
Esses fatos descritos de perda da privacidade e liberdade podem parecer exclusivos dos norte-americanos, ainda mais depois do dia 11 de setembro. Porém, se pararmos um pouco para analisar, nós perceberemos que eles estão cada vez mais próximos do nosso dia-a-dia. O constrangimento de tirar cintos, carteiras e sapatos para ser revistados em aeroportos, a proibição do uso de celulares dentro de bancos, a revista constante de motoqueiros e motoristas de carros como suspeitos de terrorismo. Vivemos sobre uma falsa sensação de segurança, em que o único resultado é nos privar da nossa liberdade.
O livro de Cory Doctorow alerta-nos para a nossa própria realidade através de uma história de rebelião tecno-geek, mostra que não devemos ser reféns do sistema e de governos, e não devemos aceitar o falso argumento da perda da liberdade para obter segurança. Nos dois posfácios do livro, Bruce Schneier e Andrew abordam exatamente esses pontos, e alertam para o papel de cada cidadão na luta contra qualquer sistema que ouse retirar a privacidade. Afinal, como diz Marcus Yallow, “a liberdade é algo que devemos conquistar”.
Em tempo, vale comentar sobre a bibliografia abordada no final do livro, não de uma forma acadêmica, mas como um texto discorrendo os motivos para cada livro. São muitos os livros de tecnologia citados, mas dois me chamaram a atenção: Cryptomonicon, de Neal Stephenson, que fala sobre Ala Turing e a máquina enigma dos nazistas; e 1984, e toda a inspiração que o revolucionário romance de George Orwell trouxe para Cory Doctorow.
Pequeno Irmão
Autor: Cory Doctorow
Tradução: André Gordirro
400 páginas
Preço Sugerido: R$ 34,90