Paula 02/02/2013Um livro belo, poético, com personagens muito bem elaborados e diálogos incrivelmente inteligentes e de tirar o fôlego. A narrativa é sedutora, doce e agressiva ao mesmo tempo, levou-me para perto dos personagens, aproximou-me de Clarice, singular, complexa, solitária, selvagem e instintivamente segui seus pensamentos e devaneios. Apaixonei-me por Klaus, por sua alegria contagiante e franqueza perante a vida. Acabei me apaixonando pelo amor. E mesmo com a morte rondando a história, pude sentir o vibrar intenso da vida e a explosão de risos e lágrimas.
Deu para perceber que O Voo da Estirpe me pegou mesmo, não? Sim, é um livro incrível, escrito com dedicação, amor e entrega (dá para notar isso).
Mas como escrever uma resenha de um livro que trata mais de emoções, um livro que trata do abstrato, que é preciso ler nas entrelinhas para conseguir captar as vibrações e poder desvendar seus mistérios?
Clarice vive em Paris sozinha, escondendo-se da realidade do mundo, de seus defeitos e qualidades.
"Eu gosto de estar só, mesmo que isso pareça triste. Talvez eu seja mimada, mas prefiro garantir à minha mãe que continuarei na missão de não me contrariar. Este é meu porto seguro, a raiz de minha imaturidade, um disfarce de criança órfã que optou em permanecer na zona de conforto. A coragem viria com o desespero, com a obrigação de sobreviver aos meus sentimentos, porque viver é apenas para quem aprendeu a voar". (p. 16-17)
Clarice também sonha com um homem alto de paletó marrom e sapatos pretos de verniz, um homem que sai de seus sonhos para persegui-la pela rua, no café, em uma boate... e brinca com a sua curiosidade, pregando peças em Clarice.
"Procuro distração passível de realização.
Busco por prazer imediato.
Olho para todos os lados, nada me agrada". (p. 40)
A mente de Clarice vagueia e a manipula para que não possa se sentir feliz. Ela está confusa, sem compreender a si mesma, andando por aí sem encontrar algo que lhe dê paz, ainda por cima escuta vozes que não consegue entender de onde estão vindo e existe o homem do paletó marrom... que está no mesmo café em que se encontra Clarice: sua oportunidade para se vingar do estranho!
"Ele era a caça; agora a caça sou eu, aqui, dentro de seu carro, indo sabe lá para onde, sem ao menos questionar.
Seria uma ocasião de passividade e submissão, estou me manipulando para fazer a sua vontade?
Estou me manipulando para que seja feita a minha vontade?" (p. 47)
Seu perseguidor se chama Klaus.
Mais peças pregadas, um encontro com um desconhecido mascarado e um novo encontro com Klaus. Klaus, que desconcertava Clarice, que a fazia perder o seu senso de personalidade, fazendo-a não reconhecer a si própria. Klaus, que tinha câncer terminal. E este era um obstáculo: Clarice deseja viver o que estava vivendo, transmitir o amor que guardara por tanto tempo, mas não conseguia se sentir plena, pois havia o medo da perda. Deveria dar uma chance a Klaus? Deveria dar uma chance a si mesma?
Para fazer isso funcionar eles deveriam viver como se hoje fosse o último dia de suas vidas.
"Eu não sei dizer, mas existe algo mais acontecendo entre nós. Algo que não consigo definir, mas um de nós não é real". (p. 82)
Klaus era intenso em tudo o que fazia, gritava quando lhe dava vontade, se queria ficar pelado no meio da rua ele o fazia! Klaus é um furacão de espontaneidade, verdade e diversão, mesmo com a sua doença, que preocupa Clarice.
Klaus diz algumas coisas que Clarice não consegue compreender, ele também fala em segredos que precisará contar para ela. Personagens entram e também confundem Clarice. E as vozes... elas ainda estão lá.
Seria tudo uma mentira? Uma ilusão? É preciso prestar atenção nos diálogos e em alguns acontecimentos para compreender o que está acontecendo.
O Voo da Estirpe não é só um romance, trata de um, ou mais, mistérios, também trata da questão da liberdade, de romper barreiras que criamos dentro de nós por medo ou por vergonha, trata do amor na forma mais pura e sem clichês.
"Este homem era o começo de uma enorme descoberta dentro de mim, o exemplo que passava, fazia-me crer que não bastava ter apenas uma vida realizada, mas também, uma vida que valesse à pena". (p. 173)