Dani Ferraz 22/09/2020
“Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina” (Carlos Drummond de Andrade)
Poderia só escrever esta frase e sair, assim, em silêncio, assim como ficaram em silêncio todas as publicações de Cora Coralina até os 76 anos, idade com que teve seu primeiro livro publicado, embora já escrevesse muito antes disso. O Tesouro da casa velha é tão tesouro, que traz a palavra até no título, bem como dá nome à um de seus 18 contos.
Se for preciso escolher um conto, escolho o primeiro, “Contas de dividir e trinta e seis bolos”. Neste conto, o menino Zezinho teve que aprender a ler, escrever e fazer contas sob o olhar impiedoso do tio e bolos de palmatória. O sofrimento do menino por não saber a resposta certa de algumas contas se torna mais angustiante à medida que a escritora vai descrevendo o cenário lindo que se vê por fora das janelas dos estudos, onde o menino daria tudo para estar. O desfecho é daqueles que abrem nossos lábios para o sorriso...
Desdigo quando ouço que a linguagem deste livro é simples e com poucos termos regionalistas. Sou leitora ainda crua de Cora e por isso confesso que tive dificuldades em alguns parágrafos, “pregamento de repolengo”, “repuxados de pregueté”, “hidrópicos chagados”, “valimento e prebenda” – perdoem minha ignorância.
E digo, que este livro póstumo, é uma seleção de contos daqueles contadas por avó, daqueles que reúne família, que pega no colo, que aquece o forno para o pão quente e que embala a cadeira de balanço. Com histórias ambientadas no estado de Goiás do século passado de vidas simples, de pequenas cidades e fazendas interioranas, palmatórias que educam, escravos, crendices e maldições, de personagens com predicados, de vidas ao ar livre, de doces escondidos de crianças, elas foram encantando por contar em prosa quase que poética as benevolências e mazelas de memórias de Cora Coralina, “Cora que vem de coração e Coralina que vem de cor vermelha”.