spoiler visualizarSofia136 20/04/2023
"Better die than live mechanically a life that is a repetition of repetitions"
Esse livro me impactou tanto, marcou tanto, para mim ele foi tão icônico que eu não consigo escrever uma resenha dele. Então só vou fazer algumas observações desconexas:
- O arco e a morte do Gerald Crich foram uma das coisas mais emocionantes que eu já li na minha vida. Desde o início, Gerald é marcado pela morte. Na infância, ocorre o acidente ambíguo que causa a morte de seu irmão -- um trauma definitivo na vida dele. Além disso, existe todo o contexto da família dele, aquela casa burguesa velha, a mãe fria, ausente, e o pai, um industrialista consumido pela culpa, que queria ser amado pelos carvoeiros, mas que ainda assim não abria mão dos seus privilégios materiais. Gerald é o oposto total do pai -- impetuoso, calculista, mecânico, viril. Ele reconstrói as minas, moderniza as máquinas, demite os funcionários pouco eficientes, reduplica os ganhos. Os mineiros o odeiam e têm medo dele. Ele sente que assim pode manter o controle. Logo no início do romance, as irmãs Brangwen veem Gerald nadando num lago (e Lawrence é um verdadeiro romancista-retratista, ele pinta lindamente o movimento do corpo branco e ágil do Gerald na água escura) e Ursula comenta sobre a mentalidade prática dele: "He'll have to die soon, when he's made every possible improvement, and there will be nothing more to improve." E a gente logo se dá conta de que isso é verdade. Gerald vai buscar essa finalidade, "every possible improvement", modernizando as minas, aumentando seus lucros. E quando tudo está feito, as minas se tornam uma máquina eficiente, capaz de funcionar sem ele. E agora? Ele se deprime. Busca finalidade no amor (como Rupert Birkin), mas não encontra nada. Busca amor em Minette, em Birkin, e finalmente em Gudrun. Mas ele nunca pode se entregar ao fim, à união profunda, e lembramos da casa, do irmão, da família. Quando ele dorme com Gudrun pela primeira vez Gerald se lembra de sua mãe. De fato, a imagem da mãe recorre como um espectro assombrando a intimidade dos amantes. Gerald nunca se individualiza, porque não é livre. É um homem fadado à morte, marcado. O mais perto que ele chega de uma realização completa é no embate gladiatorial climático com Birkin (outra cena emocionante pela visceralidade e pela sensualidade, a mais icônica do romance talvez). Vemos nele também um contraste muito presente nesse romance, que é a dicotomia "morte em vida"/"vida em morte". No fim, Gerald irá buscar a finalidade na morte -- a única coisa que lhe resta. Ele anda, depois de ter tentado matar Gudrun, pelas montanhas à noite (eles estão nos Alpes), e termina. Gerald termina, assim, sem detalhes. Ele anda, e acredita ter visto na neve um íconezinho de Cristo, e acaba. Ele termina! E morre. Sem dramatização, sentimentalidade. E seu corpo se preserva congelado (símbolo da vida em morte, ironicamente, como o corpo preservado daquele tigre em "The Snows of Kilimanjaro" do Hemingway). E Rupert e Ursula voltam aos Alpes e Rupert chora. "Birkin remembered how once Gerald had clutched his hand with a warm, momentaneous grip of final love. For one second - then let go again, let go forever. If he had kept true to that clasp, death would not have mattered. Those who die, and dying still can love, still believe, do not die. They live still in the beloved. Gerald might still have been living in the spirit with Birkin, even after death. He might have lived with his friend a further life." A vida em morte através do amor, que Gerald não alcança! Rupert e Ursula discutem, porque ele tem "dois tipos de amor". O amor à mulher, que se realiza na Ursula, e ao homem, que nunca pode se realizar totalmente com Gerald. 🤬 #$%!& !!! Eu vou dar um grito!!! E o romance acaba assim, sem uma conclusão própria, não sabemos o que sucede aos protagonistas que viveram. Enlouquecedor. Assombrante.
- Outro ponto é o talento descritivo do Lawrence. Não conheço nenhum escritor que transmita tão lindamente imagens com a escrita. Imagens, sensações físicas, gestos, impressões, cores, movimentos; Lawrence parece um pintor meticuloso. Depois de ler ele para mim todos os outros autores quando tentam descrever uma paisagem ou um ambiente me parecem fracos. O filme do Ken Russell captura isso belamente, a adaptação da BBC nem tenta de tão tosca.
- Aqui como sempre Lawrence é Lawrence, asqueroso, elitista, orientalista e proto-fascistóide. Passei tanta raiva com esse livro, que ódio!!!! Como no Lady Chatterlay. E é algo que no Lawrence não é isolável. Os romances dele são quase alegóricos de uma certa filosofia de vida que ele tinha. Lawrence acreditava que o mundo moderno estava perdido, por ter perdido o contato direto com a experiência, com a natureza, e que nós deveríamos ser capazes de procurar um conhecimento novo e sensual, e largar o conhecimento antigo naquilo que ele não nos serve. Esse entendimento sensual da realidade, para ele, leva naturalmente (que perigo) a certas formas hierárquicas "naturais": o homem acima da mulher, o aristocrata acima do "populacho". Ele marca, como muitos europeus, o oriental como o selvagem, o primitivo, o pré-consciente e por isso mesmo fascinante -- uma percepção muuuuuuuuito torta. Em Lady Chatterlay vemos o desprezo para com a deficiência física como a extrapolação de um mal moral. Aqui já temos mais nuance na figura de Birkin, que certamente concordaria com as ideias de Lawrence sobre saúde, sobre o corpo saudável, mas que é ele mesmo um fracote e um doente. Mesmo Gerald, tão viril, é mal realizado, frágil, e morre. Mas encontramos também o desprezo pelos judeus, antissemitismo claro contra o Loerke, um personagem fascinante que aparece no final do romance.
- E falando no Loerke, que personagem interessante!!!!!!!!! Me lembrou em alguns aspectos o Titorelli em O processo do Kafka no sentido de ser um coadjuvante que aparece para "causar" -- ambos são artistas e aparecem para trazer uma visão sobre a arte em relação à modernidade. Claro que cada um tem suas especificidades, mas achei muito interessante pensar os dois em conjunto.
- Olha, que 🤬 #$%!& é essa dos animais??! A relação sensual, fluida, natural com os bichos do sexo oposto, temos sempre essas cenas de uma mulher "dominando" um animal macho (Gudrun com os bois, Hermione com os cavalos, irmã do Gerald com o coelho), ou um homem dominando uma fêmea (Gerald com a égua, Birkin e Ursula e os gatos no quintal). Que coisa bizarra, e ao mesmo tempo se encaixa tão bem nessa mente louca, nessa forma doida de ver a natureza do Lawrence.
- Enfim, bissexualidade. Birkin, eu te entendo tanto....
- ???????????????!!!!!!!!?!!????!!
- QUANDO A HERMIONE TENTA MATAR O RUPERT E ELE PARA E SENTE NOJO DELA PORQUE PERCEBE QUE ELA É CANHOTA. ELE SE OFENDE MAIS COM O FATO DE ELA SER CANHOTA DO QUE ELA TENTAR MATAR ELE (ver> corpo saudável em Lawrence, saúde, eugenia, natureza e moralidade, entre outras asneiras).
- Infelizmente não estou com paciência para falar da misoginia do Lawrence. Mas é bizarro. O livro se chama mulheres apaixonadas mas deveria se chamar "homens LOUCOS".
- Eu queria ser uma mosquinha num túnel do tempo para presenciar o D. H. Lawrence transando. Só isso. Me despeço.