Rafael Zanini Francucci 22/12/2017
A voz que se levantou contra o modernismo.
A carta encíclica: Pascendi Domini Gregis, constitui indubitavelmente a maior e mais importante reunião de argumentos contra o modernismo. De modo que, se alguém tenha como objetivo o conhecimento do modernismo católico, é indispensável a presença deste documento em sua lista de leitura. O conteúdo da carta se traduz numa elaborada resposta à necessidade de informar e denunciar, a crescente influência desta corrente de pensamento dentro da Igreja Católica. Nos mostra quem são os inimigos, expõe a maneira como agem e, acima de tudo, sobre qual filosofia se apoiam para desenvolver suas ideias. Ao fim, termina o conteúdo, prescrevendo os remédios necessários para melhor suprimir o erro modernista. É assim que ao trilhar o caminho construído na carta, conseguimos chegar a um claro entendimento, do que seja o modernismo e sua posição antagônica em relação à fé cristã.
Mas o que seria, o modernismo "católico"? antes de tudo, é bom saber sobre o conceito genérico, que envolve a definição de modernismo. Um conceito que tem em sua essência, a noção ou forma de pensamento, que de alguma modo, pretenda mudar certos aspectos culturais ligadas à determinadas sociedades. Intrinsecamente conectada à noção de tempo, a tese modernista postula a troca do novo em detrimento do velho, tendo em mente um ideal de futuro que carregue consigo, uma utopia planejada diretamente por intelectuais progressistas. Tudo sobre a égide do passado é considerado imperfeito. É neste terreno que nasce principalmente, a ideia de evolução (palavra atualmente considerada mágica, entre palestrantes de autoajuda). Partindo deste ponto de vista, o presente torna-se um resultado fracassado dum futuro idealizado por nossos antepassados, ou seja, um ideal não desenvolvido. Tal "fracasso" é posto como resultado da presença dum forte traço conservador na sociedade humana, e sob este aspecto, o conservadorismo passa a ser entendido como nada mais que um forte apego irracional ao passado, uma transubstanciação do ruim. Provavelmente seja esta uma das possíveis causas da conotação ruim associada à palavra "retrocesso". O modernismo católico, aparece no bojo desse pensamento, se auto proclamando: a evolução teológica aos "problemas" do catolicismo.
Mas o que torna o modernismo teológico essencialmente perverso? Para responder essa pergunta, Pio X vai direto à fonte alimentadora de toda cadeia de pensamento modernista. Encontrando no centro dessa fonte duas ideias principais: a filosofia agnóstica junto ao conceito de imanência vital. A primeira, aparece como semente, a partir da querela dos universais, especificamente no nominalismo do século X, ganhando grande força no século XIX, sob influência direta da filosofia kantiana. Em síntese, o agnosticismo diz que o conhecimento humano, seja de qual ordem for, ainda que na esfera dos objetos sensíveis, nunca será satisfatório. Dessa maneira não é dada ao raciocínio humano, conhecer senão as aparências determinadas pela categorias apriorísticas de nossa natureza. Negando desta maneira à razão, o poder de atingir qualquer realidade supra-sensível, o que inevitavelmente leva à conclusão: tudo é subjetivo e simbólico no campo do conhecimento, inclusive a demonstração da existência de Deus (base racional de qualquer religião). Desta conclusão, os modernistas saltam para a seguinte: Deus não pode ser de maneira nenhuma objeto direto da ciência; logo também, em relação à história, não pode ser considerado assunto histórico.
O segundo aspecto contido no núcleo do modernismo: o conceito de imanência vital, na sequência da tese anterior, tira dela suas premissas, assume a impossibilidade de uma revelação externa ser acessível ao homem, porém conclui, que os motivos da religião devem ser procurados e explicados dentro do próprio homem. Logo, o homem com sua necessidade de um quê divino, sem nenhum ato prévio da inteligência (como o quer o fideísmo protestante) gera em seu ânimo já inclinado por um certo sentimento particular, uma comunicação com o divino. Por este sentimento particular os modernistas dão o nome de fé. Deste momento em diante, fica estabelecido que a fé, não é outra coisa senão um sentimento. Agora, o princípio base de toda a religião, deve-se fundar em um sentimento subjetivo, nascido da necessidade de divindade, e não de uma harmonização entre fé e razão como ensina o pensamento tomista. As teses teológicas desenvolvidas na escolástica, assim como o tomismo faz parte do passado, a separação entre fé e razão é um fato declarado entre os principais porta-vozes do modernismo.
Elementos centrais da religião como: dogma, fé e revelação são postos na mesma trilha de desenvolvimento. O relativo se levanta como um gigante frente ao verdadeiro. Deus espírito transcendente, passa a ser um ente que se ache dentro da imanência da consciência de cada homem. O sentimento religioso, que por imanência vital surge dos esconderijos da subconsciência, é pois, o germe de toda religião. A razão de tudo o que tem havido e haverá ainda em qualquer especulação sobrenatural. Posto assim, em toda religiosidade encontra-se um aspecto dessa: "verdade" contida.
Após uma exposição rápida desses conceitos, tenhamos em mente o fato da complexidade do assunto. Não cabe é claro, a uma simples resenha, o papel de explicar de maneira satisfatória cada um dos pontos e suas respectivas implicações do que tange à fé cristã. Ademais, alguns pontos importantes valem ser mencionados: as diferentes posturas assumida pelos modernistas, a base de conhecimento com que o Papa usa para formular suas críticas e os remédios dados por ele contra o modernismo.
Em relação às posturas dos modernistas, Pio X destaca seis. Cada qual representando as diferentes faces de atuação: o filósofo, o crente, o teólogo, o historiador, o reformador e por fim, o reformador.
Passando aos conhecimentos do Papa, damos por certo que o Santo Padre, constrói toda sua denúncia e crítica, tomando como base o conjunto de documentos contidos na tradição da igreja. Entre eles: documentos conciliares, bulas papais e decretos já ratificados pela tradição eclesiástica. Isso fica constatado de maneira clara, a medida que, para cada crítica feita, trechos retirados de fontes primárias são expostas. Configurando desse modo, a seriedade do texto papal. Ademais, os pensamentos e premissas filosóficas do Sumo Pontífice, são todas fundamentadas em pressupostos tomistas.
Vale citar sobre a complexidade das informações expostas no documento pontifício. A natureza dos erros nele condenados podem, talvez, dificultar o entendimento completo e imediato de cada detalhe da importante Encíclica. Falo pelas classes de menor conhecimento, e por aqueles que desconhecem os movimentos das doutrinas citadas. É bom que se conheça as definições de fé, razão e revelação defendidas por Pio X. Definições essas que não são outras, senão as já afirmadas pelos santos doutores da patrística e escolástica, pelos concílios anteriores, pela tradição apostólica e por fim pelas sagradas escrituras.
Se se deva tirar algo de importante desta resenha, que seja tirada a preocupação e o interesse em ler a Encíclica Pascendi Dominici . É pois para mim, um documento insubstituível e de valor único para quem de boa fé queira entender o que se passa com o mundo católico.
"Que nunca alguém ouse dizer, que dentre os seguidores de Cristo, não houveram aqueles que se levantaram para lutar contra os inimigos da fé."
Complementos de estudo sobre a encíclica Pascendi Dominici Gregis e o modernismo:
- Apresentação da Encíclica Pascendi - Pelo Pe. Leonel Franca, S.J
- Catecismo sobre o Modernismo - Padre Lemius
- Do Liberalismo à Apostasia - Dom Marcel Lefebvre
- O Pensamento de Dom Antonio de Castro Mayer - Dom Antônio de Castro Mayer
- AETERNI PATRIS - Leão XIII
- INSCRUTABILI DEI CONSILIO - Leão XIII
- HUMANI GENERIS - Pio XII