Ramires 18/02/2017
Resenha crítica do livro “Os Magnatas”
O Livro “Os Magnatas” é um excelente material sobre História do pensamento econômico e sobre História das empresas. O autor descreve todo o processo da consolidação dos Estados Unidos como a grande potência econômica mundial. O livro mostra, na sua esfera principal, a atuação de Rockfeller, Carnegie, Gould e Morgan, que são, segundo Morris, os 4 principais nomes do enriquecimento e desenvolvimento econômico americano. Na esfera secundária, é mostrado as vicissitudes e características principais desse processo de consolidação que perdura, em certa medida, até os dias atuais.
O livro possui 456 páginas cheias de fatos interessantes sobre Economia, História, Finanças, entre outras áreas. Foi lançado em português em 2009 e traduzido por Edmundo Barreiros. A editora é a L&PM Pocket.
Charles Morris é advogado, ex-banqueiro e presidente de uma companhia de softwares para empresas financeiras. Publicou diversos artigos em vários periódicos dos EUA. É autor de vários livros sobre economia, globalização, finanças e história dos Estados Unidos.
O livro é excelente. Considero extremamente recomendável para alunos e estudiosos de Administração, Economia, Ciências Contábeis e História. Percebi pela leitura que o autor possui um conhecimento aprofundado de todas essas áreas.
O resumo e os apontamentos serão feitos em conjunto, pois na minha visão, a resenha adquire uma consistência melhor dessa maneira.
O livro começa falando sobre os ideais americanos durante a Guerra Civil (entre estados no norte e Sul) americana, no qual, os estados nortistas saíram vencedores. Muitos autores consideram esse evento, não somente como uma guerra de armas e poder, mas, também, de ideologias conflitantes. Os estados sulistas eram a favor da escravidão e do modelo econômico que advêm dessa característica. Já os nortistas eram contrários (assim como Lincoln) a ideologia e modelo econômico escravista. Os EUA, após a guerra, preencheram todo o país com ideias de livre iniciativa, desenvolvimento social e econômico, mobilidade e ascensão social, busca por dinheiro e dos benefícios que advêm dele.
Lincoln foi assassinado logo após a vitória do norte. Curiosamente o trajeto que seu caixão fez pelos estados americanos através das ferrovias existentes na época, nos daria uma noção de como sucederia o crescimento americano nos próximos 40 anos, que, obviamente, estaria inteiramente baseado na atuação das ferrovias, inicialmente pelo leste e, posteriormente, oeste americano.
Jay Gould era um especulador do mercado de ações e administrador de ferrovias, com uma gigantesca ambição por poder. Durante algumas vezes perdeu tudo que havia conquistado. Mas no final de sua vida, era extremamente rico, dono de diversos trajetos ferroviários, portador de ações e das mídias de comunicação da época.
John Rockfeller era empresário do ramo petrolífero. Ficou rico porque se pautava diligentemente em contabilidade de custos, procurando ganhar a máxima margem de rentabilidade possível em cada etapa do processo de produção, tendo inclusive chegado a ser responsável por toda a cadeia de valor do petróleo: entre extração, refino, distribuição, etc. Desta forma, pelas vantagens de produzir pelo mais baixo preço possível, comprou praticamente todos seus concorrentes por todo o período que esteve na ativa. É considerado uma das pessoas mais ricas que já viveram até hoje.
Andrew Carnegie era um dissimulador nato. Ficou rico produzindo aço. Investiu na utilização maciça de máquinas nas fábricas (mecanização em escala). Publicamente, se mostrava a favor dos sindicatos, mas pagava muito pouco aos seus empregados (até para os padrões da época). Várias disputas trabalhistas sangrentas tomaram espaço em suas fábricas (com dezenas de mortes). Assim, ficou rico investindo em ampla tecnologia, redução de custos, reinvestindo seus lucros nas fábricas (era o acionista controlador) e, obviamente, mantendo baixo o nível de salários. Também se mostrava a favor do protecionismo (altas tarifas alfandegárias) na indústria “jovem” de aço americana quando isto o favorecia.
J. P. Morgan era o banqueiro sério. Em vários momentos passou tranquilidade para grandes empresários e para o governo americano. Tinha uma fisionomia que trazia medo e, raramente, adversários e, até mesmo, empresários ficavam no seu caminho ou discordavam de sua palavra. Apostava no crescimento dos EUA, admitia a importância do crescimento tecnológico e da política agressiva de preços, mas gostava da certeza e estabilidade econômica, por isso, foi intermediador e a favor de dezenas de fusões de grandes companhias que começaram a ocorrer em nos EUA no começo do século XX.
Os EUA possuíam vários fatores que possibilitaram o espantoso crescimento que se seguiria, entre eles: falta de resistência à inovação, muitos recursos naturais, bom nível de instrução, poucas barreiras, etc. Algo que me chamou muito a atenção durante a leitura, foi a falta de instrumentos legais antes de 1900. Os EUA dispenderam todo o esforço possível em prol da ampliação da produção, somente quando a escala das atividades estava alta pensou-se nas leis necessárias, assim houve uma caça aos trustes e dentro do fervor antimonopólio, surgiram consolidações de grandes corporações.
Antes da Guerra Civil pairava uma atmosfera de estabilidade e certeza no ar, tanto no mercado de ações quanto no mercado de bens e serviços. Já após a Guerra, eventualmente, a incerteza adentrou no ambiente americano, tendo surgido em função das rápidas mudanças em todas as frentes. A ideia central por detrás de todo o crescimento que se seguiria era o gigantismo. Os estadunidenses estavam atrás das economias de escala no processo de produção.
A amplitude extraordinária vinha de todos os lugares. Várias ideias e processos foram ampliados em escala e potencializados com o tempo.
Inicialmente, a intercambialidade surgiu no setor de armamentos. Buscava-se produzir projéteis cujas peças pudessem ser trocadas entre as diferentes unidades sem prejuízo de performance. Vale ressaltar, que anteriormente as armas eram produzidas de uma maneira mais individual e específica. Com a produção em massa, foi possível ampliar, em muitas vezes, a produção de armamento para guerras e confrontos.
A mecanização das fábricas foi se tornando cada vez mais comum. No começo do século XIX existiam diversas empresas artesanais de pequeno porte, com as inovações constantes vieram à tona fábricas que empregavam centenas de pessoas e, mais alguns anos depois, as fábricas abrigavam poucos empregados que operavam, sem necessidade de muita instrução, várias máquinas. Essas ampliaram a capacidade de produção de uma forma nunca vista antes.
Até as fazendas americanas almejavam a produção em massa. Constantemente implementavam diversas medidas para gerar aumentos sucessivos na produção de alimentos, estes, destinados tanto para o mercado interno quanto externo.
Com o consumo em massa foram surgindo mais companhias dispostas a suprir a demanda crescente por produtos. Alguns exemplos bens conhecidos na atualidade são: P&G, Colgate, Palmolive, Kellog, Coca-Cola, Quaker, Kodak, Gillette, General Eletric (esta, contando como um de seus fundadores Thomas Edison) e, mais tarde, a Ford.
Atividades que orbitavam em torno do ambiente empresarial também foram potencializadas. A pesquisa acadêmica ligada a indústria aumentou. As finanças empresariais e o trabalho de escritório foram cada vez mais necessários.
A área de administração científica também surgiu nesse período. A maior parte da base curricular e teórica das faculdades brasileiras de administração veio dessa época. Taylor, a pai da administração científica, era idealizador do controle e padronização das atividades de fábrica, era absolutamente contra o desperdício. Na época que as ideias de Taylor foram aos jornais e a descoberta da área de administração foi tida inicialmente como se tivesse sido encontrada a pedra filosofal com segredos de grande poder. Houve muita ressonância no fato de existir uma ciência que determinaria a melhor maneira de desempenhar todas as tarefas de uma empresa. Com o tempo, boa parte dessas suposições se mostraram falhas e as pessoas passaram a duvidar se existia realmente leis definitivas com soluções definitivas para problemas complicados do indivíduo. O legado que ficou das ideias de Taylor, foram o surgimento das consultorias gerenciais e uma base teórica nas universidades.
Acredito que as ideias de Taylor sobre a melhor maneira de realizar as atividades da fábrica trazem insights interessantes. Grandes corporações utilizam muito a concepção de padronização e escala de atividades. Isso faz com que o custo unitário médio vá caindo e a empresa vá tendo, assim por se dizer, “mais poder e competitividade nos preços ao consumidor”, ou seja, quanto menor o custo médio e quanto maior o preço de mercado, mais a organização lucra. Claro, também existe o lado difícil da moeda, pois conforme o porte e tamanho vai crescendo, o custo fixo também vai se tornando mais alto e, mesmo sendo uma unidade capitalista, ainda, em períodos de demanda em baixa, pode ser complicado fazer os ajustes necessários.
Morris fala, no encerramento do livro, que o esforço dispendido nesse período (1865-1905) fez dos EUA líder em produtividade até os anos 1970/80. Nesse período o Japão tomou o lugar americano através de uma filosofia de trabalho diferente. Enquanto os EUA se tornaram líderes mundiais através do controle excessivo, padronização, escala das atividades, por um “certo” desprezo pelos trabalhadores e uma adoração quase absoluta pelo papel do empreendedor; o Japão alcançou altíssimos níveis de produtividade pela proximidade entre a administração superior e o chão de fábrica e pelo respeito pelos trabalhadores. Nota-se que aqui existem 2 ideologias inteiramente diferentes de crescimento. Na americana busca-se o aumento da participação de mercado e lucros a todo custo, já na japonesa o crescimento é mais devagar, porém constante.
Os ideais americanos se mantiveram, na minha humilde opinião, até os dias de hoje. Gosto de assistir palestras de oradores americanos na internet, e percebo que a tonalidade e direção dos preceitos motivacionais imputados por estes, levam ao pensamento em massa. Como eles dizem: “pense grande”, “não sonhe pequeno”, “você pode chegar a qualquer lugar, desde que saiba para onde está indo”. Tudo se baseia em escala, em dimensão. Sonhar pequeno não ajuda nem a você nem ao mundo.
Também penso que os intelectuais no formato tradicional e antigo acabaram. Todas as novas invenções, descobertas e aprimoramentos do mundo científico (da ciência como um todo) são analisadas sobre a ótica econômica. Por mais fascinantes que as ideias sejam, caso elas não gerem lucro, são descartadas. A ciência está condicionada pelo dinheiro. O ócio criativo, responsável por grandes descobertas, parece ter desaparecido da face da terra. Assim, para mim, o pensamento completamente inovador não existe mais. Acredito que o objetivo dos grandes laboratórios farmacêuticos não é a cura das doenças degenerativas e terminais, mas a venda de substâncias que perdurem a vida de seus clientes. Não se busca o bem-estar permanente das pessoas, mas o resultado econômico nas demonstrações financeiras. Não se fabricam móveis ou bens duráveis para durar, mas com um prazo de depreciação estipulado, com o intuito de que o cliente compre um novo bem em alguns anos e dispenda, ao menos, uma determinada quantia para fins de manutenção até lá.
Com certeza o impacto da revolução francesa no século XVIII, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade e ascenção da burguesia juntamente com o crescimento abrupto americano no século XIX foi responsável pela forma como nossa sociedade está delimitada hoje. Contudo, vale a pena refletir se, talvez, não deveríamos pensar um pouco menos com fins monetários e, somente talvez, um pouco mais com fins mais humanos. Acredito que vale a reflexão.