jonatas.brito 07/01/2017
Um verdadeiro exemplar da alta literatura!
Algumas pessoas podem nunca ter ouvido falar do escritor escocês Robert Louis Stevenson (1850 – 1894), no entanto, com certeza conhecem algumas de suas criações mais famosas como A ilha do Tesouro (1883) e O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde (1886), popularmente conhecido como O Médico e o Monstro. Respeitado em todo o meio literário, Stevenson influenciou diretamente outros escritores de peso, como Henry James, Vladimir Nabokov e Ernest Hemingway. Embora seja difícil classifica-lo em um determinado estilo literário, o autor – que é um perito na arte do conto – envolve o leitor em histórias que beiram o sobrenatural, o desconhecido e o imprevisível. Não abusa do terror, mas tem o suspense como elemento principal de suas criações.
A bela edição da Cosac Naify traz, além de seis contos/novelas do autor, alguns interessantes textos e ensaios sobre a vida e obra de Stevenson, escritos por ninguém menos que Henry James e Vladimir Nabokov. Este último faz uma análise minuciosa sobre a novela “O Médico e o Monstro”, revelando aspectos interessantes que passam despercebidos à vista do leitor marinheiro de primeira viagem. Há também um rico artigo assinado por Davi Arrigucci Jr., onde é abordado as técnicas narrativas do autor escocês e as razões dele ter se tornado uma referência literária universal. Vamos ao conteúdo do livro:
1. O Clube do Suicídio:
A primeira novela conta a história do príncipe Florizel da Boêmia que, junto com seu fiel amigo, o coronel Geraldine, perambulam disfarçados pelas noites à caça de aventuras. Em uma dessas empreitadas, eles conhecem um jovem que faz um inusitado convite para participarem do Clube do Suicídio, um grupo secreto e seleto que consiste em “encomendar” a morte daqueles que não tem coragem de tirar a própria vida. Curioso quanto ao funcionamento do clube, os dois decidem participar, porém, o arrependimento e o medo da morte iminente os obrigam, a qualquer custo, a por um fim à sociedade secreta.
O conto é dividido em três partes e, mesmo que à primeira vista não haja aparente relação entre si, Stevenson prova sua perícia narrativa ao uni-las em um único desfecho. Embora seu final não tenha sido aquilo que esperava, o conto é interessante pela riqueza de seus diálogos.
2. O Estranho Caso de Dr. Jekill e Mr. Hyde:
Popularmente conhecido como “O Médico e o Monstro”, essa novela é surpreendente. A começar pela escolha do narrador: Mr. Utterson, amigo íntimo do personagem central da trama, o Dr. Jekill. Mr. Utterson passa a desconfiar do recente e estranho relacionamento do Dr. Jekill com um certo Mr. Hyde. O entendimento limitado e parcial do narrador (e consequentemente do leitor) aguça os nossos sentidos. Os segredos são revelados em doses homeopáticas, o que contribui para que o nível de tensão aumente durante toda a leitura. Sem sombras de dúvidas, uma das histórias mais impactantes dessa antologia pela abordagem desnuda da natureza psicológica do ser humano; pela exposição dos nossos (pré)conceitos acerca do certo e do errado, do bem e do mal, enfim, da dualidade de energias que habita no mais profundo de nosso ser. Uma história que vale à pena ser lida, relida, estudada e debatida.
3. Markhein:
Um dos menores contos do livro, porém, não menos surpreendente. A história começa com um rapaz chamado Markhein tentando comprar um presente de natal para uma dama. Para isso, vai a um antiquário e este o apresenta a um espelho. Nesse ínterim, algo inesperado acontece e alguém inesperado aparece. Stevenson mostra mais uma vez que não é necessário escrever muito para prender a atenção e arrancar suspiros do leitor. Excelente conto.
4. O Demônio da Garrafa:
Trata-se de uma história declaradamente adaptada por Stevenson. O protagonista, Keawe, em uma de suas viagens mundo afora, conhece um homem que o apresenta uma garrafa mágica que tem o poder de realizar qualquer desejo. Em seu interior habita um demônio. Porém, há algumas curiosas restrições a respeito da garrafa: se seu detentor morrer antes de vendê-la, ele queimará eternamente no inferno e, caso o proprietário a venda, não pode ser por valor igual ou superior ao pago por ele. Assim, Keawe assume o risco, compra a garrafa e enriquece. No entanto, uma série de percalços o obriga a vendê-la e, por força maior, ele aventura-se no intuito de recuperá-la. O desfecho é impressionante.
5. O Ladrão de Cadáveres:
Todas as noites, um grupo formado por quatro velhos costumam se encontrar em certa estalagem. O narrador, integrante deste pequeno grupo, nos apresenta o Fettes, um senhor de passado desconhecido que, pelo pouco que se sabia a seu respeito, detinha certo conhecimento de medicina. Porém, após o encontro inesperado com um antigo desafeto, detalhes de seu passado vêm à tona. A história que se segue é tensa e perturbadora. Roubo e dissecação de cadáveres são os menores das atrocidades. Stevenson cria um ambiente onde até a chuva contribui para que o leitor envolva-se completamente em sua narrativa.
6. O Vestíbulo:
Um conto que prova a máxima que diz que a vingança é um prato que se come frio. Certo conde desejava fortemente a morte de determinado barão alemão, fato que este último desconhecia. Sabedor de que o barão era um supersticioso contumaz, o conde arma uma cilada onde o barão é atingido, enganado pela sua própria fraqueza.
Com histórias muito bem desenvolvidas, ler Stevenson é uma experiência única para nós, leitores. O autor, que faleceu vítima de tuberculose com apenas 44 anos, demonstra um domínio total da escrita, prezando pela forma e estilo que com o conteúdo, simplesmente. Sua narrativa é cativante e a belíssima edição da extinta Cosac Naify só aumenta nosso prazer pela leitura. A forma singular de contar histórias torna Robert Louis Stevenson um escritor inesquecível.
site: http://garimpoliterario.wordpress.com/2017/01/02/resenha-o-clube-do-suicidio-e-outras-historias-robert-louis-stevenson/