O Cavaleiro inexistente

O Cavaleiro inexistente Italo Calvino




Resenhas - O Cavaleiro Inexistente


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Gustavo.Romero 29/01/2019

Senta que lá vem história
Italo Calvino é um contador de histórias nato: mesmo com um motivo simplório e com situações "inverídicas" (o que é verdade ou mentira, afinal?), o autor consegue nos manter atentos até a última linha. Em o Cavaleiro Inexistente, não poderia ser diferente: o insólito ocupa o lugar do convencional, e ao final dilui qualquer fronteira de "normalidade" e nos convida a refletir sobre o que é essência. A propósito, é precisa e explicitamente essa a proposta deste livro, em que acompanhamos a saga do Cavaleiro que "não é" - uma imagem belíssima, considerando que o que "não é" deixa de "existir" justamente quando os personagens que lhe acercam decidem, eles próprios, tomar as rédeas do destino em suas mãos. O exercício de Calvino é propositalmente dialético, pois além de tornar a contradição como mecanismo de consciência e ação (o cavaleiro "inexistente" é que induz todos a efetivamente "existirem"), serve também como provocação direta ao "materialismo dialético" do regime stalinista (sutilmente sugerido no livro por meio da monarquia carolíngia), golpe duro para os intelectuais que, à maneira de Calvino, acreditavam no ideal revolucionário comunista na medida em que ele pudesse libertar as potencialidades humanas, e não o que de fato ocorreu, diametralmente oposto a esse ideal. O tema do aprisionamento da criatividade individual sob a carapaça de pseudo-revoluções já fora explorado com pormenores na figura de Cosmo, n' "O Barão nas Árvores", mas é n'"O Cavaleiro inexistente "que Calvino faz seu acerto de contas com o passado, relegando qualquer expectativa com relação às experiências políticas até então experimentada, mas sem perder sua aposta no futuro, no encerramento do livro: "A página tem o seu bem só quando é virada e há a vida por trás que impulsiona e desordena todas as folhas do livro (...). Quais imprevistas idades de ouro prepara você, malgovernado, você, precursor de tesouros que custam caro, você, meu reino a ser conquistado, futuro...". (p. 132-133).
Thiago 29/01/2019minha estante
Isso me lembrou um pouco dos livros do Pirandello, e também do próprio Calvino no "A Cidades Invisíveis".


Gustavo.Romero 29/01/2019minha estante
Cidades Invisíveis está na minha lista de próximas leituras. Fiquei fascinado com o Calvino


Thiago 29/01/2019minha estante
Leia o Pirandelo, também! Você vai gostar.


Gustavo.Romero 29/01/2019minha estante
Lerei! Algum em particular?


Thiago 29/01/2019minha estante
A peça "Seis Personagens a Procura de Autor", é um bom começo.


Thiago 29/01/2019minha estante
Se bem que qualquer livro dele, vale a pena, não li até hoje nada que fosse ruim.




Pilar 09/04/2024

Fuja de ?spoilers? deste livro! ;)
Leitura brevíssima, agradável sem ser simplista, com imenso poder de síntese, bom humor, astúcia e surpreendentes reviravoltas.
Entre as reflexões filosóficas deste livro estão: os limites entre consciência e existência; e a honra (ou não) em cumprir com seu lugar no mundo ou superá-lo.
Foi meu primeiro Italo Calvino e sugiro a quem for ler que fuja de spoilers pra não perder a diversão.
Eduardo Vainer 15/04/2024minha estante
Dos 3 da trilogia este foi o que mais gostei.


Pilar 18/04/2024minha estante
Foi o primeiro dele que li, Eduardo. Vc sugere alguma ordem de quais próximos dele pra continuar?


Eduardo Vainer 18/04/2024minha estante
Eu li o Cavaleiro inexistente na edição de "Os Nossos Antepassados" da Companhia de Bolso que contém também o O Visconde Partido ao meio e O Barão nas Árvores. Lembro de ter gostado mais do Visonde. Em relação aos outros livros recomendo Marcovaldo e Se um Viajante em uma noite de inverno. Ainda tenho muito Calvino pra ler: Todas as Cosmicômicas, Os Amores Difíceis, os livros de não ficção...




Sid 07/09/2010

Autores de chamadas "ficções fantásticas" existem ao monte, desde aqueles aclamados por críticos, como Garcia Marquez e Borges, como autores de livros de módulos básicos de RPG, como Mark Rein Hagen. Alguns pegam peças, mitos, seres, ao já existente, e dá um novo formato ou faz uma releitura. Já outros criam novos ambientes, novos seres, uma mitologia inédita. Este é o caso de Italo Calvino.

Escritor italiano, nascido em Cuba, viveu durante a Segunda Guerra mundial e o Facismo na Itália. Foi membro do Partido Comunista do país, mas deixou o partido com uma carta célebre.

Dentro os seus primeiros trabalhos três se destacam por terem envolvimento elementos muito próximos, editados posteriormente com o nome de "Os Nossos Antepassados". O último a ser escrito, e o primeiro com o qual tive contato foi "O Cavaleiro Inexistente".
Criar situações inusitadas, como um ser dividido perfeitamente ao meio após receber um tiro de canhão, ou uma armadura ganhar consciência pelo simples desejo de servir a um grande imperador são normais no universo criado por Calvino.

Escrevendo de maneira objetiva ele consegue ter nosso consentimento para sentir sensações como paladar, acreditar ser possível a intervenção de forças maiores, alguém viver sem mais pisar no chão, em terra. Não cria teorias grandiosas para ter credibilidade em sua escrita, apenas descreve a melhor maneira de como foi possível chegar até o resultado final, e como outros personagens nas histórias aceitam, ou não, os fatos narrados, somos absorvidos por essa condição de veracidade.

Sempre me imaginei com uma grande criatividade, com uma mente capaz de devaneios grandiosos e complexos, até conhecer a simplicidade e magnitude colossal da obra de Calvino, onde apenas é necessário um único elemento para ter uma vastidão de combinações e possibilidades.

Foi através desse livro que conheci um autor grandioso e foi através dele que pude divulgá-lo a outras pessoas, caso tenha interesse em conhecer a história de Agilulfo, e sua força de vontade e fé numa causa, e as conseqüências desses atos, deve buscar esta obra-prima de um conteúdo singular, capaz de nos fazermos filosofar sobre quem somos e porque somos assim, do nosso jeito.
Christian 15/11/2012minha estante
Descreveu muito bem a obra do Calvino. É realmente incrível a simplicidade do estilo, leve e ágil, e temas que as vezes parecem prosaicos ou compostos por um único elemento e desencadeiam grandes reflexões na gente, além da magnitude.
Fora o lado humano, caloroso (italiano?) que existe nas obras dele, que me agradam muito.


sonia 25/06/2013minha estante
Já pensou que o realismo fantástico encanra porque a vida real é a coisa mais surreal que existe? Ao longo da vida tenho tropeçado em fatos reais inacreditáveis, pessoas estranhésimas e situações pra lá de bizarras. o fato de um cristão pegar em armas e sair matando, por exemplo, por si só é um completo absurdo.




Matheus.Correa 09/01/2024

A busca por quem somos é longa e empática
"Das fileiras de lúpulo e das sebes pulavam aldeões armados com forcados, foices e podadeiras, tentando cortar-lhes a passagem. Mas pouco puderam contra as lanças inexoráveis dos cavaleiros. Superadas as linhas desfeitas dos defensores, eles se lançaram com os pesados cavalos de guerra contra as cabanas de pedra, palha e barro, destruindo-as sob os cascos, surdos aos gritos das mulheres, dos vitelos e das crianças. Outros cavaleiros seguravam tochas acesas e ateavam fogo nos tetos, nos depósitos de feno, nas estrebarias, nos celeiros miseráveis, até que as aldeias ficassem reduzidas a fogueiras que eram só gritos e prantos. Torrismundo, arrastado pela corrida dos cavaleiros, estava transtornado. ? Alguém me diga, por quê? ? gritava para o ancião, indo atrás dele, como se fosse o único que podia ouvi-lo. ? Então não é verdade que estejam cheios de amor pelo todo! Ei! atenção, estão atacando aquela velha! Como têm coragem de investir sobre restos humanos? Socorro, as chamas atingem aquele berço! Mas o que estão fazendo? ? Não queira interferir nos desígnios do Graal, noviço! ? advertiu o ancião. ? Não somos nós quem faz isso; é o Graal, que está em nós, que nos move! Entregue-se ao seu amor furioso! Mas Torrismundo descera da sela, preparava-se para socorrer uma mãe, devolver-lhe aos braços uma criança caída." - Essa cena, envolvendo Torrismundo, um dos personagens desse livro, admite um mundo de pessoas pobres que são usurpadas por homens que se dizem a serviço de algo maior que eles, me pergunto, por que o prato da insensibilidade é sempre vinculada a uma verdade? As pessoas se corrompem por crenças que nem ao menos elas se dão conta. E o livro é sobre isso, sobre uma armadura vazia que salva mulheres, sobre um cavaleiro inexistente que é modesto e corajoso, que ninguém consegue enxergar seus olhos e ao se deparar com a sua face, apenas presencia a armadura branca gelada. Torrismundo, por sua vez é o personagem que busca substância em seu interior, busca a si em uma jornada longa e empática. Ao saber sobre seu pai, que fazia parte dos cavaleiros do santo graal, ele decide se juntar, mas ao se deparar com aquele homens cruéis, ele não se encontra. O vazio está ali, sua jornada não havia chegado ao ponto em que gostaria, porque a narrativa nos conduz em uma vida tipicamente humana. Italo Calvino, em sua realidade fantástica, induz à reflexões sobre o eu e a aventura de sempre se estar vazio, os outros percebendo ou não.
Pilar 11/04/2024minha estante
Essa página é bem marcante. ?e divertida. Me impressiona um livro tão levinho e engraçado trazer reflexões tão sinceras e importantes.




@leiturasdanickson 17/06/2022

é, o livro não me conquistou... mas no geral foi uma experiência ok e até achei engraçadinho em alguns momentos. gostei bastante da escrita do Calvino, o que não fluiu comigo foi o enredo em si, achei bem raso.
a princípio a ideia do livro é boa, ele faz uma analogia a nossa existência e em como podemos ser alheios a isso, porém não me despertou grandes reflexões.

um trecho que achei incrível:

?Assim, tanto sobre o amor como sobre a guerra, direi de boa vontade aquilo que consigo imaginar: a arte de escrever histórias consiste em saber extrair daquele nada que se entendeu da vida todo o resto; mas, concluída a página, retoma-se a vida, e nos damos conta de que aquilo que sabíamos é realmente nada.?

ha outros momentos em que o autor expressa bem os sentimentos dele a respeito da escrita, o que acaba sendo bem bonito de ler.
Levi 29/08/2022minha estante
Olá, boa noite, gostaria de saber se você poderia me auxiliar a ligar elementos da história retratada no livro, com a própria idade média, como por exemplo mostrar uma relação entre vassalo e suserano. Ee puder ajudar fico grato




Carla 06/08/2012

O Cavaleiro Inexistente
Há alguns anos eu perturbo a Claudia para que ela leia O Cavaleiro Inexistente, como eu estava com muitas saudades (re) reli ele para coloca-lo aqui na Livraria. Italo foi autor que me convenceu que literatura “de raiz” pode ser extremamente divertida. Calvino mostrou que ler é indispensável e muito prazeroso.

Nascido em Cuba em 1923, criado na Itália, formado em Letras, foi membro do Partido Comunista até o ano de 1956, onde contribui para a luta contra o regime fascista de Mussolini. Calvino nos deixou em 1985, aos 62 anos.

O Cavaleiro Inexistente traz o que promete o nome. Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Atri de Corbentraz e Sura cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez é membro, ou como nomeado na história, um paladino do exército do então, quase senil, imperador Carlos Magno. E sim, uma verdade, apesar de seu total conhecimento das regras, leis e burocracia do regimento do exército, a impecável armadura branca, ainda assim Agilulfo não existe.

-“Falo com o senhor, ei paladino! – insistiu Carlos Magno. – Como é que não mostra o rosto para o seu rei?
A voz saiu límpida da barbela.
- Porque não existo, sire.
- Faltava essa! – exclamou o imperador. – Agora temos na tropa até um cavaleiro que não existe! Deixe-nos ver melhor.
Agilulfo pareceu hesitar um momento, depois com a mão firme e lenta ergueu a viseira. Vazio o elmo. Na armadura branca com penacho iridescente não havia ninguém.
- Ora, ora! Cada uma que se vê! – disse Carlos Magno. – E como é que esta servindo, se não existe?
- Com força de vontade – respondeu Agilulfo – e fé em nossa santa causa! - Certo, muito certo, bem explicado, é assim que se cumpre o próprio dever. Bom para alguém que não existe está em excelente forma! ... (pag. 10)

A narração fica por conta de uma freira presa em um quarto de convento imaginando e sonhando com os acontecimentos mundanos, ou seriam do mundo?
Conhecendo algumas personagens: minha favorita é Gurdulu, escudeiro de Agilulfo nomeado pelo excelentíssimo senhor imperador Carlos M., que em todas as suas aparições é certeza de gargalhadas.

Bradamante, uma ‘cavaleira’ que se destaca no exército muito mais por ser a única mulher disposta a brigar pela ‘santa causa’.
Rambaldo busca vingança, mas acaba impedido na Superintendência para Duelos, Vinganças e Máculas à Honra.

O Cavaleiro Inexistente é tão correto que é capaz de buscar a verdade até as ultimas consequências, sempre pronto a ajudar e esclarecer Agilulfo acredita ser capaz de salvar a todos ao mesmo tempo.


http://www.concentrofoba.com.br
sonia 25/06/2013minha estante
Pessoas corretas e éticas não existem, que pena!




isa.dantas 10/03/2016

Conto prazeroso
A curta história de O Cavaleiro Inexistente é uma leitura agradável e divertida. É muito fácil se entreter entre suas páginas. Uma bela história por Italo Calvino.
Matheus.Dias 04/04/2016minha estante
Estou a procura da referencia bibliografica porem ainda n encontrei. poderia me passar ?




P.H. 09/02/2009

uma critica aos romances de cavalaria
muito bom, uma crítica bastante interessante aos românces de cavalaria. Uma história diferente que desbanca os heróis do Santo Graal e o machismo da época. Alguns temas criticados correspondem ainda aos dias de hoje. Acontecimentos inusitados e fechamento surpreendente. uma ótima leitura.
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Monse 31/10/2009

maravilhoso, poesia pura em prosa.
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Joice (Jojo) 12/05/2011

Comédia, sátira e aventura!
"O cavaleiro inexistente" foi uma grata surpresa. Na trama, Agilulfo, o tal cavaleiro inexistente, tenta provar que é digno do seu título e sai em busca da jovem a quem salvou a virgindade quinze anos antes. Com ele, partem seu escudeiro, Gurdulu (que, ao contrário do patrão, não sabe que existe), Bradamante - a guerreira apaixonada por Agilulfo - e Rambaldo, o aspirante a cavaleiro apaixonado por Bradamante.

A história é narrada de uma forma cômica - e abertamente irônica - pela freira Teodora, que muitas vezes não sabe se narra a história ou se se perde em devaneios nada próprios para uma religiosa.

Italo Calvino possui uma escrita maravilhosa e confere aos seus personagens traços únicos, que os tornam inesquecíveis. E todos são vítimas de bravatas, mesmo o perfeccionista Agilulfo que, por não existir, talvez seja o que mais exorte seus sentimentos. As cenas dele com a lasciva viúva Priscila são de tirar o chapéu.

Enfim, recomendo!

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Estêvão 07/01/2010

As palavras "cavaleiro" e "cavalheiro" possuem algo em comum além da sonoridade aproximada: ambas passam a ideia de formalismo e um certo equilíbrio emocional. Levando essas características ao extremo, o escritor cubano, radicado na Itália, Italo Calvino, em seu romance O Cavaleiro Inexistente (1959), obra que integra à série Os nossos antepassados, cria um personagem que se configura como uma metáfora a ética nas relações humanas.

Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez. É com essa frase que nosso cavaleiro inexistente se apresenta a Carlos Magno na primeira página do romance. Agilulfo integra o exército comandado por Carlos Magno e, possui uma excentricidade em relação a todos os outros cavaleiros desse bando: não existe. Talvez por esse motivo características como lealdade inquestionável, destreza e habilidades no manejo de armas, além de uma gana de competências e um caráter inquestionável são atribuídas a ele. Em algumas passagens Italo refere-se à Agilulfo como irretocável, por dentro e por fora – uma referência a sua moral e a sua armadura sempre muito limpa -, “sem uma mancha que a suje”, igual a sua honra.

A aventura de nosso cavaleiro inexistente é narrada por uma freira em um convento que é obrigada a contar uma história para pagar uma penitência. Portanto, o narrador é onipresente e onisciente em sua terceira pessoa. E, tal qual um Dom Quixote, Agilulfo tem uma missão: defender sua honra perante uma acusação de não merecer o título de cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, além das obrigações típicas de um cavaleiro, defender donzelas em perigo. Para provar sua honra ele, parte em companhia de seu escudeiro, um idiota da vila (Sancho Pança?) em busca da virgem que salvou anos atrás e que, por tê-la protegido, conquistou o título que ostenta em seu nome.

Por ser uma estória contada por uma freira, temos dois planos narrativos: o da freira que conta como se processa o livro em sua cabeça e a trama de Agilulfo que ela cria. Portanto, podemos dizer que o plano da freira se situa no plano real e o de Agilulfo o plano mágico, metafórico ou alegórico e é aí que reside o ponto máximo do romance. Mas para isso é necessário mais informações sobre o seu enredo.

Além do cavaleiro inexistente, no acampamento dos cavaleiros carolíngios existia uma amazona chamada Bradamante e que era cobiçada por todos os outros cavaleiros e dentre eles o jovem Rambaldo, cavaleiro que se junta ao grupo de Carlos Magno com o intuito de vingar a morte do pai, que foi morto por um dos inimigos dos cavaleiros. Rambaldo escolhe Agilulfo como mestre, sem saber que ele era pretendido por Bramante e sua paixão por homens sérios, sóbrios e equilibrados emocionalmente, características que Agilulfo tinha e que era realçada por várias outras. Formado o triângulo amoroso e após a partida do cavaleiro inexistente em defesa de sua, até então, irretocável honra, Bradamante parte atrás dele e é seguida por Rambaldo.

O interessante nesse amor que Bradamente declara é a ironia que a narradora deixa no ar, gerando uma reflexão sobre o sentido de amar. O conceito de amor defendido pela amazona se aproxima muito da ideia platônica de amor, a personagem se encanta por valores e moral firmes e consolidadas, algo que só consegue encontrar em Agilulfo, cavaleiro que, não existe. Portanto uma pergunta fica no ar: o que é o amor?

Após um imbróglio que envolve parentes, sexo, incesto e a honra de um cavaleiro, Agilulfo resolve se desfazer da armadura e sumir para sempre, sem saber que era inocente. A simbologia remete ao valor da honra e da ética dos cavaleiros é como se quisesse afirmar que uma única insinuação jogasse toda ética por água abaixo e que tudo aquilo que existia único em sua imponência moral não valesse de nada diante de uma suspeita.

Vendo o seu amado cavaleiro “morrer” Bradamante resolve se isolar num convento (!). Sim, a mesma que nos conta a história de Agilulfo! Essa informação dá um reverso em toda a obra e, de forma magnífica, realiza as misturas entre os dois planos até então isolados – o real e o mágico. A junção deles é a tônica da narrativa que, além quebrar toda a lógica até então conduzida põe ambas no mesmo tempo e espaço culminando com a reflexão: o que é mágico e real nessa narrativa? Pessoas como Agilulfo só existem na ficção? E o amor? A ética é éter nas relações humanas?

A comparação com Dom Quixote é inevitável não só pela temática que tem como personagens cavaleiros, mas também pela mistura de magia e realidade, lucidez e loucura que, aplicadas em nossas vidas nos instigam a ver certos conceitos aos quais estamos submetidos e o quão platônico eles se tornam quando submetidos à realidade.
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Li 03/06/2010

Estando inexistente, existe!
Um cavaleiro que não existe traz algumas reflexões sobre a nossa própria existência e (in) significâncias. Seria ele mais real do que cada um de nós jamais fora? A verdade é que O Cavaleiro Inexistente não é um livro sisudo ou tão profundo a ponto de nos fazer refletir com tamanha veemência, antes é uma história divertida, onde o improvável se faz presente e situações inacreditáveis acontecem.
O que falar de Gurdulu, o fiel escudeiro de Agilulfo, o bravo cavaleiro que inexiste? Um simples trapalhão ou a alusão real de como muitas pessoas podem viver sem se dar conta de sua própria existência? Como se fossem levadas por qualquer vento que muda de rota, ora sendo pereiras, ora sendo peras, numa mudança drástica de posições, sem tomar partido de nada. E Rambaldo que empenhado em sua vingança se vê tão perdido quando a mesma se conclui, como muitos de nós que não nos saciamos em nossas próprias conclusões, vivendo os quase com a vã esperança de haver mais vida nos pós das coisas. Também há a jovem Bradamante, que atrai e assusta, mas que no fundo é apenas uma mulher indefesa num corpo moldado para os confrontos, insaciável como todas nós somos, buscando cavaleiros tão perfeitos que inexistem. O jovem Torrismundo também aparece, surgido do nada, na última parte do livro, para reclamar posições e se desfazer de outras, se enfiando numa busca improvável e, se não fosse estranhamente engraçada, seria profundamente triste.
Um livro divertido, cuja segunda parte começa a galopar numa corrida desenfreada e curiosa, mas que se revela oportuna. Todos os personagens são inacreditavelmente reais e têm suas histórias costuradas de forma meticulosa e o cavaleiro inexistente é o centro de todas elas.
Ao final, fiquei com aquela sensação gostosa, que não sentia há muito tempo, aquele vazio de quando se imerge profundamente em algo que logo acaba, como o vácuo que fica o ventre, depois dos nove meses de espera.
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Leonardo1083 18/04/2024

A questão da existência
Existimos?
Existimos!
Onde existimos? Quando existimos? Para que existimos? Porque existimos?

?Até ele aprenderá? Nem nós sabíamos que estávamos no mundo? Também a existir se aprende??
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Tito 19/05/2011

As aventuras de Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez, paladino que se distingue pelo zelo extremado, pela honra imaculada e, claro, pelo fato de não existir, exceto como manifestação concreta, alva e surreal de sua própria vontade.
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Hugo R 16/10/2011

Errar para ser
“A existência precede a essência”. Com a máxima, Sartre deu o pontapé inicial no movimento filosófico denominado existencialismo. Para o pensador francês, a existência mortal do homem precede a sua formação como persona, por intermédio das experiências modeladoras que, em vida, delinearão o ser humano. Por isso, entre os seres racionais, nada que não é, ou mesmo, que não exista, não pode, de forma alguma, ser. Retrato anterior à tese humanista de Jean-Paul Sartre tem-se com a publicação de O Cavaleiro Inexistente, em 1959, por Italo Calvino.

Nascido numa viagem dos pais cientistas a Cuba, Italo Giovanni Calvino Mameli (1923-1985) destacou-se logo como um dos grandes escritores italianos da geração do séc. XX. Tendo iniciado os estudos na Faculdade de Agronomia de Turim, em 1941, logo os abandona em prol do engajamento político, que o levara a se juntar a Resistência Italiana contra os nazistas. Mais tarde, foram tais acontecimentos que delinearam a vasta produção ficcional do autor, com livros como As Cidades Invisíveis, publicado originalmente em 1972, Se um Viajante numa Noite de Inverno, de 1979, e O Cavaleiro Inexistente, de 1959, caricato e irônico retrato de um romance de cavalaria.

Nesta publicação, Italo Calvino alia uma prosa lírica com um sarcasmo zombeteiro para dar voz às peripécias emaranhadas nos enredos macroscópico e outros microscópicos do romance de apenas 136 páginas. Dando nome à narrativa, exemplarmente fardado com uma límpida armadura branca, metódico, disciplinado, perfeito, Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez apresenta-se junto às tropas de Carlos Magno, como era de praxe a todo soldado. Ao contrário dos outros cavaleiros, porém, a bênção e a maldição do perfeccionismo de Agilulfo são justificadas por sua inexistência. Tais atributos que tanto angustiam o cavaleiro, no entanto, são os mesmos que o fazem cobiçado pela guerreira Bradamante, e invejado pelo jovem Rambaldo.

À procura da honra, Agilulfo se engaja numa jornada defendendo os títulos e a posição conquistados de uma acusação feita por Torresmundo, seguido por Bradamante, ansiosa pelo amor de um “não-ser”, e Rambaldo, batalhando pelo coração da guerreira. É assim que, na “cavalgante” narrativa, os personagens, confrontam o futuro com suas incessantes buscas, seus desejos e incertezas.

Essa carroça metafórica que rende um passeio pelo avesso do universo medieval é conduzida pela irmã Teodora, narradora e monja a quem foi designada a incumbência de escrever, como forma de penitência. Logo mais, porém, o ingênuo leitor descobrirá que ela não escreve por consideração ao amor cristão, custeando com o labor de sua pena a vida eterna. Pelo contrário, o intuito de Teodora, ou antes, Bradamente, é a penitência paga pela paixão ao inexistente em desacato ao amor tátil de Rambaldo. A narradora, por fim, agora paga o tempo da espera para alcançar seu salvador, o jovem cujos desejos foram outrora renegados, ansiosa e com a crença de que “se bem que, quando se chega ao ponto [o início do fim, o ponto final] aparece o salvador, sempre ele”.

Nesse tufão de identidades múltiplas, característica principal da flexibilidade e da intensa conexão de Gurdulu – escudeiro de Agilulfo – com o meio em que vive, assalta o cavaleiro inexistente, o que ocorre quando Agilulfo tem a armadura metaforicamente suja por um suposto erro, de modo que, assim, sucede a metamorfose do cavaleiro, que se esvai, liberto de prisão de sua armadura. Consequentemente, descobre no provérbio “errar é humano”, o aprendizado que anula sua condição inexistente, isto é, parafraseando Sartre, aquilo que passa a temperá-lo com as qualidades, defeitos e virtudes, característicos próprios daquele que existe e, por isso, simplesmente é.
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