spoiler visualizarLeila 15/12/2012
Cultivados: a ficção apocalíptica joinvilense
O onda do fim do mundo que chegou com o ano 2012 atingiu também as obras nacionais. Em Cultivados (2011), o joinvilense Rodrigo Baptista cria um futuro alternativo para o mundo após uma hecatombe assolar o planeta. Toda a vida como conhecemos hoje acaba. O mundo literalmente apodrece, mas o homem encontra uma forma de sobreviver, criando uma realidade completamente nova, onde mesmo com escassez a população consegue conviver em harmonia, através de uma forma de alimentação completamente condenável para os padrões morais da sociedade atual e em um mundo completamente novo, criado em uma plataforma que se estende em uma parte entre a América do Sul e a África onde antes existia o Oceano. O novo mundo, Domi. Mas nem mesmo diante de todos os mecanismos criados para que a humanidade conseguisse existir, o mundo está salvo, pois onde existe uma laranja podre, sempre se propagará a peste.
Com apenas 172 páginas, Cultivados teria tudo para ser uma leitura rápida, mas não é. O excesso de palavras rebuscadas em uma mesma frase faz com que o leitor tenha que parar para pensar se vai realmente buscar o significado em um dicionário para tentar entender o que o escritor quis narrar, ou se vai deixar aquela sentença passar despercebido. Da mesma forma, a obsessão de Baptista pela palavra pútrido dá o tom da obra, que pode ser analisada como uma mistura dos filmes 2012, A Ilha e Jogos Mortais.
A chegada do fim dos tempos exige uma medida eficaz para resolver o êxodo rural, a solução: ir para o mar – como em 2012; os personagens centrais do livro – Cultivados, são criados em um ambiente chamado Redoma, e se vestem como os personagens criados por Michael Bay no cinema, em A Ilha, da mesma forma como eles são alheios a realidade que acontece no lado de fora das paredes do laboratório onde vivem. E por fim, o real significado da existência dos Cultivados, descrito ao fim do livro, é um show de horrores digno de um jogo de JigSaw, é preciso estômago.
A obra aponta ainda para críticas duras à sociedade em que vivemos, em parte, os Cultivados são a personificação da parcela da população que vive simplesmente por viver, sem entender os prazeres da vida e muito menos o sentido de sua existência, mas sua participação na obra pode ser comparada aos animais criados em cativeiro, esperando para serem servidos ao fim de suas vidas. Por outro lado, a população de Domi, tão consciente dos defeitos da sociedade na qual estamos vivendo atualmente, tão crítica com relação às guerras e a discriminação, comete os mesmos erros ao se deparar com um Cultivado fugitivo, com os olhares furtivos a se esquivar, uma forma de Rodrigo provar que nem mesmo quando se busca a perfeição o ser humano fica incólume a ignorância que lhes é de natureza. Incólume, alias, é outra das palavras que mais aparecem no livro, ao lado de inóspito e pútrido.
Um ponto contrastante no que diz respeito à obra é também o objeto central. Cultivados em cativeiros, os seres humanos descritos no livro são desprovidos de educação durante a vida, e o único ensino que lhes resta são as míseras contações de histórias que escassamente recebem através dos alto-falantes da Redoma. Assim, é possível se perguntar: “como seres tão ignorantes possuem um vocabulário tão vasto?”, “como eles podem fazer descrições tão perfeitas ao narrar suas histórias aos outros humanos – aqueles que vivem fora da Redoma – que, no fim das contas, são o motivo para eles terem sido criados em cativeiro?”, e por fim, “se eles vivem em um mundo onde todos os recursos naturais estão escassos, e eles nunca tiveram contato com educação ou a realidade anterior, como uma das personagens sabe utilizar enquanto metáfora a palavra carvão?”. Todos esses questionamentos podem ser justificados, talvez, pela pressa com que a obra foi escrita. Baptista concebeu Cultivados para participar de concursos literários e talvez, mesmo sem perceber, tenha cometido alguns pequenos deslizes.
Da mesma forma como, enquanto amante da sétima arte, ele também não soube discernir, em alguns pontos, a linha tênue entre uma obra literária e uma rubrica digna de roteiro de cinema. Algumas passagens, que tem sim sua importância para o entendimento final da obra, mas por vezes se delongam demais em relatar take a take de uma cena feita especialmente para as telonas.
Todos esses pontos, porém, não desmerecem o valor cultural agregado à obra. Cultivados cumpre seu papel de ficção nacional, com um toque de americanismo. A história, apesar de grotesca em alguns momentos, algo completamente justificável para aqueles que conhecem Rodrigo, entretém, ao mesmo tempo em que gera uma leve, e talvez dramática, reflexão a respeito da vida que levamos. Um livro que merece ser lido.
Originalmente publicado em http://leiloandoideias.wordpress.com