Ana Aymoré 11/06/2023As impossibilidades do amorCom uma narrativa em terceira pessoa que se alterna entre as consciências das cinco personagens principais e que privilegia o monólogo interior, O coração é um caçador solitário tem um ritmo lento que depende de uma leitura concentrada e paciente.
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Inacreditável pensar que esse livro foi escrito por uma jovem de apenas 22 anos. O mais belo em McCullers é a generosidade, tão rara quando estamos na flor de nosso egoísmo juvenil, de seu olhar sobre os desvalidos, os que vivem à margem (da sociedade/ da "normalidade"). Suas personagens, delineadas com um misto de suavidade e vigor difícil de explicar, são negros excluídos e brancos miseráveis no contexto dos EUA dos anos da Depressão: os solitários, os incompreendidos, os rebeldes, os inadaptados, os que nutrem sentimentos explosivos, insistentes e contraditórios.
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O livro tem um tom melancólico - se fosse música tocando em nosso "espaço interior" (Mick Kelly mereceria uma resenha só para ela), seria um adágio. O tema central, lindamente metaforizado no título, é o da impossibilidade da realização plena do amor: seja como Eros, já que todas as possíveis histórias de amor aqui são frustradas e, também, carregam algum traço (esboçado sutilmente na artesania literária) de transgressão; seja como Philia, aquele que seria capaz de unir a humanidade em torno de um ideal de fraternidade e justiça social, o que é representado em uma das mais memoráveis passagens do romance, a do conflito hiperbólico entre Blount e Copeland, que compartilham o mesmo ideário mas são incapazes de se compreender mutuamente; seja como Ágape, o amor total a que todas as personagens se voltam com ânsia, e que, na economia do texto, é representado na figura do surdo-mudo John Singer. Reverenciado pelos demais, Singer, como um Deus distanciado, os escuta mas jamais os responde, ou às suas angústias. Por fim, também, como a divindade cristã, faz de seus desígnios um enigma, rompendo, num gesto, todos os frágeis fios da esperança depositada em si.