Ramon Diego 12/04/2022
?Todas as manhãs, um pouco antes ou um pouco depois do nascer do Sol, eu costumo dar uma volta para ver o que há de novo no deserto. O deserto começa aqui, em Arad, bem no final da nossa rua?.
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É assim que o livro do escritor Amós Oz nos pega, como um sussurro das areias do deserto ao nosso ouvido, anunciando os caminhos solitários e, muitas vezes pouco ortodoxos que parecem nortear nossa jornada no mundo.
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Assim, seu livro ?De amor e trevas? publicado em 2002 pela Cia das letras parece, também, nos mostrar como o ato de ser no mundo se equilibra entre dois polos, tensionados ao máximo: o amor pelo próximo e pelo mundo e as sombras da ganância, da intolerância e do preconceito que parecem nos espreitar por todo canto. Em poucos mais de 600 páginas, esse projeto literário de desvendar o amor e as trevas, em um espaço que chama de seu, nos conduzem a importantes questões e reflexões.
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Para o escritor israelense, esse amor se transforma naquilo que nossa memória materializa em afeto, pela força de imagens líricas que nos enchem os olhos, partindo de figuras muito singulares, do que ele chama de ?sua aldeia?, figuras quase saídas de um mundo fantástico como a da Morá-Isabela, que ?era uma pastora de Gatos: aonde quer que ela fosse, estava constantemente rodeada por manadas de gatos admiradores que ficavam sempre em sua cola, esfregando-se nas suas pernas, rente à barra da saia?. Imagens que se fortalecem, sempre em relação ao outro, na lida com o outro.
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Na cidade de sua memória, no entanto, o lugar no qual se estabelece é, também corroído por sombras, dos discursos do ocidente sobre si mesmo e sobre os seus países irmãos. Assim, a escrita que é empreendida em ?De amor e trevas? nos encaminha ao limiar, entre o urbano e o deserto, entre o que se mostra e o que se esconde, reconstruindo uma imagem de Jerusalém, agora, moldada entre o real e a o desejo do real:
?A Jerusalém judia não era nem jovem, muito menos sólida e armada; era uma aldeia de contos de Tchekhov, atônita, confusa, aterrorizada, varrida por mexericos e boatos alarmistas?
Oscilando entre o gênero autobiográfico e o romance, entre a imaginação e a experiência cruel do real, entramos no mundo de Amós embalados por um passeio sensorial, em que os cheiros, os sons, as imagens e os afetos parecem compor uma Jerusalém em formação, cuja história da cidade é construída, de forma paralela a dos homens e mulheres que dela participaram.
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Por fim, o que posso dizer sobre esse livro é que ele é uma imersão não só na obra do escritor em questão, como nas disputas geopolíticas pós-segunda guerra. Ele nos fala sobre paz e guerra, sobre Israel e Palestina, sobre tolerância e ódio, no entanto, talvez sua maior mensagem seja a de que há sempre tempo de abrirmo-nos ao diálogo, mesmo quando ele é raro, mesmo quando pensamos que ele não mais adianta, pois é na falta de esperança ao compreender o outro e suas motivações, que as sombras de nossas ações se pluralizam nos interditos! Livraço!