Fabio Brust 07/05/2012
"O Coletor de Almas", de Douglas MCT
Douglas MCT é um velho conhecido meu. Nunca nos falamos muito, mas eu sempre fui um admirador quase anônimo de sua obra, tendo conhecimento dela há pelo menos seis anos - talvez sete, já que não sou muito bom com números -, através de uma comunidade no já quase extinto orkut. "O Escritor e Sua Sinopse" era o nome da comunidade, e ele era um dos participantes. Lá, o tópico sobre seu livro "Necrópolis" era bastante comentado, e eu me interessava muito. Ainda me interesso.
Recentemente, finalmente conheci o Douglas na I Odisseia da Literatura Fantástica, em Porto Alegre, e acabei comprando um de seus livros, o novo "O Coletor de Almas", lançado há pouco tempo pela Editora Gutenberg. Achei a capa bastante atraente, principalmente por seu aspecto de HQ, e a sinopse me interessou. Nunca tinha lido uma história de temática nórdica ou de dark-fantasy, então decidi experimentar.
No final das contas, a experiência foi boa. Douglas tem um dom de escrever de uma maneira ao mesmo tempo descontraída e pesada, usando palavras curiosas como, por exemplo, "cachola" (em alguma parte do livro, não me recordo qual), enquanto fala o tempo inteiro de morte e sangue e retaliação. É uma maneira diferente do usual de se contar uma história, mas que agrada.
É principalmente o estilo do autor que faz com que "O Coletor de Almas" seja uma leitura interessante. A tal dark-fantasy funciona muito bem. O clima que todo o livro traz é sombrio e pessimista, dando o tom que se pretende. A ideia em si também é bastante funcional e interessante: o Ragnarok está prestes a acontecer e três personagens, separados fisicamente, mas não em suas missões, tentam sobreviver a ele e, de alguma forma, compreendê-lo. São eles o Coletor de Almas, Larval, o Ceifador, que vem colecionando cabeças de reis por um motivo misterioso, e Lisa, uma bruxa.
O grande problema é que não há como saber quem são eles, que não apenas isso. A falta de aprofundamento perpassa o livro inteiro, e é quase impossível identificar-se com qualquer personagem que seja. Sua criação é rasa e a que é melhor explorada é Lisa; mesmo assim, ela é superficial. Não se sabe de onde eles surgiram, como surgiram e por quê são da forma como são. Também não se sabe como foram parar onde estão e nem ao mesmo quem são eles.
A ação começa sem que haja qualquer tipo de introdução à história, ao mundo ou aos personagens. Você é apresentado, rapidamente, no primeiro capítulo, ao antigo coletor de almas, Faon (o que eu descobri só pela página 100), o novo, Larval, um fantasma, Bog (que consegue interagir com o mundo físico e não há explicação alguma sobre o porquê disso) e a mulher de Faon. O Ceifador é ainda mais misterioso, além dos reis que ele decapita. Há breves introduções aos reinos de onde vêm esses reis, mas é tudo muito rápido. Talvez se tenha prezado mais pela velocidade do livro do que pelas descrições, mas, em um mundo que o leitor não conhece, tratando-se de uma fantasia, seria interessante especificar um pouco mais.
O leitor é simplesmente lançado dentro da história, como se ele soubesse tudo a respeito de todos e dos acontecimentos. O quê é Yggdrasil? Como funciona aquele mundo? Ele tem três níveis, mas como isso funciona? Cada um tem um Sol? O glossário existente no final do livro não é o bastante. Quem são as nornas? O quê elas são, o quê elas significam e por que existe um interlúdio dedicado a elas?
Infelizmente os acontecimentos também não são muito aprofundados. Muitas das coisas simplesmente acontecem. Como é que o Ceifador estava com duas espadas nas mãos, tornando-as uma espécie de tesoura, prendendo-as para decapitar o rei, e errou? Como foi que ele errou o pescoço do rei e decapitou o conselheiro dele? E outra, como é que ocorre o romance de Lisa? Tudo bem que eles estão vivenciando o fim do mundo, mas isso não significa que um amor tão poderoso e profundo vá acontecer em poucos dias ou mesmo horas. Não há explicação para ela considerar ele "seu amado" tendo apenas vivido algumas poucas horas com o maldito.
Os personagens simplesmente vêm e vão, desaparecendo em um passe de mágica. E então, mais adiante, talvez reapareçam para tentar fazer um link com a primeira vez em que aparecem. Eles estão mortos no Ragnarok, o fim do mundo. É para ser algo dramático, mas como eu posso sentir pena ou tristeza pela morte de personagens que eu nem conhecia? Os nomes são tão complicados que eu não sabia mais quem era quem. Sim, o livro se baseava na mitologia nórdica, mas poderia haver mais explicações.
De fato, é isso que incomoda no livro. Um aprofundamento maior em praticamente tudo viria a calhar, mesmo que o tema, a história em si e o clima que ela passa para o leitor sejam bastante interessantes e condizentes com a proposta original. Talvez, se eu soubesse melhor quem são essas pessoas e o quê está acontecendo, as coisas fossem menos confusas.