Luiza 09/08/2018
Uma rainha deve, em circunstâncias como estas, se preparar para morrer...
Que livro lindo e comovente! Um relato tão humano sobre a rainha da França!
A autora escreve em estilo muito coloquial e agradável, a leitura é fácil e fluida, em momento algum entedia...
.....
A história de Maria Antonieta nos revolta... contra e a favor dela! Nos comove, nos choca e nos faz refletir sobre a mulher controversa e notável que foi a inesquecível arquiduquesa da Áustria. Em algumas momentos, meu olhos encheram-se de lágrimas... Tornei-me apaixonada pela Rainha da Moda. Leitura mais que recomendada!
Foi uma experiência maravilhosa. Eu me afeiçoei a Maria Antonieta, que, particularmente, percebi como tendo sido mais vítima/joguete do que apenas frívola e alienada...
O título da obra não faz jus à abrangência da pesquisa. Caroline Weber fala em moda do vestuário, sim, mas apenas quando é pertinente. Na verdade, ela descreve hábitos, costumes, rituais, ideologias, enfim, vai muitíssimo além da limitada palavra "moda". Fala de tristezas, festas, futilidades, luxos e falta de higiene. De amores, traições, amizades e crimes. Percorremos os palácios, as ruas, carruagens, teatros e parques... São histórias de muita dor e muitas perdas; e se havia alegria, havia ainda mais o medo.
Enfim, recomendo essa leitura. Fluiu fácil, e me foi tão surpreendente que me trouxe lágrimas...
Foi bonito conhecer melhor Maria Antonieta, sua história, sua corte, seu começo e seu fim. ❤
.....
- Alguns trechos destacados (contém "spoilers"):
Construído numa escala muito mais imponente que o Hofburg ou o Schönbrunn ? o castelo Habsburgo de 1.100 aposentos nos arredores de Viena ?, esse palácio monumental exibia uma fachada de calcário de mais de 400 metros de comprimento. Sua arquitetura solene e pomposa trazia o imprimatur do grande arquiteto do século XVII Jules Hardouin-Mansart, contratado porLuís XIV para fazer de Versalhes ? originalmente um mero pavilhão real de caça ? o mais magnífico palácio da Europa.
E assim o foi. Um intratável terreno pantanoso a 20 quilômetros de Paris foi transformado por Luís XIV em canais, parterres e magníficos jardins geométricos que se estendiam até onde a vista alcançava. Apesar de várias estátuas e fontes terem se estragado durante o reinado de Luís XV, e embora, como um visitante da época se queixou, o saneamento deficiente fizesse com que ?o parque, os jardins, e até o palácio virassem o estômago com odores horríveis ? [de] urina e matéria fecal? (*), o efeito geral era de inigualável e inimaginável esplendor.
Até os estábulos que flanqueavam a série de imponentes pátios centrais do castelo eram imensos, capazes de abrigar 2.500 cavalos sob seus telhados de mansarda. O próprio palácio abrigava entre 2 mil e 4 mil pessoas, que competiam pelo supremo privilégio de ganhar um de seus 226 suntuosos apartamentos ? ou um de seus 500 quartos, menos confortáveis, mas ainda prestigiosos.
Em certos dias, Versalhes podia acomodar até 10 mil pessoas: dos mais augustos próceres ao mais humilde dos criados domésticos, e de dignitários estrangeiros e suas comitivas a comerciantes que apregoavam mercadorias em bancas improvisadas. O palácio era aberto até para turistas, contanto que os visitantes do sexo masculino portassem o chapéu e a espada quedistinguiam os cavalheiros do rei. (Quem não os tivesse, podia alugá-los do porteiro, mediante uma módica taxa.78) O Rei Sol havia concebido seu incrível palácio acima de tudo como um lugar em que seus cortesãos poderiam ficar constantemente sob sua vigilância ? e ele, por sua vez, sob o olhar extasiado deles.
Durante sua juventude, a nobreza lhe parecera perigosamente resistente à autoridade da coroa. No último quartel do século XVII, ele os subjugara instalando-os em seu novo palácio expandido, como adoradores em tempo integral no culto de seu próprio esplendor transcendente.
Maria Antonieta viajou de Viena para a França numa carruagem de conto de fadas, feita de vidro e ouro. Quando a berlinda chegou a Versalhes, em 16 de maio de 1770 ? o dia do casamento da delfina de 14 anos ?, a magnífica cavalgada que a cercava atingira enormes proporções.
(*) O interior do palácio não primava pela limpeza, e os que se locomoviam por seus corredores tinham de se afastar de tudo quanto há, desde fezes dos bichos de estimação do palácio até restos de comida que criados descuidados deixavam cair ou lama trazida pelos pés de mascates e turistas.
.....
A propensão para o tédio e a depravação sexual não eram as únicas qualidades que definiam Luís XV.
O rei era exímio em fazer chocolate quente e orgulhava-se de sua habilidade para cortar o topo de um ovo quente com uma batidinha da colher.
Afora esses talentos, as travessuras sexuais e a paixão pela caça, muito pouca coisa o interessava a ponto de despertá-lo de sua indolência.
.....
Se o espartilho de barbatanas de baleia era universal em Versalhes, a posição de Maria Antonieta exigia que ela usasse-o diariamente, porém o tipo que era confeccionado de forma particularmente inflexível, conhecido como "grand corps".
No simbolismo do vestuário da corte, esta era uma marca de suprema distinção: somente as mais nobres princesas da França tinham o direito de usar o grand corps habitualmente.
Outras mulheres da nobreza tinham permissão para vesti-lo apenas no dia de sua apresentação à corte (a cerimônia solene em que os rebentos da aristocracia eram formalmente ?apresentados? ao rei e à rainha), e, depois disso, em funções formais especialmente designadas.
Mais ainda que o espartilho comum, o rígido e apertado grand corps restringia severamente os movimentos da mulher, especialmente em volta dos braços.
Digerir e respirar tornavam-se desafios igualmente árduos, e o espartilho causava desmaios freqüentes entre as damas preeminentes da corte, especialmente as futuras mães, pois nem a gravidez isentava uma mulher do corps.
Segundo os críticos plebeus desse espartilho, que o viam como um emblema de abominável vaidade de classe, outros efeitos comuns incluíam palpitações cardíacas, asma, gases, ?mau hálito, definhamento e uma devastadora putrefação?
.....
Os poufs (altíssimos, até mesmo fálicos) da Rainha Maria Antonieta lhe permitiam sugerir a seus inimigos e ao resto dos súditos que, apesar de todos os reveses que experimentara como mulher de Luís XVI, ela ainda estava no controle.
Os poufs rivalizavam com altíssimas plumas de avestruz e pavão ? que por vezes tinham até 90 centímetros de comprimento e eram sempre terrivelmente caras ? como o acessório para cabelo preferido.
O resultado, segundo um padre perspicaz e mundano chamado abade de Véri, foi que ?plumas e penteados ridículos se propagaram até as partes mais remotas do reino, e talvez em breve conquistem toda a Europa".
.....
Luís XIV tivera forte apreço por luxo indumentário em geral e por perucas enormes, desmesuradas, em particular. Ao que parece, no auge de sua obsessão, o Rei Sol empregava 40 peruqueiros para manter o esplendor inigualável de sua cabeleira, e declarou que penteados eram ?um objeto inesgotável? de interesse.
.....
As seguidoras de Maria Antonieta eram tão entusiásticas que não hesitavam em abraçar estilos mais ridículos que sublimes.
Assim, em 1777, identificando no "pouf à la jardinière" da rainha ingredientes tão implausíveis como uma alcachofra, uma cenoura, alguns rabanetes e uma cabeça de repolho, uma dama da corte declarou:
?De agora em diante passarei a usar somente hortaliças! Parecem tão simples, e são tão mais naturais que flores.?
.....
Os poufs eram praticamente impossíveis de lavar, e se tornavam assim criadouros para todo tipo de pestes. Coçadores de cabeça (grattoirs) especiais ?feitos de marfim, prata, ouro e por vezes até decorados com diamantes? destinavam-se a proporcionar alívio, mas algum grau de coceira e agonia continuava inevitável.
Dormir, também, era na melhor das hipóteses desconfortável, exigindo que a mulher enrolasse sua cabeleira numa enorme e cônica ?atadura tríplice que encobria tudo, cabelo falso, grampos, tintura, sebo, até que por fim a cabeça, três vezes maior que seu tamanho natural, e latejando, pousava sobre o travesseiro, embrulhada como um pacote?. Com a cabeça assim enrolada, as senhoras eram obrigadas a dormir quase eretas, apoiadas numa montanha de travesseiros.
Os toucados provavam-se incômodos também durante o dia. Uma das dames du palais favoritas de Maria Antonieta queixou-se de que o peso do novo penteado ?estragava completamente o prazer de dançar?; além disso, viagens de carruagem tornavam-se profundamente problemáticas.
Com sua armação de gaze, suas flores e plumas, os penteados alcançavam alturas tão vertiginosas que as mulheres não conseguiam mais encontrar carruagens com teto suficientemente alto para acomodá-las, e com muita freqüência via-se uma mulher mantendo a cabeça abaixada, ou pondo-a para fora da janela, enquanto viajava. Outras senhoras optavam por ajoelhar-se, como uma maneira ainda mais segura de proteger o ridículo edifício que as estorvava.
Desafios semelhantes surgiam quando as senhoras tentavam passar por vãos de portas ou entrar em seus camarotes no teatro, onde, muitas vezes, não eram as únicas a achar os penteados problemáticos. Segundo um contemporâneo, ?espectadores no teatro queixavam-se de que não podiam mais ver o palco, e chegaram a solicitar a monsieur Duvisme, o diretor da Ópera de Paris, que recusasse poltronas da platéia a qualquer mulher cujo penteado fosse alto demais?. Duvisme atendeu ao pedido e determinou que mulheres usando poufs e plumas enormes só poderiam ser admitidas nos camarotes.
.....
Maria Antonieta nunca pronunciou a lendária observação ?Que comam brioches!? (?Qu?ils mangent de la brioche!?)... Mas é plausível que a duradoura associação entre sua insensibilidade e bolinhos tenha se originado de seu hábito de exibir penteados "bolo de noiva" cobertos de pó - feito com farinha de trigo - diante de uma nação sem pão.
- ?Que comam brioches? era uma velha anedota real, com uma longa e variada história de atribuições que remontava pelo menos até a rainha de Luís XIV, Maria Teresa, no século XVII. A insolente expressão "que comam brioches" foi citada por Rousseau em seu "Confissões" quando Maria Antonieta tinha apenas dez anos de idade.
.....
O rei [Luís XVI] era o único membro do círculo íntimo de Maria Antonieta que parecia disposto a se opor à sua ostentação exagerada. Constatando, contudo, que a esposa não compreendia suas insinuações, o monarca recorreu ao humor.
Uma manhã, não muito depois das Revoltas da Farinha, ele visitou Maria Antonieta em seus aposentos quando ela experimentava um vestido novo que viera de Paris. Quando a rainha perguntou ao marido o que achava da roupa, que era feita de tafetá de um estranho matiz castanho-rosado, ele respondeu laconicamente:
?É cor de pulga!?
Mais uma vez, contudo, o rei errou o alvo. Em vez de estimular Maria Antonieta a rejeitar a última criação de sua estilista, seu comentário despertou um frenético apetite por roupas cor de pulga entre as seguidoras fervorosas da moda.
?No dia seguinte?, lembrou a baronesa d?Oberkirch, "todas as damas da corte usavam vestido cor de pulga, de pulga velha, de pulga nova, de ventre de pulga [barriga de pulga], de costas de pulga etc."
E como a nova cor não se sujava com facilidade, sendo portanto menos dispendiosa que tonalidades mais claras, a moda dos vestidos cor de pulga foi adotada pela burguesia parisiense.
O sucesso da cor foi tão grande que o barão de Besenval, que se tornou um dos companheiros preferidos da rainha nessa época, informou a um rapaz recém-chegado à corte que, para ser bem-sucedido, ele precisava apenas de um paletó cor de pulga.
.....
Algum tempo após seu retorno às Tulherias, a rainha teria confessado à sua "marchande de modes" favorita que tivera um sonho extremamente perturbador:
"Você me trazia fitas de todas as cores, minha cara Rose, e eu escolhi várias. Mas assim que as peguei em minhas mãos, elas se tornaram pretas, e joguei-as de volta nas suas caixas, horrorizada. Peguei outras: verdes, brancas e lilases, e mal as segurei elas se tornaram da cor da morte. Eu era mais fraca nesse sonho do que costumo ser; comecei a chorar, e você chorou também."
.....
"...eu poderia agir, e montar um cavalo se preciso fosse; mas se eu agisse, isso poria armas nas mãos dos inimigos do rei; um clamor geral se ergueria na França contra a mulher austríaca, contra a dominação feminina? Uma rainha que não é regente deve, em circunstâncias como estas, permanecer inativa e se preparar para morrer".