Alícia Marques 08/01/2023
Queria um quentinho no coração e saí brava...
Sempre gostei muito da Sylvia Plath, sempre me identifiquei até certo ponto (eu sei, isso é preocupante). Meus maiores problemas não foram com os poemas - com exceção daqueles com palavras antissemitas e o uso da n-word.
Aqui eu gostaria de chamar a atenção para a tradução porque, para meu azar, que sei ler em ingles, essa é uma edição bilingue.
Quando me dei conta ao olhar atentamente para a capa que os poemas foram traduzidos por dois homens já pensei "ishi... isso não vai dar bom". Dito e feito. Colocaram dois homens para traduzir poemas de uma mulher profunda, depressiva, com muitas capadas. Eles não respeitaram ela. Os poemas (algo tão íntimo e pessoal) ficaram com o tom completamente masculino. A escolha de palavras é claramente masculina. Infelizmente não consegui aproveitar nenhum poema por causa disso - ao comparar a tradução com o original eu só conseguia passar raiva! Fiquei preocupada pelas pessoas que só têm acesso à versão traduzida. Vou dar dois exemplos:
"tendon" virou "membro" - o que muda muito a conotação da estrofe
"the bastard's girl" virou, preparem-se, "a putinha"
Aliás, toda oportunidade que eles tiveram para usar "puta" eles usaram. Mesmo que tivesse alguma outra palavra que se enquadrasse tão bem quanto, ou melhor que, essa. Além disso, os tradutores mudam as palavras de ordem, acrescentam onde não tem, omitem as que tem. No final, eles escreveram vários textões explicando que os motivos para tais escolhas são para deixar o texto mais "ríspido, com gírias e clichês como ela queria”. Bom, ao meu ver essa é a interpretação dos tradutores. Que tal deixar os leitores tirarem o que entendem da leitura? Em suma, os poemas (de novo, algo tão pessoal de cada um, nos quais cada um interpreta conforme sua experiência de vida) foram traduzidos conforme a interpretação dos tradutores - e para atingir a interpretação que eles pensaram não tem problema mudar palavras, ordens, termos, tons. Pelo menos uma leitura sensível feita por uma mulher e por alguém que entende de Plath deveria ter sido feita (ou quem sabe chamar tradutoras mulheres para traduzir textos sobre ser mulher? mas ah, não, isso já é querer demais...)