J Bruno 10/04/2017
O Último Jurado - John Grisham
John Grisham, o autor, aparenta querer criar em "O Ultimo Jurado" um panorama geral da realidade de uma pequena cidade do sul dos Estados Unidos na década de 70. A segregação racial e o movimento pelos direitos civis são alguns dos temas que permeiam toda a história. No entanto, ao mesmo tempo em que este talvez seja um dos aspectos mais positivos do livro, ele acaba sendo também o seu calcanhar de Aquiles, explico: tal tipo de abordagem ajuda a levantar na trama inúmeras reflexões sobre racismo, efetividade da lei, sensacionalismo midiático, dentre outras questões, e talvez constitua o maior mérito da obra; todavia, Grisham sujeita toda a narrativa a tal intenção e este acaba se tornando, talvez, o seu grande problema, pois aí reside a vulnerabilidade do livro como peça de ficção.
A história se passa em Clanton, cidade do condado de Ford, no Mississipi, e gira em torno de Willie Traynor, um jovem de 23 anos, recém saído (com não muito mérito) da faculdade de jornalismo, que se torna o novo proprietário e editor do único jornal da cidadezinha; e do caso envolvendo Danny Padgit, acusado de ter estuprado e assassinado de forma brutal a bela viúva Rhoda Kasselaw. A família Padgit enriquecera e criara um pequeno império às custas de uma série de crimes e contravenções praticados ao longo de décadas. Rhoda, sem outros familiares na cidade, deixara órfãos dois filhos ainda pequenos, eles teriam testemunhado boa parte da ação do criminoso.
A narrativa é dedicada em um primeiro momento à descrição da repercussão do crime no condado e ao julgamento de Danny Padgit. É nesta primeira parte que é apresentada boa parte do enorme contingente de personagens secundários e as inúmeras pequenas tramas em que estão envolvidos. Até então o desenvolvimento da narrativa funciona incrivelmente bem, no entanto, por escolhas mal feitas, este bom funcionamento vai sendo perdido pouco a pouco no restante do livro.
Na segunda parte há a opção por uma narrativa mais fragmentada, que acaba soando episódica, o que gera um notável contraste com a primeira e uma considerável perda do vigor até então observado. Em meio a um emaranhado de fatos e de alguns novos personagens, o autor aparenta querer abraçar o mundo e não demora para que fique evidente para um leitor mais atento que tais subtramas e personagens têm duas funções na história: fazer referencia a algum fato social característico do período, ou lançar peças soltas de um quebra-cabeça que será montado apenas no último ato. O problema é que a narrativa entrecortada, pela forma com que é construída, além de quebrar o ritmo do livro, faz com que qualquer leitor com um pouco mais de atenção consiga juntar o quebra-cabeças bem antes do final da história.
Ainda com vários fios soltos, ao se aproximar do desfecho, o autor aparenta se entregar ao afã de dar a cada um deles um enlace satisfatório. O intento de resolver todos os problemas das subtramas enquanto o quebra-cabeças principal é montado tira novamente o foco da narrativa, o que me faz crer que talvez fosse melhor deixar algumas situações secundárias sem conclusão, optando assim por pequenos finais abertos. As soluções encontradas para algumas destas situações chegam a parecer óbvias demais, o que indica que o autor em algum momento se perdera e junto com ele a força original da história, encontrada apenas nas primeiras páginas do livro.
John Grisham tem, inegavelmente, uma grande habilidade para construir personagens interessantes e descrever ambientes físicos e meios sociais (não por acaso, ele recorre a tais artifícios nos momentos mais importantes da obra). Conseguimos visualizar de forma bem nítida as ruas do centro da pequena cidade, o tribunal, as dependências do jornal e o bairro negro onde mora Miss Callie (outra personagem importante da história, que funcionará em determinados momentos como mentora e referência moral para o protagonista). Tal habilidade é o que dá sustento ao livro e torna a leitura interessante, mesmo diante dos problemas de desenvolvimento mencionados acima.
"O Grande Jurado" é, no fim das contas, um bom livro, que merece ser lido pelas reflexões que é capaz de suscitar e pelo entretenimento leve (apesar dos fatos narrados serem pesados) que proporciona. Para leitores iniciantes ou para aqueles que não dedicarem uma atenção maior ao tipo de construção da narrativa, o final talvez até seja surpreendente e acabe funcionando melhor, já os demais precisarão conviver com a incômoda sensação de que é possível abandonar a leitura a qualquer momento, sem grande prejuízo, mesmo naquele que deveria ser o ponto de maior tensão da história.