Cartas de Viagem e Outras Crônicas

Cartas de Viagem e Outras Crônicas Campos de Carvalho




Resenhas - Cartas de Viagem e Outras Crônicas


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Henrique Fendrich 04/09/2019

O silêncio mordaz de Campos de Carvalho
Desde que lançou o romance “O púcaro búlgaro”, em 1964, até a sua morte em 1998, as únicas coisas que Campos de Carvalho publicou foram algumas crônicas no Pasquim em 1972. Foi apenas neste momento que o escritor rompeu o seu voluntário silêncio no mundo literário. Reunidas em 2006, essas crônicas foram publicadas sob o título “Cartas de viagem e outras crônicas” e deixam antever o fantástico cronista que Campos de Carvalho poderia ter sido.

Raras vezes se viu um escritor de humor tão corrosivo como aquele que se revela na primeira parte do livro, composto pelas cartas de sua viagem a Paris e Londres. Lembra aquilo que João Ubaldo Ribeiro fez duas décadas depois ao falar de Berlim, só que ainda mais ácido. Campos de Carvalho emenda uma piada na outra e acaba fazendo da sua crônica um surpreendente stand-up escrito. Divertido, e pouco preocupado com o politicamente correto. Exagerado como um Nelson Rodrigues.

Não foi este o mesmo tom das “outras crônicas”, na segunda parte do livro, que provavelmente estão mais próximas do universo dos seus romances. Nelas até há tiradas sarcásticas, mas a característica mais marcante é a sua reflexão sem esperança da condição humana. Campos de Carvalho também usou esses textos para, diversas vezes, fazer uma espécie de profissão de fé, ou no mínimo insinuar motivações que o levaram a um silêncio sem retorno.

Frases de Campos de Carvalho em suas cartas de viagem:

– O avião ainda é o meio de transporte mais rápido, sobretudo se está caindo.

– O francês é o sujeito que mais lê no mundo, o que prova que a leitura nunca fez bem a ninguém.

– O único defeito de Paris é ter parisienses, mas penso que isso acontece com os habitantes de todas as cidades.

– Em Londres há um jornal chamado The Sun; só sai duas vezes por ano.

– Quando querem se referir à rainha, aqui, falam sempre “A Coroa”, o que me parece um desrespeito.

– É tanto o frio aqui em Londres que a nossa geladeira é o lado de fora da janela, onde deixamos o leite, a manteiga, os ovos e a coalhada – que no dia seguinte vamos apanhar geladíssimos, isso quando conseguimos abrir a janela.

– Dizem que quando chegar o inverno você não avista nem o outro lado da rua, e muita gente já caiu no Tâmisa pensando que estava entrando num filme de Elizabeth Taylor.

– Tenho um amigo que ficou aqui três semanas e só conseguiu ver neblina, neblina, neblina: acabou indo ao oculista pensando que estava com catarata.

– Comprar cigarro em Londres é um drama: você tem que ir à Escócia.

– Dizem que o fog londrino desapareceu de uns tempos para cá, por motivos meteorológicos e outros que ninguém sabe ainda explicar: a verdade verdadeira é que o que desapareceu mesmo foi a fumaça dos cigarros e dos charutos.

– Preciso urgentemente voltar para o Brasil: ainda ontem eu quis dizer vitela e disse vaca moça.

– Continuo sendo atropelado toda semana – sempre pela esquerda, que aqui é a direita: só um canhoto consegue regressar são e salvo ao seu país, e assim mesmo ponho minhas dúvidas.

– O nosso sol é um exagero, reconheço, mas o daqui devia ter até vergonha de ser sol; a lua pelo menos tem cara de lua, você olha e diz “ali está a lua”, é como se fosse uma cidadezinha do interior do Brasil, para ela tanto faz ser Londres ou São Bento do Sapucaí.

– Deve ser horrível você ser casado com uma inglesa (aliás, deve ser horrível você ser casado de qualquer jeito)
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