A filha do coveiro

A filha do coveiro Joyce Carol Oates




Resenhas - A Filha do Coveiro


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Fran Kotipelto 23/02/2012

"Coldplay - Us Against the World"

"- A humanidade tem medo da morte, sabe? Por isso, faz piadas sobre ela. Eles vêem em mim um servo da morte. Em você, a filha desse servo. Mas eles não nos conhecem, Rebecca. Nem a você, nem a mim. Esconda deles a sua fraqueza, e um dia nós nos vingaremos. Dos inimigos que zombam de nós."

Hoje é um dia especial, e todos os dias merecem ser considerados mais do que especiais. Não seria justo que eu ficasse me vangloriando porque tenho uma casa, porque não vivo em situação absurdamente precária durante o caos de uma guerra mundial, ou porque não estou doente. Mas acho que não posso trabalhar a resenha desta obra sem me vangloriar de uma coisa: "Eu tive o privilégio de conhecer a obra da Joyce Carol Oates!", e ao lerem A Filha do Coveiro, vocês vão entender milhares de coisas, entre elas, os motivos que me fazem poder dizer que este, é indubitavelmente um dos melhores livros que já li na vida.

A protagonista Rebecca Schwart é uma jovem que cresceu em meio à discriminação e à violência numa cidadezinha do interior dos Estados Unidos. É filha de Anna e Jacob Schwart, que fugiram da Alemanha em 1936 com seus dois filhos mais velhos para escapar da perseguição nazista.

Porém a condição de refugiados no interior dos Estados Unidos não é muito melhor do que a situação na Europa. Ela e sua família conseguem abrigo num velho chalé no cemitério de Milburn, onde seu pai,um ex-professor de matemática, é obrigado a aceitar um emprego de coveiro no cemitério local, e o exíguo salário que recebe mal dá para sustentar a família. Assim, a família Schwart vai vivendo em meio a privações e ao preconceito, Jacob e sua esposa mergulham cada vez mais fundo na loucura,e carregam com eles o resto da família.O desfecho não poderá ser outro além do desastre.

Rebecca cresce,escapa da tragédia familiar e, mudando-se de cidade, tenta recomeçar uma nova história,mas infelizmente carrega cicatrizes de uma vida permeada por muita humilhação, discriminação e maus tratos, inclusive familiar. Casa-se, tem um filho que ama acima de tudo, mas a violência familiar volta a encontrá-la, e só fugindo novamente, e vivendo sob um nome falso, poderá reencontrar a felicidade e a chance de garantir ao filho o que ela não teve.

Joyce Carol Oates, tem uma grande característica como escritora, ela é bastante realista, por vezes chega a ser cruel ao narrar os acontecimentos do livro, e acredito que isso é um de seus grandes feitos. À medida em que vamos avançando na leitura, ficamos estupefatos e envoltos numa teia magistralmente bem elaborada, da qual não se quer sair. Perdi a conta de quantas vezes me peguei rindo e chorando ao mesmo tempo, enquanto acompanhava a vida dessa incrível personagem chamada Rebecca Schwart e aprendi que viver é uma luta constante, e quando amamos... aí somos imbatíveis!

Alan Ventura 23/02/2012minha estante
Será que algum dia você fará uma resenha que eu votarei "não gostei"? Fiquei com muita vontade de ler esse livro desde que vi seu primeiro histórico de leitura sobre ele. Embora as frases sejam da sua crônica "O Rio, A Cidade e o Livro de Cinzas", mas enfim, é difícil não comentar sobre as coisas que você escreve, sem que os elogios sejam diversos. Meus parabéns.


Jow 25/02/2012minha estante
Eis que surge mais uma autora pra se conferir! E depois de uma resenha dessas, torna-se impossível não querer conhecer essa obra.
Como sempre, magistral Fran.


Sunshine 06/03/2012minha estante
Ótima sua resenha!!Fiquei curiosíssima para conhecer essa obra, mais um livro para minha meta deste ano. Parabéns Fran!


Amanda Azevedo 10/03/2012minha estante
Impossível ler o que você escreveu sobre esse livro e não desejar lê-lo.
Ótima resenha!


Vanda 24/05/2013minha estante
Parece ser muito bom. Quero ler!


Ricardo Rocha 26/08/2014minha estante
Suas resenhas não raro acabam merecendo mais elogios que os próprios livros. Não achei A filha do coveiro isso tudo mas como disse a moça aí embaixo Impossível ler o que você escreveu sobre esse livro e não desejar lê-lo. Agora, a Mulher do viajante do tempo a princípio parece condizer com teu texto (lá).




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anoca 18/01/2022minha estante
excelente resenha, maria, foi um prazer ler este livro contigo!


Maria 18/01/2022minha estante
Digo o mesmo, Anoca. E espero que seja o primeiro de muitos hoho Aguardarei a sua resenha


anoca 18/01/2022minha estante
sem dúvidas foi apenas o primeiro! ?


Débora 18/01/2022minha estante
Uau, que resenha, Maria!?


Maria 18/01/2022minha estante
Obrigada, Débora! JCO é maravilhosa!




jota 10/08/2021

MUITO BOM: uma história longa e viciante; por suas qualidades pode acabar se tornando um moderno clássico americano
Lido entre 02 e 09/08/2021. Avaliação da leitura: 4,8/5,0

A Filha do Coveiro é verdadeiramente, como diz a sinopse, um romance épico, uma saga familiar que se inicia por volta de 1936 e vem até os anos finais do século XX. Conta a história de Rebecca Schwart e seus familiares: pai, mãe e dois irmãos um pouco mais velhos do que ela. A garota nasceu num navio no porto de Nova York quando a família Schwart chegava nos Estados Unidos fugindo da perseguição nazista: eles eram judeus alemães. Essa história se transforma numa saga porque são quase seiscentas páginas a ler e que, em sua maioria, trazem cenas dramáticas, violentas, algumas até mesmo cheias de horror.

A vida decente que a família esperava encontrar no novo país não se verifica; para sobreviver o pai, que era professor de matemática na Alemanha, vê-se obrigado a aceitar um emprego de baixo salário e consequentes privações: torna-se coveiro numa pequena cidade interiorana, preconceituosa e violenta. Essa situação transforma os Schwart em pessoas extremamente infelizes, vistas como párias pelos demais, o que aos poucos acaba conduzindo o pai à loucura. A família toda parece fadada ao desastre. O que vai lembrar aquela conhecida frase do Tolstoi, de Anna Kariênina, de que as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira, que cai como uma luva nessa história. É sofrimento que não tem fim, que parece insuperável.

Rebecca escapa do desastre familiar, muda de cidade e tenta recomeçar a vida. Casa-se precipitadamente com um homem mais velho e um tanto misterioso, por quem se apaixona perdidamente. Com ele tem um filho, Niley, mas depois o marido se revela tão violento quanto o pai dela, talvez pior. Foge novamente e adota um nome falso (Hazel Jones) para si e para Niley (Zach Jones) e tenta reconstruir sua vida bem distante dali. Desse modo, a leitura se torna viciante: depois de tantos acontecimentos dramáticos queremos saber que destino terá a jovem em sua busca pela felicidade. Oates consegue manter a atenção do leitor o tempo todo com sua escrita habilidosa, clara, bastante fácil de acompanhar. Obra foi merecedora de elogios de autores tão diferentes como Michael Connelly, de O Poder e a Lei (não li) e Michael Dirda, do ótimo O Prazer de Ler os Clássicos.

Connelly escreveu que “Com A Filha do Coveiro, Joyce Carol Oates nos deu sua obra-prima, um testamento absolutamente arrebatador sobre a capacidade de superação do espírito humano.” A história arrebata o leitor desde o início; é, como eu escrevi acima, uma narrativa viciante, que só interrompemos por necessidade mesmo. Dirda registrou que "Oates não é apenas uma escritora realista; ela é também uma artista do sublime, capaz de reunir tanto o assombro quanto a grandiosidade." Tem razão: tudo o que acontece à moça, os suplícios, os momentos de medo e terror por que ela passa, assim como o filho, são perfeitamente críveis; seu marido, no caso, se torna um demônio sob certas circunstâncias, como ocorreu com o pai dela. E esses fatos nos assombram pela dimensão grandiosa que adquirem.

Já que citei Tolstoi antes, o livro de Joyce Carol Oates, autora que leio pela primeira vez, não se encontra no mesmo nível das obras que o russo genial escreveu, claro. Embora me pareça que dentro de algum tempo será considerado um moderno clássico americano, se já não o é em seu pais. E talvez, ainda antes do final do século, ele adquira o mesmo lastro que Anna Kariênina adquiriu com o passar do tempo. São conjecturas, posso muito bem estar enganado, não sei... Por ora, sei que apreciei bastante esse calhamaço, sem dúvida.
Aécio de Paula 10/08/2021minha estante
Suas resenhas são muito boas, parabéns.


jota 10/08/2021minha estante
Obrigado. Bondade sua, Aécio. É que o livro é muito bom, daí que eu não teria muita margem para errar na avaliação.


Daniel Assunção 21/08/2021minha estante
Vou ler essa resenha com gosto porque em se tratando de Joyce Carol Oates é raro ver uma rs


jota 21/08/2021minha estante
Daniel: primeira vez que leio JCO e fiquei impressionado com a força criativa dela. Espero ler outros mais à frente.




Giuliana Sperandio 04/06/2013

É INCRÍVEL COMO UM LIVRO PODE MOSTRAR AO MESMO TEMPO O DOM DA SUPERAÇÃO, A DOR E A DEGRADAÇÃO DOS SERES HUMANOS DEPOIS DE ACONTECIMENTOS TRISTES E OBSCUROS, EU ADOREI O LIVRO A CADA PÁGINA A PERSONAGEM PRINCIPAL ME SURPREENDIA COM UMA PERSONALIDADE FORTE E AO MESMO TEMPO FRÁGIL AO SEU PASSADO, É COM CERTEZA UM LIVRO QUE NOS LIGA A PERSONAGEM, AO AMOR DELA PELO FILHO, A LUTA POR MUDAR TOTALMENTE UMA VIDA TRISTE E SE TRANSFORMAR EM ALGO TÃO FORTE A PONTO DE TRANSPOR O ESTIGMA DE FILHA DO COVEIRO.... RECOMENDO A TODOS!!!
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Paula 01/12/2014

O romance narra a história de Rebecca Esther Schwart, filha de imigrantes que chegaram aos Estados Unidos durante a Segunda Guerra fugindo do nazismo. A família de Rebecca, composta pelo pai, Jacob Schwart, pela mãe Anna Schwart e seus dois filhos, chegou de navio no porto de Nova York. Na chegada ao porto Rebecca nasce ainda no navio, após horas de parto muito sofridas para sua mãe. É nos Estados Unidos que a família busca recomeçar a vida e pouco se sabe sobre o que aconteceu antes da viagem em sua cidade natal, mas fica claro, desde o início, pelo comportamento abalado da mãe e do pai, que eles passaram por situações bem traumáticas.
Sem dinheiro algum e com o estigma de ser "judeu", Jacob Schwart encontra emprego como coveiro no cemitério da cidade, e passa a viver com sua família no chalé dentro do cemitério. A pequena casa, em péssimas condições, representa a precariedade da vida daquela família, totalmente destruída e transformada pelos horrores da guerra. O preconceito marca cada um deles desde sua chegada aos Estados Unidos, onde tentam recomeçar e buscam ser esquecidos pelos demais, como se a invisibilidade pudesse dar a eles alguma segurança. A mãe de Rebecca está deprimida e ausente; os dois filhos ajudam o pai nos afazeres do cemitério e Rebecca é o tempo todo desprezada pelo pai, por ser menina. As questões de gênero são muito fortes nessa história e a violência contra a mulher está presente em toda a narrativa, aliás, é um tema recorrente na obra de Joyce Carol Oates.
A narrativa não é linear e mescla presente e passado para, aos poucos, ir revelando a complexidade das personagens. Começamos conhecendo Rebecca, uma jovem que trabalha em uma fábrica nos Estados Unidos, próxima ao vilarejo onde mora com o filho e é casada com um homem que está sempre viajando "a trabalho". Ganhando muito pouco pelas horas de trabalho na fábrica, onde sofre assédio dos colegas por ser mulher, Rebecca está constantemente apavorada e em estado de alerta, com medo de que algo ruim possa lhe acontecer. É o medo compartilhado pelas mulheres ao voltar para casa sozinhas; é o medo de que o marido a culpe pelo acontecido, porque ainda vivemos em uma sociedade que culpa a vítima pela violência sofrida.
A primeira parte do livro mostra exatamente como Rebecca se sente, e podemos acompanhar o que ela pensa nesse trajeto diário da fábrica para a sua casa, compartilhando sua angústia e o medo que sente. Só mais adiante o leitor compreende o porquê desse medo, e assim ficamos presos na narrativa de Joyce, que nos aproxima imensamente da vida das suas personagens.
Em seguida, voltamos um pouco ao passado para compreender a história trágica da família de Rebecca, com os traumas da guerra e a vida sofrida que levaram nos Estados Unidos. A violência da guerra e o que ela faz com os homens fica bem representada em Jacob e Anna, que nunca mais conseguem ser o que foram um dia. As marcas do sofrimento serão para sempre visíveis nos dois que, mesmo nos Estados Unidos, convivem com o medo de serem descobertos ali. O preconceito dos estadunidenses que desprezam essa família sem ao menos tomar conhecimento dos seus sofrimentos deixa marcas profundas nas personagens. Sofrimento que se transforma em agressividade e loucura, que destrói as relações familiares dos Schwart. Rebecca, sempre desprezada por ser mulher, é a que mais se parece com o pai na inteligência e na esperteza. Mas o destino das mulheres era o casamento, e não os estudos, e assim Rebecca vê seu desejo de continuar progredindo da escolha frustrado. Os outros dois filhos varões de Jacob não são muito inteligentes, são incentivados pelo pai a abandonar a escola e a se dedicar unicamente ao trabalho. Por conta disso, são constantemente rejeitados e humilhados pelo pai, que desconta nos filhos e na mulher a raiva que sente pelo que passou, pela frustração de ter um trabalho muito diferente do trabalho intelectual que desempenhava em sua cidade natal. A frustração pela impotência diante do mal vivenciado na guerra acaba por se transformar em violência e agressividade e culminará com o abandono da vida.
Depois de um trágico incidente, a órfã Rebecca segue vivendo sozinha, contando com a ajuda de colegas, mas ela carrega a história dessa família consigo, o que inevitavelmente afetará muito sua vida. Rebecca começa a trabalhar como camareira em um hotel, onde conhecerá seu marido, Tignor. A possibilidade de trabalho para as mulheres ao longo da história é sempre restrita a cargos subalternos, marcados pela invisibilidade e muito sujeitos a todo tipo de violências, desde o desrespeito básico aos direitos das trabalhadoras à violência física a que estão constantemente submetidas por serem mulheres. A violência contra a mulher está presente no ambiente de trabalho como se fosse inerente à função, e também aparece com muita força no ambiente doméstico. As mulheres acumulam duas jornadas de trabalho, contribuem com uma parte substancial do orçamento doméstico, o que reflete uma realidade não muito distante da atual.
A violência é um elemento importante na narrativa de Joyce, que constrói personagens que nos fazem questionar pontos importantes referentes ao gênero: a violência doméstica, a violência no ambiente de trabalho, a desigualdade na remuneração entre homens e mulheres pelo mesmo trabalho e, o que considero mais importante, a possibilidade dessas mulheres resistirem à violência que enfrentam e de recomeçar. Joyce dá voz àqueles que não conseguem falar para expressar sua dor e seu sofrimento.
O livro é dividido em três partes: o prólogo nos apresenta a Rebecca operária e já casada; a primeira parte nos apresenta a história da família de Rebecca e tudo o que aconteceu com eles desde sua chegada de navio aos Estados Unidos, assim como o relacionamento de Rebecca com seu marido, marcado por cenas fortes de violência. A terceira parte do livro, que é sim uma narrativa de fôlego (são 600 páginas), conta a vida de Rebecca e do filho e sua tentativa de recomeço fugindo das agressões do marido.
A filha do coveiro é um livro que envolve o leitor e que aborda todas essas questões mencionadas a partir da perspectiva feminina e, por isso, proporciona uma reflexão interessante que merece ser lida. Recomendo.

OATES, Joyce Carol. A filha do coveiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 600 páginas.

site: http://www.pipanaosabevoar.blogspot.com.br/2014/11/a-filha-do-coveiro.html
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Lima Neto 18/03/2009

o livro é, na minha opinião, razoável. achei que o autor se perdeu em determinadas passagens, mesclando momentos intensos, dramáticos, com outros muito enfadonhos e cansativos.
a história em si é interessantes, repleta de dramas e reviravoltas, mas o roteiro, se tivesse sido melhor explorado, por assim dizer, propiciaria uma leitura muito mais agradável e interessante.
Ricardo Rocha 16/03/2011minha estante
acho que vou ler. até hj não tive vontade mas quando vejo esse tipo de frase reclando dos momentos "enfadonhos" aí acho que vem algo bacana - pq hj enfadonho tá se tornando sinônimo de bonito, inteligente, sutil e as vezes genial (Proust)




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Pipoco 14/02/2017

Excepcional
Este livro foi meu primeiro contato com Joyce Carol Oates, depois da indicação de um amigo.
É um daqueles calhamaços que você tem vontade de devorar, com conteúdo rico e narrativa fluida.
Triste, apresentou uma das passagens mais bem escritas e tocantes em uma cena na qual a autora narra um caso de violência doméstica.
A forma como conduz o texto, que não é necessariamente linear, mas segue uma lógica fácil de acompanhar, ganhou minha simpatia.
Ao fim, no epílogo, documentos que inspiraram a escrita revelam outra característica da autora, até então desconhecida por mim: o embasamento em histórias reais para a escrita de suas ficções. Gostei muito! Vai ficar na minha memória!
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GilbertoOrtegaJr 30/12/2019

A filha do coveiro – Joyce Carol Oates
Há muitos motivos para alguém mudar de identidade, seja para se salvar, seja para se esconder ou apenas negar um passado do qual não consegue conviver em perfeita harmonia. O problema da mudança de identidade é que se há inúmeros motivos para se mudar uma identidade também há muitas consequências que nem sempre são previsíveis ou fáceis de lidar, ao mesmo tempo em que para alguns esta mudança pode ser uma salvação para outros podem ser um claro começo de uma degradação.

Em A filha do coveiro no ano de 1936 o casal Jacob e Anna Schwart, juntamente com seus dois filhos, desembarcam nos Estados Unidos, após fugirem da Alemanha nazista. Para reordenar as suas vidas a família, e principalmente Jacob, precisa esquecer quem são, abandonando suas antigas identidades e construindo novas para se adaptarem e sobreviver. Justamente por isso eles adotam o sobrenome Schwart, e Jacob aceita trabalhar de coveiro municipal em uma pequena cidade no interior do estado de Nova York em troca de um pequeno salário e uma casa completamente deteriorada, algo ultrajante para alguém que como ele era professor, e revisor de artigos científicos em seu país de origem.

Os Schwart passam a ser marginalizados e discriminados, pois além de serem a família do coveiro, paira sobre eles a suspeita de serem judeus. Isso é o que começa a gerar a derrocada desta família, Jacob passa a desenvolver um comportamento agressivo e sempre desconfiado, sua mulher Anna se fecha em um silêncio e apatia por não conseguir dominar a nova língua, e ambos os filhos homens acabam por, em diferentes épocas, abandonarem a escola e também da casa, por não conseguirem mais conviver com o pai e sua constante violência. Porém quem mais sofre com tudo isso é a caçula Rebecca, nascida dentro do navio em um porto nos Estados Unidos, a menina é vista pelo pai como um deles (os americanos, que tanto degradaram a sua vida e o perseguem) e consequentemente é constantemente repelida pelo pai, e alvo de pouquíssimas atenções por parte da mãe. E esta situação vai ficando mais tensa e degradante até que uma tragédia acontece com está família e a única que restará será Rebecca.

Após esta tragédia Rebeca vive um tempo sob a tutela de uma professora e após algum tempo passa a se envolver com Niles Tignor, com quem se casa e tem um filho. Rebecca então passa a ser Rebecca Tignor ou como se orgulha de ser chamada Sra. Niles Tignor, junto com o nome novo ela acredita vir também uma nova vida, deixando para trás o rastro de violência, abandono e discriminação que constituíram sua infância. Entretanto logo ela passa a conhecer melhor o marido e descobre que não está tão a salvo a sim da violência, apesar deste novo recomeço.

Ao longo de toda a trama, ou mais especificamente ao longo de 599 páginas, Rebecca mudará de nome quatro vezes, em ordem cronológica; Rebecca Schwart, Rebecca Tignor (ou Sra. Niles Tignor), Hazel Jones e por fim Hazel Gallagher. Em cada um destes nomes marca mudanças temporais, e sobretudo tentativas de mudar de vida, Rebecca precisa assim se reinventar ao mesmo tempo em que tenta conciliar suas novas identidades a um passado que ela tenta esquecer. As mudanças de nomes são um fator decisivo ao assumir uma nova identidade, pois o nome é sobretudo uma forma pela qual as pessoas nos (re) conhecem, e qual é a principal validação de nossa identidade se não o reconhecimento por meio do olhar do outro? E é justamente isso que Rebecca busca, ser esquecida como a filha do coveiro, e ser reconhecida como uma outra mulher; forte, autônoma e em paz consigo mesma.

Outro aspecto importante que perpassa o livro todo é a violência, sobretudo a violência contra a mulher, que aqui nos é apresentado de várias formas; rejeição, abandono, violência física, privação que as mulheres sofrerem durante muitos anos ao poderem ter acesso apenas a serviços inferiores e mal remunerados, é toda esta violência que move Rebecca e a faz estar constantemente em fuga e crescimento para que consiga sobreviver.

A escrita de Oates é vigorosa e equilibrada, e a autora soube dosar bem momentos descritivos com ações para que não fique um livro exaustivamente descritivo. Outro traço importante no estilo da escritora é que apesar de não existir especificamente uma literatura feminina Oates consegue com maestria explorar o tema da violência contra a mulher em muitas nuances em sua narrativa, sem com isso criar uma trama sentimental ou triste demais.

A filha do coveiro é um livro poderoso que de forma não linear narra a estória de uma mulher que está tentando quebrar um grande ciclo de violência, e de o quanto isso nunca é tão fácil quanto se possa imaginar, porém também não é impossível. Naquilo em que foi a ruína de sua família a protagonista consegue triunfar, criar uma nova identidade para sim e romper com um passado cruel. Em muitos aspectos Rebecca lembra uma flor ao relento, que mesmo não cuidada, regada e protegida insiste em crescer em amadurecer buscando seu lugar ao sol, apesar de todas as adversidades.

site: https://lerateaexaustao.wordpress.com/2019/12/30/a-filha-do-coveiro-joyce-carol-oates/
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Sther 12/04/2024

" -há sempre uma saída. Se a gente conseguir fazer -se pequena o bastante ,feito um verme ."

A filha do coveiro é uma história de um ciclo violento que pesa a mão sobre o que toca e o invisível.é a tentativa de seguir em frente . A gente anseia por um futuro próspero a personagem com angústia que o pior vai acontecer a todo momento. É o velho conto do príncipe que virou sapo( que na verdade sempre foi malandro e usa a capa externa de benfeitor) . As últimas 16 páginas desse livro são uma benção.quero ler tudo da Joyce Carol Oates .


" -Porque na vida não há música, não se tem nenhuma pista. A maioria das coisas acontece em silêncio. A pessoa vive olhando pra frente e só se lembra do que ficou pra trás. Nada é revivido ,apenas lembrado ,e ,mesmo assim , de forma incompleta. E a vida não é simples como as histórias dos filmes ,há coisas demais para recordar ."
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