Vic 24/03/2024Último suspiro romanesco de Sylvia PlathCom um fundo autobiográfico e escrito em 1963, um pouco antes de dar fim a sua própria vida, "A Redoma de Vidro" foi o último (e único) suspiro romanesco de Sylvia Plath, brilhante poeta norte-americana que morreu asfixiada por gás de cozinha.
No romance, conhecemos Esther Greenwood, uma jovem prodígio que parte de sua bolha em Boston para trabalhar na descomunal e impetuosa Nova York, em uma importante revista de moda. Contudo, no decorrer da obra acompanhamos o futuro promissor da protagonista tragicamente agonizar e perecer.
"Me vi sentada embaixo da árvore, morrendo de fome, simplesmente porque não conseguia decidir com qual figo eu ficaria. Eu queria todos eles, mas escolher um significava perder todo o resto, e enquanto eu ficava ali sentada, incapaz de tomar uma decisão, os figos começaram a encolher e ficar pretos e, um por um, desabaram no chão aos meus pés." p. 88-89
Com uma melancolia inconfundível, Plath mantém uma narrativa fluída e repleta de poeticidade, que traz a tona os conflitos internos comuns às mulheres da metade do século XX, da geração que precedeu a revolução sexual. Assim, a autora questiona de forma contundente o papel das mulheres na sociedade, o moralismo que regia a sexualidade feminina e as relações paradigmáticas entre manter uma carreira ou nutrir a formação de uma família.
"Fiquei me perguntando por que eu não conseguia mais cumprir as minhas obrigações até o fim. Isso me deixou triste e cansada. Então me perguntei por que também não conseguia deixar de cumprir minhas obrigações até o fim, do jeito que Doreen fazia, e isso me deixou mais triste e cansada ainda." p. 37
Em meio às agonias do amadurecimento feminino em um mundo objetificante, vemos uma Esther despreparada e sem propósito, sendo cada vez mais asfixiada pelas responsabilidades que se multiplicaram. Por mais que a protagonista tivesse tudo em mãos, sua formação enquanto sujeito falha em sustentá-la durante tais tormentas psíquicas: uma fórmula eficaz para minar o potencial de qualquer jovem fora da curva.
"Não teria feito a mínima diferença se ela tivesse me dado uma passagem para a Europa ou um cruzeiro ao redor do mundo, porque onde quer que eu estivesse ? fosse um convés de um navio, um café parisiense ou Bangcoc ? estaria sempre sob a mesma redoma de vidro, sendo lentamente cozida em meu próprio ar viciado"
"Para a pessoa dentro da redoma de vidro, vazia e imóvel como um bebê morto, o mundo inteiro é um sonho ruim." (p. 266)
De forma poeticamente visceral, Sylvia Plath escancara o sofrimento e a angústia gerados pela depressão, um mal que até então ainda era tratado com terapia de eletrochoque e isolamento do sujeito em hospitais psiquiátricos deprimentes, o que geralmente minava o desenvolvimento e a recuperação dos pacientes.
Por mais que o transtorno se apresente de forma pungente da metade para o final da obra, a depressão se mantém presente em todos os momentos da narrativa. Ela transpassa o romance como um todo, a ponto de se estabelecer como um personagem da obra, constantemente onipresente no discurso de Esther, tangível, corpóreo, letal.