spoiler visualizarPriscila Bennati Santana 26/03/2015
Ramos de uma figueira!
Lembro de uma tarde, quando era bem nova, provavelmente tinha uns 10 anos, em que li pela primeira vez sobre Sylvia Plath. Era uma nota de revista, creio que uma crítica de um livro sobre ela. E neste artigo, eles contavam um pouco sobre sua história, principalmente sobre sua morte. Sylvia cometeu suicídio aos 30 anos. Estava em casa com seus dois filhos. Deixou leite e pão para quando eles acordassem, abriu a janela e vedou o quarto das crianças com toalhas molhadas e roupas. Tomou, então, uma grande quantidade de narcóticos e colocou a cabeça dentro do forno, com o gás ligado. Esta história ficou tão marcada, que mesmo com o passar dos anos não saiu das minhas lembranças. E a curiosidade por sua obra só aumentou com o passar do tempo. Seu romance, inspirado nos eventos de seus anos de faculdade, A Redoma de Vidro, passou a fazer dos livros que coloquei como obrigatórios. Por coincidência, lendo o primeiro capítulo de A Redoma de Vidro, vejo uma sensação semelhante à que tive ao ler sobre Sylvia:
“Foi um verão estranho, quente e úmido, quando os Rosenbergs foram eletrocutados, e eu não sabia o que estava fazendo em Nova Iorque. Eu sou uma estúpida em relação a execuções. A ideia de ser eletrocutado me deixava aflita, e era tudo o que se tinha para ler nos jornais – manchetes que chocavam, me encarando em cada esquina e em cada entrada das estações de metrô, bolorentas e invadidas pelo cheiro de amendoim. Não tinha nada a ver comigo, mas eu não podia evitar de me perguntar como seria ser queimado vivo por toda a extensão de seus nervos.”
A profundidade desta obra de Sylvia é imensa. Somente uma pessoa que passou por tudo isso poderia descrever os pensamentos de uma pessoa depressiva desta maneira, passar toda esta angústia, que, sim, acaba chegando até o leitor. Como a sombra descrita em um dos trecho do livro.
“Eu senti ser engolida pelas sombras como a parte negativa de uma pessoa que nunca vi antes em minha vida.”
O livro foi escrito foi escrito em 1963. Mas, com certeza, nunca ficará datado, pela natureza atemporal dos sentimentos que aborda. E, principalmente, no momento em que vivemos, com esta obrigatoriedade de ser feliz, ou pelo menos aparentar ser, a história de Esther não poderia ser mais atual. Afinal, ela estava vivendo o sonho de todas as garotas, quando foi pega no meio de um turbilhão de sentimentos e dúvidas incontroláveis.
A história começa quando Esther Greenwood, uma jovem estudante pobre, que vivia em uma pequena, ganha uma bolsa de estudos para a faculdade e vários prêmios. Um destes prêmios é de uma revista de moda: um mês de estágio em Nova Iorque, com todas as despesas pagas, além de vários bônus e conselhos profissionais de pessoas famosas em sua área de interesse.
“Era para eu estar aproveitando aquela experiência ao máximo. Era para eu ser a inveja de milhares de outras universitárias como eu, ao redor da América, que não queriam nada mais que viajar nesses mesmos sapatos de couro envernizado, tamanho trinta e cinco, que comprei na Bloomingdale"s no horário de almoço, com um cinto de couro envernizado preto e uma bolsinha de couro envernizado preta para combinar. E quando minha foto saiu numa revista em que as doze de nós estavam trabalhando – bebendo martinis em minúsculas imitações de corpetes prateados presos numa grande, gorda nuvem de tule branco, em algum Starlight Roof, na companhia de jovens anônimos com as melhores estruturas ósseas contratados ou emprestados para a ocasião – todos deviam estar achando que eu estava num verdadeiro turbilhão.”
Mas, ao invés de se sentir nas nuvens, como todas as outras garotas, Esther se vê rodeada por sentimentos negativos e começa a desenvolver uma forte depressão.
“Eu sabia que havia algo errado comigo naquele verão, porque tudo o que eu podia pensar era sobre os Rosenbergs e como estúpida eu fui em ter comprado todas aquelas desconfortáveis roupas caras, penduradas frouxas como peixes em meu closet, e como todos os pequenos sucessos que eu acumulei tão alegremente na faculdade se degradavam, reduzidos à nada ante o mármore sofisticado e as fachadas de vidro laminado ao longo da Avenida Madison.”
Na maioria das resenhas que li sobre A Redoma de Vidro, as pessoas se referem à sua leitura como um soco na boca do estômago. E não acredito que poderia ter uma descrição mais acurada que essa. Porque Sylvia nos faz vivenciar uma dor e uma agonia intensas, como acontecesse em nossa própria pele.
“Eu vi minha vida estendendo seus galhos em minha frente como a figueira verde da história. Da ponta de cada ramo, como um figo roxo e grande, um maravilhoso futuro acenava e piscava. Um figo era um marido e um lar feliz e filhos, e outro figo era uma famosa poetisa e outro figo era uma brilhante professora, e outro figo era E Gê, a editora incrível, e outro figo era Europa e África e América do Sul, e outro figo era Constantin e Socrates e Attila e um pacote de outros amores com nomes esquisitos e profissões incomuns, e outro figo era a campeã da equipe olímpica, e além e acima desses figos haviam muitos outros figos que eu não podia distinguir bem. Eu me vi sentada na bifurcação dos galhos desta figueira, morrendo de fome, só porque eu não conseguia me decidir de qual figo escolher. Eu queria cada um deles, mas escolher um significaria perder todo o resto, e, enquanto eu estava sentada ali, incapaz de me decidir, os figos começaram a se enrugar e ficarem pretos, e, um por um, eles caíram ao chão, aos meus pés.”
Apesar de ser tão denso e até mesmo incômodo, ao chegar na última página, minha vontade era começa-lo de novo! Não tenho muito mais a dizer, a não ser: Leia!
P.S.: Ansiosa para começar A Mulher Calada, de Janet Malcolm. Vejam só a descrição:
“A Mulher Calada - Uma das poetas mais originais do século XX, Sylvia Plath se suicidou no inverno de 1963, poucos meses depois de se separar do marido, o também poeta Ted Hughes. Esse gesto último selou, em torno de sua vida e sua obra, um campo de forças tão poderoso que ainda hoje continua a opor não só os vivos aos mortos, como todos os que sobreviveram à tragédia. Neste livro, Janet Malcolm se debruça sobre todas as biografias já escritas sobre Sylvia Plath, além de adentrar um intrincado mundo de cartas, arquivos e delicadas situações familiares. Dotada de elegância e senso narrativo excepcionais, Malcolm mescla psicanálise, poesia, biografia e reportagem, num ensaio de amplitude e profundidade surpreendentes, capaz de envolver o leitor com o magnetismo de uma trama policial.”
Comecei a ler o prefácio do livro e sem palavras para minha frustração com Ted Hughes, ex-marido de Sylvia, que destruiu o último diário dela, que continha anotações até três dias antes de sua morte!
site: http://literalmentevivendo.com/a-redoma-de-vidro-sylvia-plath/