Lucas1429 07/12/2021
Quem matou Sylvia Plath?
O começo despretensioso de “A Redoma de Vidro” não isenta sua protagonista, Esther Greenwood, do retumbante desenvolvimento de uma guerra à si própria. Ela não é imune acerca do vazio humano, apenas mascarando em sua rápida estada em Nova York, em pleno torpor social de juventude, o palco que será importante para o start de sua análise sutil - à desgovernada - da desilusão social. Pintado ao que considero em duas partes importantes do (único) romance de Plath, sua “autobiografia” é quase exposta romanceada e desesperada/inspirada. Conhecida pela luta da manutenção de sua saúde mental, a autora exime seu pensamento de auto complacência na sinceridade ampla da vida como ela é, angustiante e translúcida.
Quando escreveu sua obra prima, Sylvia adentrava os anos 60, década que viria na mão da proposta de modernidade ao pé da letra. Mas se no colo artístico se batalhava por mudanças coletivas, na saúde prezava a lei da ciência negligente do campo psiquiátrico. Em seu segundo ato, o da derrocada comportamental da protagonista, talvez o carro chefe do mito que se tornou o livro, Esther alterna em clínicas diversas e em sua maioria particulares; nelas, médicos adeptos de medidas desumanizadas e optativas íntimas, de posturas moralizadas e desafortunadas desafiavam os seus papéis em saúde costurados às integrais formações elitizadas e despreparadas, postergando em tratamentos irresponsáveis os sofrimentos intratáveis. O campo mental ainda explorava reminiscências de um passado provedor e potente, passível de menção a Jung que proclamou a individuação, processo psicológico que permite o reconhecimento do eu em voga. A isso, Esther foi negada de se permitir, de existir. Em 2011, James Kaufman cunhou o termo “Efeito Sylvia Plath”, para definir escritores que descendiam de doenças mentais na toada de suas genialidades criativas. Não houve suporte suficiente que ajudasse SP e nem à maioria dos objetos.
Plath talvez não tivesse propriedade acerca da psicologia e ideologias, mas transpôs num formato raiz sua identificada problemática (há trechos de suposta intolerância racial, fruto de um EUA de apartheid e privilégios) quanto a desequilibrada condição clínica - depressiva. No mais, sabia também a engrenagem do sistema político vivido, o de produzir para garantir sua presença frente mundo capital; adoece-se, adoeceu. Além, o papel da mulher, era uma feminista nata. Em maioria esmagadora das passagens envereda pela posição de seu gênero no destino imposto a casamentos, filhos, domesticidade. Carreira é um substantivo [feminino] preferido por Esther, entre suas iguais é o que deveria prevalecer, e não o contrário destinado.
Portanto, para a autora que sempre teceu sinceridade e potência em seus escritos, extinguida em vida cedo com seu suicídio, foi descrita por um colega poeta como responsável pela temática da “desintegração da vida” em sua bibliografia; é dela que firma a imortalidade de sua obra. Sylvia, assim como Esther, em últimas linhas, permite aos seus leitores a alusão de almas fadadas ao cíclico processo existencial do preço pago à passagem à maturidade, de brutal e autêntico anseio pela morte, de identificação notória - apesar da veiculação de um hipotético mundo saudável, cuidem-se. Ambas, cria e criadora (na verdade, uma só), se compadecem de almas solitárias e corações latentes.