@apilhadathay 14/11/2011
Resenha - Casa de Pensão
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Desconfia de todo aquele que se arreceia da verdade. (P. 11)
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Amâncio é um jovem dissimulado, com traços de complexo de Édipo, que sai do Maranhão para o Rio de Janeiro, na intenção de estudar Medicina. Tem no espírito as marcas da injustiça do mundo e um irreversível talento para se apaixonar por mulheres casadas. Aos 21 anos, acaba de deixar a casa com a figura amorosa de sua mãe e o regulador velho Vasconcelos, e passa a viver em outro núcleo familiar, cuja base são as relações financeiras, de interesse, sem vínculo afetivo. Hospeda-se na casa do senhor Campos, um funcionário público bem posicionado na vida e que muito deve à família de Amâncio.
Mesmo que a esposa de Campos, dona Hortênsia, não tenha concordado com a hospedagem, por não confiar em estudantes, ela acaba aceitando. No meio do caminho, porém, ele se muda para a Casa de Pensão de Madame Brizard, e lá vemos uma variedade de moradores que mostra o centro da história - acrescenta ao cenário as teias da promiscuidade, desvios comportamentais, vícios, e toda sorte de jogos de interesses... Você também vai espiar pela janela do quarto vizinho?
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Resenhar um clássico é um desafio e tanto. Vamos lá!
Casa de Pensão, do mestre Aluísio Azevedo, não foi lançado como livro, a princípio. Ele foi publicado como folhetim, sendo muito bem recebido pelo público brasileiro, nos idos de 1883, e baseou-se em um caso real e polêmico da época, que teve um fim trágico. A proposta do autor é fazer uma análise sobre a convivência nas casas de pensão - no livro, com foco no Rio - considerada por ele um aspecto típico, porém infeliz da nossa sociedade. Depois da leitura, percebo como é verdade.
O livro carrega a alma do Movimento Naturalista, bem ao estilo Azevedo, mestre da descrição viva. Dentre os autores brasileiros que li, ele é o melhor no quesito “Dar vida à imaginação pelos detalhes”. Mas não cai no retrato chato e cansativo; sim, a linguagem do século XIX é complicada, e muitos termos caíram em desuso porque a língua evolui continuamente, mas as descrições que Azevedo constrói, tanto neste livro como em O Cortiço, são de um caráter dinâmico, vivo, cheio de cores, aromas e sabores; você pode visualizar em cores uma cena escrita em tinta preta, com uma riqueza de detalhes impressionante.
A principal marca do livro em relação à sua escola ou estilo de época são: o cientificismo e o determinismo. Os avanços tecnológicos que tomaram conta do cenário no século XIX são uma marca registrada do Campos, que compra qualquer novo aparelho no mercado, sendo uma espécie de consumidor beta. Ele é um bom personagem, que eu gostaria de tê-lo visto mais em foco.
O próprio Amâncio acaba por ser uma figura complexa: produto de todos os conflitos psicológicos a que foi submetido desde a infância, tendo crescido com uma visão tão negativa do mundo, acabou por tomar decisões que, só em sua visão, eram corretas. As paixões e amores têm diferentes visões abordadas no livro, mas aquelas movidas por interesse se destacam, mesmo camufladas por belas palavras.
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Não acredito nesse amor cauteloso e metódico, que de tudo de arreceia, que se não quer expor, que tem calma para medir todas as conveniências, que teme os olhares, os ditos, as considerações de todo o mundo, que vem finalmente mais da cabeça que do coração!
- Não acreditas, então, que eu te ame?...
- Não, decerto! (P. 216)
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Apesar de não ter se tornado um dos meus livros favoritos, achei interessantes as formas de manipulação – tão reais, e o cotidiano em uma Casa de Pensão, de que só ouço falar, porque nunca tive essa experiência e acredito que ela é reservada a pessoas fortes. É um grande livro, o marco de uma época e Aluisio, um dos nossos maiores autores.
Encontrei algumas falhas de digitação no livro, mas nada que prejudicasse o entendimento. Ele é dividido em 22 capítulos médios e, apesar de não gostar de edições de bolso, preciso admitir que são um ótimo meio de aumentar a nossa coleção com bons clássicos!