spoiler visualizarRonaldo Thomé 25/11/2021
JUSTIÇA
Uau! Mais uma bela e grata surpresa. Ainda que com críticas pontuais, é fato que há muito a se elogiar no belíssimo trabalho de Michael J. Sandel, professor de Harvard que por anos ministrou um curso chamado Justiça - o que gerou a base deste livro.
Sandel parte de um acontecimento trágico - a passagem do furacão Katrina, em 2004, pelos Estados Unidos - para discutir os limites da ética e a ideia de justiça ao longo do tempo. Ele nos introduz uma pergunta bastante pertinente: é certo que a iniciativa privada faça certas coisas em momentos de comoção e desastre?
O autor logo expande a pergunta: o que é uma ação justa? O que é correto, e o que não é? Por qual motivo? Assim, junto com Sandel, iniciamos uma extensa (porém didática, e acessível) jornada pelo conceito de justiça através da história. O autor busca manter-se no terreno da filosofia moderna, basicamente aquela que influenciou o pensamento ocidental.
Assim, ele inicia uma análise das grandes correntes de pensamento que influenciaram o tema: o Utilitarismo, o Libertarianismo, as ideias de Kant e de John Rawls, por exemplo. O autor vale-se de suas ideias, onde expõe seus prós e contras de maneira bem interessante (como bons exemplos de situações reais e alguns experimentos mentais, diga-se o clássico dilema do trem). Ele também traz atualidade e relevância à discussão, trazendo-nos alguns tema que nos rendem discussão: a eficácia e limites do livre mercado, as cotas em universidades, a restituição histórica a violências causadas pelos Estados a certos grupos étnicos e cidadãos.
É interessante que o autor não faz uma linha do tempo; seu interesse é resgatar certos conceitos para chegar a uma conclusão, em que ele desenvolve o pensamento do qual é defensor - o Comunitarismo. Resgatando autores como Aristóteles, Sandel e outros buscam novos sentidos para o dever moral e ético dos indivíduos na sociedade, sem que isso possa acarretar a perda da liberdade ou a alienação do indivíduo. O filósofo defende as ideias de Rawls e Kant, embora acredite que, como seres que coexistem em sociedade, noções como honra, consentimento, compromentimento e outras devem ser valorizadas e entendidas como essenciais.
Há muitas críticas que poderiam ser feitas sobre a obra do americano, mas é muito interessante ver como ele, por meio de críticas e considerações honestas, procura abarcar sem julgamentos as muitas correntes de pensamento com que trabalha aqui. Embora rejeite as ideias de Bentham, Nozick, Friedman e Hayek, ele busca sempre pesar seus argumentos.
Há um ligar especial para Kant e Rawls por sua concepção de liberdade, e um esforço interessante para equilibrá-las com as ideias de Télos de Aristóteles (pensamento no qual o indivíduo tem um propósito na estrutura social, e que esse deve ser seguido para se atingir a vida boa). É bela e comovente a exposição que ele faz do pensador Alasdair McIntyre, que nos vê como seres imersos numa narrativa, e que como tal temos papeis dentro da sociedade.
É um belíssimo livro, que vale muito a pena ser lido. Pessoalmente, acho que é um livro (ainda) bastante preso à tradição filosófica americana, algo que Sandel não nega. Eu gostaria de ver suas considerações, por exemplo, sobre o Socialismo, ao Anarquismo e algumas correntes mais utópicas. Ainda assim, Sandel nos oferece uma nova visão filosófica da sociedade, e nossas ações dependem muito do que podemos responder a suas perguntas.
Se suas ideias estão corretas ou não passam de mais uma filosofia a ser superada no futuro, só o tempo nos dirá.
Indicado para: quem quer descobrir novas formas de entender a sociedade, através da forma como encaramos conceitos atemporais, como a justiça.
Nota: 10,0 de 10,0.
Dica: sobre as considerações que podem ser feitas aqui, vou deixar um pequeno texto - https://www.conjur.com.br/2014-ago-28/senso-incomum-matar-gordinho-ou-nao-escolha-moral-ver-direito