spoiler visualizarThiago Barbosa Santos 15/01/2021
O filho de mil homens
Valter Hugo Mãe é, seguramente, um dos maiores autores em língua portuguesa na atualidade. Para mim, está na mesma prateleira que Mia Couto e Milton Hatoum. O autor nasceu em Angola mas foi criado durante toda a vida em Portugal.
É o segundo livro que leio dele. O primeiro foi HOMENS IMPRUDENTEMENTE POÉTICOS, excelente livro, por sinal. Agora, com O FILHO DE MIL HOMENS, Mãe comprovou para mim o grande escritor que é.
Valter Hugo Mãe tem uma prosa extremamente poética, tem um lirismo, um esmero com cada palavra ou frase. É realmente de se encantar com o texto.
No livro em questão, trata de um tema sensível como a solidão, a rejeição, como muitas vezes a pessoa parece estar sozinha na vida por não ter um parente por perto, ou mesmo por ser desprezado por esse familiar. Contudo, o autor acaba mostrando, através de personagens, que há outras possibilidades para ser feliz, encontrar companhia, e preencher a vida com outras pessoas.
O personagem central é o Crisóstomo, pescador, que vive sozinho e, depois de um tempo, manifesta a vontade de ser pai. Sai a procurar pelo filho e conhece Camilo, um jovem órfão. Os dois imediatamente se completam, preenchem o vazio que há no coração um do outro.
Camilo era filho de uma anã que foi abusada sexualmente por dezenas de homens e acabou falecendo no parto. Não sabia quem era o pai biológico. Chegou a ter um avô adotivo, que também morreu.
Valter Hugo Mãe costura com maestria histórias de outras personagens que se cruzam. Tempos depois, Crisóstomo sente a vontade de conhecer um outro sentimento, o amor. Conhece Isaura, uma mulher que acabou cedendo às tentações do namorado e pagou a vida inteira por essa escolha, sem conseguir um marido. Depois conhece um rapaz gay que é rejeitado pela família e pela sociedade, que sofre diversos tipos de agressão e busca uma esposa para resgatar uma ponta de dignidade. Sem suportar a situação, foge depois do casamento, quando volta, já encontra Crisóstomo e o filho já buscando a formação de uma família completa com Isaura.
Esse sentimento de incompletude vai unindo todas essas personagens. Vão em busca, ainda que de forma discreta, da felicidade.
Crisóstomo diz algo pra o filho que retrata de forma fidedigna o conceito do livro, o de que estar sozinho é uma escolha do indivíduo, por total incapacidade de entender que pertencemos a todos e todos nos pertencem: ?Todos nascemos filhos de mil pais e de mais de mil mães, e a solidão é sobretudo a incapacidade de ver qualquer pessoa como nos pertencendo, para que nos pertença de verdade e se gere um cuidado mútuo. Como se nossos mil pais e nossas mil mães coincidissem em parte, como se fôssemos por aí irmãos, irmãos uns dos outros. Somos o resultado de tanta gente, de tanta história, tão grandes sonhos que vão passando de pessoa a pessoa, que nunca estaremos sós.?