spoiler visualizarJúlia 19/04/2021
Para entender mais sobre o zen, as culturas ocidentais e orientais e a origem do nosso modo de pensar, entre outros feitos importantes
Ao ler esse livro, senti uma certa integração de muitos conhecimentos e ideias que vinham desordenadas na minha mente. O contato com o zen-budismo, com o ensino tradicional da universidade, com a filosofia ocidental no ensino médio, os desconfortos e alentos que senti em vários momentos desses contatos e que nem sabia que podiam ter explicação.
Eu pensava que as ideias de Sócrates, Aristóteles e Platão só podiam estar certas, embora tenham me enfadado. Me fascinou ler as críticas a elas e a defesa dos sofistas, e em muito tempo me senti realmente interessada por filosofia.
Além disso, as críticas à racionalidade fizeram muito eco em mim, pelas vezes em que notei que o silêncio me foi muito mais terapêutico do que elaborações e interpretações. Aí está o diálogo do livro com o zen-budismo, embora se fale tão pouco diretamente do zen ao longo de suas páginas. Também a ideia de impermanência de Heráclito, citada no livro, é um dos pontos nevrálgicos do zen-budismo, e nesse quesito mesmo a Verdade não seria algo fixo e imutável, como aprendemos a pensar.
Outros pontos de contato com o zen envolvem a crítica a uma visão dualista e a valorização do real e do que está acontecendo no presente. O que me impactou bastante foi que quando Fedro “enlouqueceu”, seus pensamentos ficaram estagnados no aqui e agora! Realizar o objetivo do zen-budismo seria, então, uma espécie de loucura para os paradigmas da nossa sociedade?
Um incômodo com a área de humanas e suas relativizações infinitas já me tomou por muitas vezes. O que é mais importante, a Verdade ou a Qualidade? Devo seguir o caminho dos sofistas, humanistas, retóricos (que diriam que a verdade é relativa) ou o caminho dos cosmólogos e filósofos gregos citados anteriormente, para quem a verdade é absoluta?
Parece-me que o personagem principal está certo ao afirmar que a Qualidade simplesmente se sente. Mesmo quando escrevo pela segunda vez essa resenha, sinto que a que agora escrevo tem maior Qualidade que a primeira, que algo flui agora que antes estava estagnado ou travado nas minhas palavras.
Falando um pouco sobre as minhas sensações durante a leitura, creio que durante todo o livro houve um fio condutor que me mantinha interessada. Em alguns momentos, só queria ler os relatos da viagem do pai e do filho Chris, imaginando os prazeres de ver paisagens bonitas, sentir o vento no rosto, deitar na grama para descansar, comer o que estivesse disponível no lugar em que a fome batesse. Acordar com o nascer do sol e correr um pouco para se esquentar, antes de subir na moto e descobrir o que aquele dia iria trazer. As divagações filosóficas, por outro lado, ora me instigavam e ora me cansavam um pouco. Algo que me ajudou foi transpor um pouco o que se dizia sobre a manutenção de motocicletas para outras práticas da minha vida, como a do bordado livre. Me dei conta de que a postura que ele defendia ser necessária para lidar com as motos é a ideal para se fazer muita coisa ou quase tudo.
Outras ideias de Pirsig também me cativaram, como o que na tradução para o português seria a “briologia”. Me pego mais uma vez concordando com os conservadores (mesma sensação que tive ao ler “12 regras para a vida”) de que a solução aos problemas passa por cada um recuperar seu brio individual, que para o autor envolveria autoconfiança e integridade. Como tomar decisões individuais de Qualidade?
Também a divisão entre pessoas de visão romântica ou clássica me chamou muito a atenção. Em determinado trecho, Persig diz que a qualidade romântica é o aqui e agora, e a qualidade clássica envolve a consideração do passado e do futuro também. Não creio ser fácil resumir esses conceitos, mas essa me parece uma tentativa dele de por em termos racionais e descritivos esses termos que abordou bastante no livro.
O livro é muito útil, também, para relativizar nossa ideia de que sempre se pensou como pensamos atualmente. É dito que a separação entre sujeito e objeto, matéria e substância, surgiu na Grécia Antiga. Como é difícil tentar pensar como aqueles que pensaram antes dos gregos!
Vejo as críticas aos métodos universitários, ou da Igreja da Razão, como um alerta a um fazer mecânico dentro desse espaço, que vise a produtividade e não a Qualidade.
Quero dizer que esse é um dos livros que possui passagens memoráveis, que deveriam ser reconsultadas de tempos em tempos. Considero-o um possível guia rumo à Qualidade e para por fim a confusões mentais sobre valores importantes para a vida humana. Aqui exponho duas dessas passagens, a título de finalização:
“Embora concordasse que os valores não podem ser fixos, em compensação acreditava que nem por isso eles deveriam ser desprezados, ou dados como inexistentes. Opunha-se também à tradição aristotélica como definidora de valores, mas não concordava que ela não devesse ser tomada em conderação.”
“Os carros parecem deslocar-se a uma velocidade máxima constante própria para circular no perímetro urbano, como se quisessem chegar a algum lugar, como se o que estivesse aqui agora fosse apenas algo a ser ultrapassado. Os motoristas parecem estar pensando mais no lugar para onde querem ir do que no lugar onde estão. (...) Puxa, eu me esqueci da pior de todas as ciladas para o brio. O cortejo fúnebre! Aquele em que todos entram, esse estilo de vida que pensa ter dominado o mundo, tenso, supermoderno, individualista e egoísta. Nós estivemos afastados dele durante tanto tempo, que eu havia até esquecido de como era.”