spoiler visualizarPeterson.Silva 28/07/2012
Muito bom... Para um livro de economia.
Falando da perspectiva de um cientista social em formação, foi muito interessante ler um livro de economia. É um universo próximo, mas ao mesmo tempo bem diferente. Acho que todas as visões sobre a sociedade contribuem um pouco para seu entendimento, então não posso negligenciar nenhuma; por outro lado, posso criticá-la e entender por que tenho que ter precauções com ela (assim como com qualquer outra, for that matter).
A economia enquanto estudo da circulação de valores tem sua validade a partir de seus critérios mais rígidos e de seus procedimentos majoritariamente estatísticos e matemáticos. Por outro lado, esse livro lembra um certo ranço da matéria, que aplica uma camada mecânica por cima daquilo que analisa. Estudo frio de elementos de um sistema puramente hipotético, que vem à existência apenas para entender a dinâmica das coisas? Ou real ponto de vista sobre o objeto de estudo, o que revela muito sobre como veem as coisas os capitalistas, dos quais a economia é filha?
(Exemplo na página 169: "Estima-se que, em média, o consumo de calorias da mula não supera em muito as 1500 [gramas] [...] Essa insuficiência de alimentação é a principal causa do baixo estado sanitário e também da reduzida produtividade das mulas. [...] Um aumento de ração alimentar traduz-se, no Brasil, em quase imediata elevação da produtividade das mulas, bem como em prolongação dos seus anos de vida ativa". Exceto que no livro está se falando de trabalhadores rurais, não mulas.)
Na primeira parte do livro ele fala sobre a hegemonia dos Estados Unidos. Isso é legal sobre Celso Furtado: ele diversas vezes foge ao escopo da crítica que acabei de fazer por criticar esse tipo ruim de economista também e ir além, interpretando a economia de um ponto de vista holístico, muito mais inclusivo e englobante. Ele é bom nisso, e isso fica patente de dois modos: em primeiro lugar, como ele analisa a hegemonia norte-americana passando por uma série de elementos que nada tem a ver com a economia, para então relacioná-los a ela, mostrando como o todo funciona muito melhor que uma parte arrogante. Em segundo lugar, faz isso na segunda parte do livro, em que fala sobre o Brasil, e mostra como é impossível explicar o subdesenvolvimento da América Latina e do Brasil apenas por fatores e decisões econômicas. É uma lição de política, cultura e sociologia, um exemplo de como estes conjugam-se com a economia.
Ele pergunta, na página 58, "Quem ordena a coação, sem a qual não é possível assegurar a eficácia operativa de um sistema social?" - Adorei essa parte, mas ela redigida sem a crítica que ela encerra, castrando-a de seu verdadeiro potencial. E isso mostra o que quis dizer acima; essa pergunta pode ser reformulada, em toda sua nua verdade, como "Quem tem o direito de mandar nos outros, uma ação necessária para que quem ganhe dinheiro continue ganhando e quem vive uma vida ruim continue vivendo?" --- isto é, como se legitima a máquina de poder que serve para perpetuar um sistema intrinsecamente injusto? Celso, inadvertidamente (e aqui está o veneno da economia; tomar essas coisas contingentes e nefastas como coisas dadas, naturais), fala de "eficácia operativa do sistema social". Caramba, que eufemismo.
Na página 126 temos: "O cerne do problema não está no comportamento dos agentes que tomam decisões econômicas [...]; está nas relações estruturais que delimitam o campo dentro do qual as decisões relevantes são tomadas. [Este é] muito mais um problema de reconstrução de estruturas sociais que propriamente de política econômica." - Isso é bom em termos; ao mesmo que evidencia o quanto Celso reconhece que nem tudo é economia (e por economia economistas entendem capitalismo), também não se pode retirar desse sistema econômico (no sentido de ao invés de outros) parte da responsabilidade pela construção de uma realidade social ruim.
Outro exemplo: Celso diz que são irracionais as decisões que não levam ao desenvolvimento econômico de um país (P. 156). Aí que está: o desenvolvimento econômico enquanto meta de um povo não é benéfico na mesma medida para todos. Não há nada de irracional, _na lógica do capitalismo mesma_, em não querer promover o desenvolvimento de um país.