Investigações Filosóficas

Investigações Filosóficas Ludwig Wittgenstein




Resenhas - Investigações Filosóficas


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Claire Scorzi 18/03/2009

Apesar da linguagem difícil por vezes, nunca esqueci algumas das percepções que a leitura desse livro me trouxe - como a de compreender, finalmente, quão intrincada é a questão da linguagem, e em especial, que máquina extraordinária é o cérebro humano (a inteligência), já que uma criança pequena, com tão poucos dados, constrói toda a linguagem para si, entendendo-a e utilizando-a.
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fabio.ribas.7 23/03/2020

O jogo da linguagem em Wittgenstein
ler “Investigações filosóficas” de Wittgenstein é sair de uma compreensão de linguagem para outra totalmente oposta ou, ao menos, direcionada, concentrada, num locus diverso. A sensação é de montanha russa. Com Cassirer, estamos indo para o alto, transcendendo o universo da linguagem em toda sua potência, contudo, já descobrimos, em “O Mito do Estado”, que Cassirer vê essa “potência” negativamente. Com Wittgenstein, caímos vertiginosamente para alguém que aponta a falência e a incapacidade da linguagem como um todo orgânico na explicação da realidade. Wittgenstein, por isso mesmo, dirige seu leitor para seu conceito-chave de jogos.
Sair de Cassirer e ir para Wittgenstein é sair de alguém que trabalha com todo o potencial da linguagem para alguém que trabalha toda a falência da linguagem — este é o ponto sobre o feitiço da linguagem do qual Wittgenstein tratará de se desvencilhar. Então, descubro que Cassirer e Wittgenstein concordam, ambos querem fugir do domínio mítico, metafórico, ilusionista da linguagem.
Por isso, Wittgenstein vai dizer: “A filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso entendimento por meio da nossa linguagem” (mesma tese de Cassirer). Para Cassirer, a filosofia é o esforço da razão humana para entender a si mesma: um exercício intelectual de autoconhecimento e, para a filosofia moderna, o esforço se caracteriza por identificar, entender e explicar os símbolos criados pelo homem, mas sempre para reagir a eles e nunca para se deixar dominar.
Para Wittgenstein, não é a interpretação sozinha de uma palavra que determina a significação. Tanto a interpretação quanto o interpretado pairam no ar e o que os une? As regras próprias daquele jogo! Há um jogo. O jogo tem suas regras próprias. Eu não posso jogar xadrez com as regras do futebol ou do pôquer. Eu não posso ter uma interpretação alheia ao sistema.
Muitas das vezes, quando avalio a tradução feita por alguém, vêm em minha mente muitas dessas questões propostas por Wittgenstein no “Investigações filosóficas”. Por exemplo, trabalhando uma palavra como o grego doxa que, em versões bíblicas para o português, foi traduzida por “glória” (ARA) e em outras por “natureza” (NTLH), encontramos um caso muito bom para o qual Wittgenstein está chamando a atenção. A mera concepção de “uma palavra por outra, uma denominação por outra”, principalmente de uma língua para outra, esbarra em confusões que demonstram não compreender “as regras específicas daquele jogo de linguagem”. Desde quando a palavra “natureza” seria sinônimo de “glória” em português? E veja a confusão no c. 17 do Evangelho de João quando, por duas ou três vezes, é dito que Jesus recebeu a natureza divina por parte de Deus. Abrir mão da glória que tinha para depois recebê-la é uma coisa bem diferente de dizer que Jesus abriu mão de uma natureza divina para depois recebê-la! E pior, perguntando a um falante de uma língua indígena, cuja Bíblia seguiu essa escolha da NTLH na tradução para sua língua materna, o que ele entendia por “natureza” dentro daquele contexto, ele me aponta o dedo para o mato, para a selva que estava do lado de fora da sala em que nos encontrávamos conversando. Mas, desde quando a palavra “natureza”, que já não tem nada a ver com “glória”, teria a ver com natureza no sentido de “natureza selvagem”, se o que estamos falando é sobre natureza humana e natureza divina?! Que palavra foi aquela usada na língua indígena daquela tradução bíblica que leva o leitor a identificar a palavra com a natureza da fauna e da flora? Traduttore, Traditore!
Assim, embora pareça que Wittgenstein parta de uma linguagem ou de exemplos muito simples e cotidianos da comunicação humana, a grande verdade é que ele reflete sobre um fato importantíssimo, que é exatamente os limites da linguagem. Quem, portanto, deve ler “Investigações filosóficas”? Todos que se interessam pelo estudo de línguas e não apenas filósofos. “Investigações filosóficas”, tanto pelo seu tema como pelo seu didatismo, deveria ser leitura obrigatória aos missionários transculturais e, principalmente, aos que irão trabalhar com tradução da Bíblia. É um livro que nos leva a pensar em coisas tão cotidianas da linguagem, tão óbvias, situações da comunicação que poderão parecer tão sem elegância e sem sofisticação aos mais acostumados com uma linguagem filosófica rebuscada, porém, são essas situações “provincianas” que mais deflagram nossas confusões de interpretação.
É importante salientar que há “2 Wittgenstein”: o da primeira obra Tractatus Logico-Philosophicus (1921) e o Wittgenstein posterior. Este meu texto trata de uma obra que representa o “2º Wittgenstein”. A diferença entre essas duas fases e também uma crítica aos pontos negativos da filosofia de Wittgenstein virão mais adiante, em que trato da 2ª parte do “Investigações filosóficas”.
Primeira Parte
A partir de um trecho do livro Confissões (I/8), de Agostinho, Wittgenstein demonstra que a linguagem humana é bem mais complexa do que o autor de Confissões apresenta. Para Wittgenstein, faz parte de uma linguagem primitiva a ideia de denominação de objetos ligados a nomes.
O sistema de comunicação descrito por Agostinho “não é tudo aquilo que podemos chamar de linguagem”, embora seja útil aquela descrição. Wittgenstein irá mostrar que essa mera ligação entre a palavra e o objeto é semelhante a uma caixa de ferramentas: as palavras estão ali, diferentes umas das outras, contudo nada é dito sobre como usá-las e qual sua finalidade. Quando nos deparamos com as palavras, na escrita e na imprensa, há uma uniformidade nas palavras como se estivéssemos diante de um painel de controle de uma locomotiva. Ali estão as alavancas e manivelas, que devem ser manobradas com as mãos, cada qual com seu movimento específico, mas não há finalidade, nada nos disseram do seu emprego, se nos restringimos ao que Agostinho propõe sobre a mera nomeação dos objetos.
Mesmo quando falamos que “cada palavra designa um objeto”, sabemos que muitas palavras não correspondem a essa definição. O que só reforça a tese de Wittgenstein sobre seu conceito de jogos de linguagem. O que Agostinho propõe em seu livro Confissões é a descrição de um jogo de linguagem, circunscrito por regras específicas e próprias, mas que não explicam os demais “jogos de linguagem”.
A ideia de “jogo de linguagem” procura ressaltar que “o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”. Há, portanto, uma multiplicidade de jogos de linguagem, que não apenas a mera ligação palavra-objeto: comandar e agir segundo comandos, descrever um objeto, produzir um objeto segundo descrição, relatar um acontecimento, conjecturar sobre o acontecimento, expor uma hipótese e prová-la, apresentar os resultados de um experimento por meio de tabelas e diagramas, inventar uma história, ler, representar teatro são alguns exemplos de jogos de linguagem.
O fato para Wittgenstein é que as crianças aprendem da maneira como é proposto por Agostinho: a palavra é associada ao objeto (mesa, cadeira, sapato, etc), e até mesmo adultos se utilizam dessa maneira em determinadas situações do cotidiano. Exemplo disso, dado por Wittgenstein, é o caso de um pedreiro pedindo que o seu auxiliar lhe repasse as peças da construção à medida que as vai solicitando. Então ele diz ao seu auxiliar: “tijolo”, “viga”, “lajota”, etc. Entretanto, no caso dos pedreiros, essa é apenas a demonstração da linguagem numa mui restrita aplicação dela, usando as próprias palavras do filósofo, há muitos outros jogos que não são explicados a partir do “jogo dos pedreiros”. No caso da aprendizagem das crianças, esse não é verdadeiramente um processo de significação, mas um “aprendizado ostensivo de palavras”. A ligação, a associação entre a palavra e o objeto não diz nada sobre sua finalidade, o que se quer ao se dizer tal palavra.
O que é importante para nós é que Wittgenstein vai reagir ao que Cassirer apresentou como o que é mais importante na linguagem humana: a produção de símbolos. Todavia, para Wittgenstein, embora se possa pensar que uma palavra crie no espírito humano uma figuração, isso não aponta para a finalidade da palavra. E esta direção, esta finalidade, é o que fundamenta toda a filosofia da linguagem de Wittgenstein. Ele dará um exemplo que mostrará que a linguagem não é mera associação. A frase “cinco maçãs vermelhas”, escritas num folheto e recebidas por um feirante, demonstra que “maçãs” e “vermelho” são associações, todavia, o que quer significar “cinco”?
Wittgenstein está defendendo uma visão de linguagem, de significação, que é da mesma natureza do estruturalismo de Saussure: na linguagem real do cotidiano, as palavras significam o que significam no contexto em que se encontram, pois, as mesmas palavras em outro contexto significariam outra coisa ou nada. Assim, para o filósofo, a finalidade delas é mais importante do que a figuração no espírito. E para ele a maior parte do que se vê na linguagem é isso e não a mera associação: a linguagem tem como finalidade indagar, acusar, defender, descrever, etc.
Então, dizer que uma palavra significa algo é muito pouco ou nada, pois as palavras têm finalidades e suas diferenças são circunscritas dentro de um contexto específico e em acordo (ou desacordo) umas com as outras (puro Saussure).
Nos jogos de linguagem, palavras podem ter a finalidade de comando ou de afirmação. E o que faria com que o ouvinte identificasse quando é um e quando é outro? Além disso, dentro de um jogo de linguagem, uma palavra pode ser a abreviação de uma frase. Por exemplo, como no caso dos construtores, se um deles grita para o outro: “lajota!”, na verdade, está dizendo: “Dá-me uma lajota”! Agora, diante da palavra (frase abreviada) “lajota”, como que o ouvinte sabe discernir entre a possibilidade de uma frase e outra como: “Dá-lhe uma lajota”! A seleção das frases no espírito do ouvinte pode se dar num contexto de entonação, gestos e expressões faciais.
Uma frase como “Este número chama-se ‘dois’” e se aponte para o objeto (desenho?) precisa que o aprendiz já tenha dado conta do que seja “número”. É preciso elucidação. Wittgenstein chama atenção para que, na tentativa de elucidarmos, acabamos por usar outras frases que talvez criem mais ambiguidade na nossa comunicação. E só teremos certeza de que a pessoa entendeu a palavra elucidada no uso que essa pessoa fará dessa palavra. Daí são muitíssimo válidas as redações solicitando que o aluno use a palavra no contexto que foi ensinada.
A comparação com o xadrez é muito boa para compreendermos o que está envolvido no conceito de “jogo”: ainda que se saiba que aquela peça do jogo chama-se “cavalo” nada se sabe para o que ela serve ou como se a utiliza.
Há palavras que não denominam algo (“isto”, “aquilo”, “aquela”) ou seja, que não trazem ao espírito um objeto, uma imagem. Veja este exemplo: “Isto é azul” pode se referir a uma explicação do que é “azul” ou uma chamada de atenção do “azul” sobre um objeto. E como isso é possível?
Assim, para longe de Cassirer, ainda que um nome remeta a uma figuração no espírito do ouvinte, isso não significa nada. Para Wittgenstein, a associação de um nome a um objeto não é sequer o jogo: é como dizer que aquela peça tem o nome de “rei”, mas saber isso não é nenhum lance do jogo. E mesmo posicionar as peças para o início do jogo em suas posições corretas também não é um lance do jogo. E aqui, mais uma vez ele recorre a Frege: “uma palavra só tem significação no contexto da proposição”.
Os nomes designam apenas aquilo que é elemento da realidade. Contudo, “vermelho” encontra-se na realidade? Encontro um objeto vermelho, mas não encontro na realidade o “vermelho”. Aliás, como sei que algo é vermelho e não de uma outra cor ou de cor nenhuma? O que é que me faz designar algo vermelho? A memória? Ou um paradigma “vermelho” que existiria flutuando em nossos espíritos? Como que, ainda com a destruição do objeto que possuía a cor vermelha, eu ainda posso dizer que o vermelho existe? A resposta é que a vermelhidão é indestrutível. A linguagem é como uma tabela de regras que temos na mão, nossa e na mão do nosso ouvinte. Para que haja comunicação é preciso que as regras daquele contexto estejam claras, senão não há jogo.
Mas o ponto central para Wittgenstein é, para além das especificidades de cada situação de comunicação, saber se há uma forma geral da proposição e da linguagem. Wittgenstein mostra que as diversas possibilidades que ele vem tratando até aqui são específicas, determinadas por seus contextos próprios e por isso nos referirmos às linguagens. E ele passa a buscar algo geral, algo comum a todos esses jogos trazendo-nos a olhar os jogos de cartas, de tabuleiros, de futebol, os jogos coletivos e individuais, tentando encontrar o que haveria de comum entre eles. Um perdedor e um ganhador? São todos jogos de divertimento? Exigem as mesmas habilidades de seus participantes e contam com o mesmo quinhão de sorte? Na verdade, vemos que ora uns elementos são comuns, ora não, ora o que há aqui, já não há no próximo jogo.
E em meio às semelhanças, Wittgenstein irá afirmar que há jogos que formam uma mesma família. Os números por exemplo (cardinais, ordinais, fracionários, etc). Percebemos uma extensão do mesmo tipo que os agrupa. Parece que definiríamos “número” pela soma de todas as suas particularidades. Mas o que é um jogo, senão uma indecisão, um conceito em aberto. Tente explicar o que é “jogo”. Você irá recorrer às descrições de um jogo específico e dirá que coisas semelhantes a essas são chamadas de jogos. E cientes dessa “imprecisão” é que jogamos o jogo da linguagem.
Há coisas que sei, mas não sei dizer. Não encontro a definição e nem posso apontá-lo. Muitas vezes, como “o que é “bom”?, é preciso uma rede de significados trançados, uma família de significações que deem conta de uma explicação. Santo Agostinho: “O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém me perguntar, eu sei; se quiser explicar a quem me fizer a pergunta, já não sei”!
“A linguagem é uma ciência normativa”. É um jogo, um jogo com regras no qual tanto quem pronuncia uma frase como quem a compreende “realiza com isto um cálculo segundo regras determinadas”. E a imprecisão é um fato diante de que podemos, num jogo, ir criando regras à medida que jogamos ou mudando as regras à medida que jogamos. Mas, mesmo regras, não são tão claras assim. Pode haver dúvidas quanto ao uso de determinadas regras e mesmo um bom conjunto de regras não significa que elas abarquem todas as situações.
Qual é, afinal, a essência da linguagem? A essência da linguagem é oculta. Wittgenstein vai lutar contra a busca dessa origem, do conceito, da elucidação da palavra e vai centrar-se na descrição. Para ele a questão “o que é uma palavra?” é análoga a “o que é uma figura de xadrez”. Entender a figura não traz o que há de mais importante, que é a compreensão das regras do jogo e a finalidade da peça. Ir atrás da essência da linguagem é por demais impreciso para a lógica, pois o que é a essência? Aquilo que vejo agora é a essência ou o que muda?
Wittgenstein quer demonstrar a incompletude da “palavra” e que de nada adianta se concentrar no significado da palavra, como se esse significado acompanhasse a palavra para onde quer que ela fosse. A verdade é que isso nos afasta daquilo que realmente é importante na linguagem: a visão panorâmica das relações que se estabelecem entre as palavras, o que será chamado por Wittgenstein de “articulações intermediárias”. Nestas é que se vê a nossa “cosmovisão”, é no uso cotidiano e nas relações de diferença e igualdade entre as palavras (é na gramática) que se revela nossa cosmovisão. Assim, para o filósofo, o que se deve fazer é descrever o todo do funcionamento da linguagem e não se perder no significado das palavras (que é a causa do enfeitiçamento). O problema real para a filosofia surge quando queremos dizer algo e esse algo não é compreendido: “Mas não foi isso o que eu quis dizer”! Por isso, é papel da filosofia entender e descrever as regras do jogo (e não ficar explicando o significado do “rei” ou do “cavalo”). É essa contradição que surge no mundo e seu papel que deve ser o alvo da filosofia.
Wittgenstein tratará de demonstrar que “palavras” são muito mais complicadas do que poderíamos imaginar, pois elas refletem o que, naquele momento e dentro daquele contexto, elas dizem e logo depois já não mais podem refletir tais realidades. Resolver estes problemas é o mesmo que resolver os paradoxos da linguagem. Há um fosso entre “saber” e “querer dizer”!
O modo de pensar de Wittgenstein é totalmente estruturalista.
A grande sacada de Wittgenstein é que não é a interpretação sozinha que determina a significação. Tanto a interpretação quanto o interpretado pairam no ar e o que os une? As regras próprias daquele jogo! Há um jogo. O jogo tem suas regras próprias. Eu não posso jogar xadrez com as regras do futebol ou do pôquer. Eu não posso ter uma interpretação alheia ao sistema.
E seguir regras é um hábito! As pessoas são treinadas para reagirem a determinado signo, diz Wittgenstein. “Compreender uma frase significa compreender uma linguagem. Compreender uma linguagem significa dominar uma técnica”!
O mote do livro é mostrar a imprecisão da linguagem, pois, se tomarmos as palavras ao pé da letra, veremos que boa parte do que dizemos é sem sentido. Assim, isto é fundamental para toda a discussão sobre “significado” que irá acontecer no século XX.
“A indizível diversidade de todos os jogos de linguagem cotidianos não nos vem à consciência porque as roupas de nossa linguagem tornam tudo igual”, avisa-nos Wittgenstein. Daí “Investigações filosóficas” ser uma obra que vai se debruçar nessa dissecação do emprego que fazemos de determinadas frases no cotidiano. O que realmente queremos dizer; se sabemos o que queremos dizer; se é possível o outro saber ou vivenciar o que estamos comunicando; se percebemos a dissimulação do outro; enfim, vemos uma obra que está dialogando o tempo todo com idealistas, empiristas e realistas.
Desde sua primeira obra, Tractatus logico-philosophicus, o tema central (ou a metafísica de Wittgesntein) é que o que há de mais importante é exatamente aquilo sobre o que devemos calar. E este é o centro do “Investigações filosóficas”. E é muito interessante que aqui ele repita o argumento de Cassirer (que talvez seja mesmo um projeto da Modernidade): a rejeição de toda filosofia tradicional por entender que ela seja resultado de uma limitação da nossa linguagem. No caso de Wittgenstein, era um erro de lógica da nossa linguagem. Para Cassirer, era uma patologia da nossa linguagem. Daí vem, para Wittgenstein, que filosofia não é ciência, mas uma atividade de esclarecimento da linguagem. Contudo, no “Investigações…”, Wittgenstein dirá que esse erro da linguagem é um feitiço, atordoa-nos e nos distancia do que realmente interessa, por isso que, nesta obra, o filósofo vai tratar a filosofia como uma atividade terapêutica. O filósofo trava uma batalha contra a linguagem! O que eu identifico, tanto em Cassirer como em Wittgenstein, como sendo uma batalha contra o mito!
Não tenho dúvida que um autor de um livro tão difícil de ler como o Tractatus foi fortemente influenciado pelos anos posteriores em que decidiu ser professor primário e depois jardineiro antes de retornar à Academia. E este didatismo e linguagem “provinciana” está ali em “Investigações filosóficas”, que foi uma obra publicada dois anos após a morte do filósofo. Todavia, quando lemos “Investigações…”, fica-se com uma sensação de temas dispersos e não ligados entre si, como se o filósofo trata-se dos assuntos à medida que surgiam na sua mente, aleatoriamente. E é exatamente isso mesmo que Wittgenstein confessa: sua dificuldade de unir o que lhe vem à mente, dar um corpo, uma sistematização à obra.
O que mais nos interessa é o “princípio de uso” de Wittgenstein nesta obra. Wittgenstein dizia que não deveríamos pedir o significado das palavras, mas o seu uso: “Fora do uso, com efeito, um signo parece morto” e “A significação de uma palavra, de uma expressão é seu uso na linguagem”. Nada mais atual do que isso nas nossas discussões teológicas ou em nossos trabalhos de evangelismo: precisamos trazer as pessoas para o “jogo”, para o contexto, para a cultura bíblica e, sem dúvida alguma, para a cultura Reformada, explicando as regras do que queremos que elas entendam. E confirmando o entendimento delas a partir do uso que elas farão com nossas palavras: “justificação”, “salvação”, “predestinação”, “arrependimento”, etc. Este é um conceito importantíssimo para mim: entender que o uso que o outro faz de nossas palavras é segundo as regras de um outro jogo, portanto, precisamos trazê-lo para entender, para dominar as regras do “jogo” bíblico — e isto é feito por meio de um discipulado construído sobre um trabalho de hábito e educação do nosso ouvinte. Porém, o missionário, o evangelista, o pregador e qualquer cristão que queira dar a razão da sua fé só poderão fazer isso se entenderem, primeiramente, as regras em que o outro se encontra. Este tipo de postura, por exemplo, irá ajudar na identificação e na solução de problemas como o sincretismo.
No campo específico da semiótica, uma das grandes contribuições de Wittgenstein é escapar ao problema da relação indissociável entre o significado e o significante ou entre a expressão e o conteúdo: “Se o senhor N. N. morreu, dizemos que morreu o portador do nome e não o significado do nome. E seria insensato falar deste modo, porque se o nome deixasse de ter um significado, não teria sentido dizer ‘o senhor N.N. morreu’”. Qual a implicação disso? Não é preciso que todos de uma comunidade concordem com o significado de uma palavra (por exemplo, “casa”) para que pudéssemos usá-la. Na verdade, a tese principal de Wittgenstein é que existem diversas gramáticas e que elas se circunscrevem nos mais diferentes aspectos de nossas vidas.
E como Wittgenstein atingiu a teologia e, principalmente, a hermenêutica? Wittgenstein destrona o “eu” como o único validador da comunicação, fugindo do solipsismo e mostrando que, antes de tudo, a interpretação e a comunicação entre falantes de uma mesma comunidade é aprender o que dizer, como, onde e quando, isto é, dominar uma língua é dominar a técnica do jogo. O significado não está no “eu” ou no intérprete, mas está na interação dessa relação, e esta interação possui regras.
Segunda parte
A 2ª parte do livro de Wittgenstein inicia com a mesma preocupação de Cassirer: a diferença entre a linguagem humana e a linguagem animal. O que podemos representar e o que não podemos sobre os animais. Quais sensações nós somos capazes de transmitir na palavra humana? Conseguimos, de fato, tomar uma palavra e usá-la de diferentes modos e em diferentes contextos? Isto é o mínimo que a escola deveria exercitar com seu aluno. Por exemplo, dizer: “a rosa é vermelha” com o verbo “ser” usado como igualdade perde todo sentido (comparar com “2 + 2 é 4”). Outro exemplo: se você quer transmitir de modo expressivo a interjeição “Puxa!”, você não deve pensar no verbo “puxar”. Assim, ensinar uma língua (ou aprendê-la) é muito mais do que entender a significação de palavras e o uso delas em apenas um determinado contexto.
Wittgenstein começa a trabalhar aqui duas situações: a vivência de uma significação e a vivência de uma imagem de representação. Um conceito permanece no nosso espírito assim como uma imagem de significação? Saber e empregar corretamente a significação de uma palavra é dominá-la e como se dá o mesmo com uma imagem de representação? Pense assim: “O Senhor Russo não é russo”! O que ocorre no meu espírito é o mesmo nas duas vezes em que pronuncio a palavra “russo”, sendo que a primeira é um nome próprio e a segunda um nome comum? Não acontece nada em meu espírito? Agora pronuncie a frase pensando que o primeiro “russo” é um nome comum e o segundo é um nome próprio. Wittgenstein chama a atenção para nosso esforço quando tentamos fazer essa nossa inversão. Isto sem contar que em português você poderia pensar que o segundo “russo” vem em sentido de adjetivo (que o Sr. Russo é uma pessoa difícil).
No jogo da linguagem, a palavra substitui a representação que há no meu espírito, porque preciso esclarecer sobre quem estou representando. Muitas frases ditas na comunicação só farão sentido mais exato dependendo de com quem eu falo.
O jogo da linguagem pressupõe contexto, pois parto de uma pressuposição ou de outra a partir do contexto. Por exemplo, se um ser humano geme, como sei se é dor ou encenação? Se descrever uma cena agora para você: na cidade, um acidente de carro, atropelamento, um homem estendido no chão. Perguntas para esclarecer a situação, etc. Porém, depois de tudo, digo que isso se passa num teatro. Mudou totalmente a dor narrada por aquele homem, não? Eu sei agora que o gemido do ator não é dor de fato. Não é uma expressão anímica.
A linguagem humana é feita de pressuposições tácitas! Eu pressuponho, na maioria das comunicações em que me encontro, que você não está mentindo para mim! O que, por exemplo, na aldeia sofre uma alteração, pois faz parte da cultura um gracejamento, brincadeiras na hora do aprendizado da língua.
A compreensão de Wittgenstein é totalmente saussuriana: sua explicação sobre as palavras que devem pairar no nosso espírito, suas possibilidades que deverão ser escolhidas selecionadas numa comunicação, é uma aplicação dos eixos sintagmático e paradigmático de Saussure. Não que as palavras já estejam em nosso espírito supridas de seus significados, já vimos que Wittgenstein se opõe a isso. As palavras estão ali como as cores. Elas tem a sua própria face, cada cor, mas é na obra, no quadro que se revela a intenção da nossa comunicação.
Wittgenstein vai tratar do paradoxo de Moore. O paradoxo de Moore é aquele que diz que eu acredito em “p”, mas não acredito em “p”. É possível acreditar em uma coisa e não acreditar nessa mesma coisa? Eu posso dizer: “Está chovendo, mas não creio que está chovendo”? Assim, frases como “A julgar pelo que digo, eu creio nisso” e outras da mesma natureza são analisadas na comunicação.
O conceito de “objeto figurado” de Wittgenstein, em que vemos uma ilustração e a interpretamos como a vemos é uma chamada de atenção para os que trabalham em comunicação. O que o outro vê, como o outro interpreta uma figura, é o que é mais relevante na comunicação. Por exemplo, quando mostramos ilustrações de Adão e Eva no Éden e Deus falando com eles e apresentamos uma ilustração de Deus como o “sol” ou “luzes do sol”, as culturas indígenas com as quais trabalhamos irão interpretar essa ilustração como sendo “Taungue”, que é um indígena ancestral. E aqui neste sentido não mudamos o mundo e nem suas representações, mas podemos alterar a maneira como as pessoas percebem as mesmas coisas sempre vistas à sua volta.
Se eu vejo o desenho de um triângulo, este pode ser percebido de diversas maneiras (um buraco triangular, uma seta, uma pirâmide, uma montanha, etc), então eu o interpreto como eu o percebo. E saber disso, que as pessoas podem ter interpretações diferentes das nossas diante de um mesmo objeto, força-nos ao trabalho de confirmação por parte do missionário. Queremos que eles vejam o mesmo que vemos — aqui entra a chave: hábito e educação para levar a pessoa a ver o que queremos que ela veja!
Mais uma vez, para Wittgenstein, o importante no jogo é descobrir o que o outro entende. Uma palavra, uma frase ou um desenho é o que para o outro? Uma única coisa ou mais de uma? Pensando nisso tudo o que Wittgenstein está dizendo, é inevitável não trazer da memória que deveríamos assumir esta postura como a educacional: ensinar nossos alunos a ver de todas as maneiras possíveis, a perceber todas as possibilidades, a imaginar todos os usos das palavras e seus mais diferentes contextos, pois assim se domina uma técnica — é a isto que Wittgenstein chama de vivência.
Aprender a palavra pelo seu emprego — é o cerne da defesa da filosofia de Wittgenstein.
Poderia ser dito muitas coisas sobre Wittgenstein, algumas não interessam ao foco dos nossos estudos como, por exemplo, seu homossexualismo, embora muito das suas lutas espirituais e a busca por pureza estejam referidas inúmeras vezes em cartas e testemunhos de amigos. Contudo, gostaria de concluir este “meu namoro com ele” dizendo que Wittgenstein, no momento em que entrega o manuscrito do “Investigações…” aos editores, entrega também um prefácio ao livro em que expressava: “Eu diria: ‘Este livro foi escrito para a glória de Deus’, se hoje em dia essas palavras não parecessem tão tolas, isto é, se não fossem mal-interpretadas. Elas significam simplesmente que o livro foi escrito com a melhor das intenções e que, se não estiver sido escrito com boa vontade, mas por vaidade ou por outro motivo qualquer, seu autor gostaria de vê-lo condenado. Não está em seu poder purificá-lo das escórias, na medida em que ele próprio está longe de ser puro”.
Deixo aqui ainda uma última e fascinante frase de Wittgenstein: “Se Cristo não ressuscitou, apodreceu no túmulo como qualquer homem, Ele morreu e apodreceu. Então é um mestre como qualquer outro, e não pode mais ser de nenhuma ajuda: e estamos de novo no exílio, sozinhos. Podemos contentar-nos com a sabedoria e a especulação. Estamos, por assim dizer, no inferno, onde apenas podemos sonhar, separados do céu como por um teto. Mas, se devo ser verdadeiramente redimido, então preciso de certeza — não de sabedoria, sonhos, especulação — e essa é a certeza da fé. A fé é fé naquilo de que precisa o meu coração, a minha alma; não o meu intelecto especulativo. Porque é a minha alma, com as suas paixões, quase com a sua carne e o seu sangue, que tem de ser redimida. Talvez se possa dizer: só o amor pode crer na ressurreição. Ou então: é o amor que crê na ressurreição”.

site: https://medium.com/@ribaseribas1
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Mariah 19/08/2022

Philosophische Untersuchungen
Sol-che primitiven > Formen der > Spra-che > ver-wen-det > das kind, > wenn es spre-chen > lernt. > Das Lehren der Spra-che ist Erk-laren, > sodern ein > Abri-ch-ten.>
["ensino>daL" + "criança" =! "explicaç.] >>> ["ensino>daL" + "criança" = "treinamento"] Em: "Child, as their plural, applies those primitive forms and measures to language on itself as if it were matter." Or even: "Children puts those primitive forms of language on to place, when learning to speak." Also: "The Child with C máx, applies these forms of language when learns to speak (to others)" very (ip) matter.

["ensino>daL" + "criança" = "treinamento"] Em: "A criança emprega essas formas primitivas da L, quando, aprende, a falar."

Class = O ensino da língua não é aqui nenhuma explicação mas um treinamento.

#O ensino da língua não é aqui nenhuma explicação, mas um treinamento. = ["ensino>daL" + "criança" = "treinamento"]

From child per explaining to training = [Sol-che primitiven > Formen der > Spra-che > ver-wen-det > das kind, > wenn es spre-chen > lernt.]

Criança >> =! Explicação >> = Treinamento >> Em==== Solche primitiven > Formen der Sprache > verwendet > das kind > wenn es esprechen > lernt.

Criança >> Formas (primitivas) >> from Language >> when=learn-speak

De toda forma, o melhor seria juntar na codificação:

(ps: anotações rápidas para não perder o que associei na hora)

Children apply those primitive forms of language, children apply those primitive forms as measures to language, children apply those primitive forms as if they were matter, or existence of matter. Children apply those primitive forms as if it measures existence, as they learn. Children apply all these primitive forms, from language, when they learn to speak. The ____Lehren der Sprache____ is not any explanation of nothing, it's just training, the language by itself, in this matter, is just traning, not an explanation of nothing, not a real use. Not a thing. Just pure training. The most primitive forms of language, are different to a blank table, to a blank mind. Is not possible to think or philosophically construct something (in matters: on the contact of it), its a different acception, its a different contact or relation, its impossible to understand or feel or produce knowledge on the about the primitive language as not a thing, as not an explanation, if you're thinking about, not as a blank table, a primitive mind (on the "child" sense). There is no proof, no way that your rational thoughts are right or gratified in sense "sensible/reasonable/percipient/wise" when producing anything in that aspect.

"pensamentos racionais razoáveis"
no neologismo mais viscoso possivel "sensefull"
"gratified in sense", "gratificati nel senso"

Naturalmente não quis usar vocábulos muito próximos de "blank slate" (tábula rasa) pois é um conceito. E, um conceito na filosofia, significa algo equivalente à pelo menos umas 3 páginas. Então, este não pode ser empregado como analogia, pois nunca será uma analogia por completo. Toda analogia para com conceitos filosóficos, são em 20%, ou 40%, 75%, 83,5%, como preferir, mas nunca uma porcentagem alta. Isso, pela impossibilidade da riqueza dos sentidos humanos em criação de conceitos que se cruzem à tal ponto. Perderia a própia qualificação de "conceito", se o fosse (se assim o fosse/se fosse uma possibilidade de aplicação).


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