jota 10/10/2020BOM (principalmente para interessados em Grécia Antiga, questões homéricas)
Ao findar o livro do francês Pierre Vidal-Naquet o que vem à mente do leitor é que parece haver mais dúvidas e perguntas a se fazer acerca de Homero e seus dois poemas do que certezas para quem pretende conhecer o passado grego clássico através de suas obras, Ilíada e Odisseia. O mesmo acontece finda a leitura de outro volume importante sobre o mesmo assunto, O Mundo de Ulisses, do historiador anglo-americano Moses I. Finley, que me pareceu leitura mais atraente e profunda do que este O Mundo de Homero.
De todo modo, mesmo acreditando que um homem chamado Homero tenha existido de fato, tanto Finley quanto Vidal-Naquet pensam que os dois poemas épicos foram obra de mais de um homem, não apenas de um único autor, mas até mesmo de múltiplos autores. Além do que, é bom lembrar que Homero (ou Homeros, na hipótese de ele ser mais de um autor, conforme a maioria dos especialistas aceita) não era um historiador, mas um aedo, um poeta cantor (ou aedos, poetas cantores). E que tenha vivido cerca de quatro séculos após os acontecimentos que narra em suas obras.
Grosso modo a Ilíada (referência a Ilion, ou Troia) gira em torno do décimo e último ano da guerra de Troia e tem como personagem central Aquiles, aquele do calcanhar vulnerável, o mais valoroso dos guerreiros gregos. Por seu lado, a Odisseia trata do retorno de Ulisses a Ítaca, depois dessa mesma guerra, fato que lhe consumiu dez anos. Todas essas questões são esmiuçadas por Vidal-Naquet, hipóteses são levantadas, afirmações são confrontadas com objetos que foram descobertos em escavações etc. Ou seja, até certo ponto os poemas podem sim, constituir fontes historiográficas para o estudo da Grécia clássica. Foi mais ou menos isso que deduzi, da mesma forma que me ocorreu quando findei a leitura do livro de Finley tempos atrás.
O Mundo de Homero segue nesse tom e Vidal-Naquet vai colocando para o leitor, sempre com base nos dois poemas e também recorrendo a outros autores clássicos gregos (Finley, no caso, se refere a Ésquilo, Heródoto, Sócrates), questões que envolvem história e geografia da antiga Grécia, a distinção entre gregos e troianos, como se dava a guerra, a morte e a paz entre eles, o culto aos deuses e como as divindades agiam sobre os homens (a favor, contra ou muito pelo contrário), a vida nas cidades gregas, seus habitantes, a estratificação social (reis, artesãos, mendigos), a poesia etc. Conforme vai explicando as coisas, o autor associa seu texto a imagens de objetos, esculturas, restos arqueológicos etc.: são várias páginas com belas ilustrações para o leitor desfrutar. Ele finaliza a obra com um capítulo intitulado As questões homéricas.
Nesse capítulo, o nono, Vidal-Naquet diz que tem de ser mais preciso, ou seja, vai concluir o livro, então volta à questão da autoria dos poemas, das modificações que os textos podem ter sofrido porque eram transmitidos oralmente, se antes de Homero havia outros poetas épicos, também examina outras obras que seriam a “continuação de Homero”, como ele afirma. Enfim, passa por 1922, ano da publicação do gigantesco romance de James Joyce, Ulisses, e termina em 1992 citando Omeros, poema do escritor antilhano Derek Walcott, ganhador do Nobel naquele ano, “que transforma os personagens de Homero em pescadores das ilhas Caraíbas falando um inglês com influência crioula e francesa”. É isso, então: a odisseia continua... E a Ilíada também.
Lido entre 04 e 08/10/2020.