Toni 18/04/2024
(re)Leituras de 2023
Em câmara lenta [1977]
Renato Tapajós (PA, 1943-)
Carambaia, 2022, 192 p.
Ao longo deste romance sufocante, uma cena se repete na cabeça do narrador em moto-perpétuo “como em câmara lenta”. A cada retorno da referida cena — entremeada a fragmentos que se passam no presente da ficção e memórias de outros tempos e ações — novos detalhes são acrescentados até alcançarmos a completude de um arco narrativo que, já se pode suspeitar desde o início, descreve a queda de uma personagem nas mãos da ditadura militar.
Construindo uma quebra-cabeças incompleto de passagens da guerrilha urbana e rural, da vida em aparelhos clandestinos, dos sequestros e assaltos à bancos, do trabalho junto a fábricas e operários, Tapajós nos convida a preencher as peças que faltam e dar algum sentido à luta empreendida por aqueles que deram suas vidas na busca por justiça social dentro de um regime autoritário. Todavia, longe de romantizar ou transformar essas mesmas vidas em exemplos de heróis caídos, o autor — através de um narrador preso ao trauma e ciente do fracasso de sua revolução — explora os dilemas morais e erros estratégicos, bem como a importância do direito à verdade como chave para combater a apatia, a imobilidade, em direção ao “único caminho possível”: “em frente”.
Publicado em 1977 mas escrito dentro do cárcere entre 1969 e 1974, “Em câmara lenta” foi contrabandeado em pequenas folhas de papel seda entregues aos pais do autor a cada visita que estes lhe faziam durante sua pena. Poucos meses após ser colocado à venda, o livro sofreu censura e foi tirado de circulação, e Tapajós chegou a ser novamente preso, mas respondeu ao processo em liberdade. O romance, que recebeu um parecer de defesa de ninguém menos que Antonio Candido (reproduzido nesta edição), voltou às livrarias em 79 e teve várias reimpressões, mas no início do século 21 tornou-se obra rara.
Este resgate da Carambaia é, pois, digno de nota e celebração: não só pelo valor estético (a linguagem é primorosa e a narrativa muito envolvente), mas sobretudo porque sociedade alguma pode se dar ao luxo de pensar que prescinde ou já tem narrativas suficientes sobre seus traumas culturais definidores.