Ive Brunelli 16/10/2012
Manual inteligente, resumo competente
Quando conheci esse livro e o identifiquei como um manual de filosofia, fiquei desconfiado: afinal, pode-se categorizar a filosofia? Como enquadrar as ideias e conceitos milenares do pensamento humano em caixinhas? Como classificar o inclassificável, delimitar essências, fixar estruturas para essa área do conhecimento? Querem "objetivizar" a subjetividade? Temi que transformassem a filosofia em receitinhas de bolo, o que me soou como uma estratégia perigosa de banalização do conhecimento e, o que é pior, um jeitinho meio safado de comercializar livros.
Entretanto, o projeto editorial me pareceu muito convidativo pelo uso inovador de recursos gráficos criativos, plenos de cores, fotos e diagramas. E esse é um atributo genial do livro: em lugar de textos, puramente textos, os editores facilitaram o acesso aos mais diversos temas filosóficos promovendo o casamento entre esse ágil projeto editorial de imagens, esquemas, tabelas e... bons textos produzidos por sérios profissionais da filosofia, formados majoritariamente em universidades britânicas de renome.
Aos poucos, percebi que esse manual poderia funcionar como facilitador do acesso à filosofia para jovens e pessoas que pouco ou nada conhecem sobre o assunto.
Mas mesmo aqueles que já tiveram algum contato com a filosofia e até professores da área podem se beneficiar da obra para refletir. A maioria dos resumos e compilações encontradas no livro são bem realizados, capazes de conduzir os já iniciados à reflexão e à crítica sobre fatos da história da filosofia e sobre as contribuições de cada filósofo para essa área do conhecimento humano.
Alguns resumos são tão bem realizados que me proporcionaram reflexões que eu não tinha conseguido alcançar lendo diretamente as obras de determinados pensadores.
Compilar pode ser mesmo uma arte. O próprio resumo da história da filosofia em cada época mundo antigo, medieval, renascença, etc. é bastante eficiente. Ele nos dá uma ideia do todo sem generalizações ingênuas, sem categorizações apressadas, pelo menos na maioria das vezes. Serve como embrião para prosseguirmos em leituras mais aprofundadas sobre a filosofia. Leva à reflexão sobre a importância da filosofia em diversas áreas de conhecimento: política, linguagem, epistemologia, sociologia, ambientalismo, idealismo, entre tantas outras.
Exemplos disso: os resumos sobre Sócrates, Platão e Aristóteles, que estão na base do pensamento filosófico de todos os tempos, são pertinentes. O mesmo se pode dizer sobre Tomás de Aquino, Descartes, Hume, Hegel, Rousseau, Marx, Popper e Sartre (Resumir essa galera não é fácil!) Richard Rorty, que estudei em meu mestrado a duras penas mereceu uma compilação de seu pensamento que eu gostaria muito de ter conhecido antes, bem antes de tê-lo estudado na universidade.
Contudo, há os percalços, os momentos de pouca inspiração e cuidado, que não me deixaram classificar este livro nem como "ótimo" nem muito bom, mas apenas como bom (embora bom seja um conceito louvável para qualquer livro).
Entre as compilações menos bem-sucedidas, há as incompletas: Walter Benjamin e Herbert Marcuse, ambos da Escola de Frankfurt, tiveram apenas parte de sua produção abordada. Simone de Beauvoir mereceu abordagem competente, mas muito do que ela escreveu ficou de fora. Roland Barthes teve apenas um aspecto de sua semiologia explorado. A Arqueologia de Michel Foucault também teve apenas um de seus aspectos mencionados: praticamente nada se compilou sobre seus relevantes estudos sobre a loucura, a clínica, as prisões e a linguagem. Noam Chomsky foi citado por sua atuação na política, porém nada se falou sobre suas incursões sobre a linguística geracional, o cognitivismo e o behaviorismo, campos em que ele atuou indiscutivelmente como grande pensador. Kierkegaard, Husserl, Hannah Arendt e Emmanuel Levinas foram tão resumidos que era melhor que nem tivessem sido mencionados.
E, imperdoável mesmo, foi a completa exclusão de Claude Lévi-Strauss e Mikhail Bakhtin. Lamentáveis omissões na obra.
No fim do livro, há ainda duas compilações extras:
1) Um glossário sobre palavras-chave da filosofia, definindo idealismo, filosofia analítica, dualismo, fenomenologia, etc. Verbetes filosóficos que nos servem como um norte, um referencial terminológico que ajuda os não-iniciados a entender rapidamente esses conceitos.
2) Uma seção denominada Outros Pensadores, mas essa achei ruim: trata-se do resumo do resumo do resumo. E, aí sim, resumos pobres, que pouco ou nada contribuem para o entendimento das obras e vidas de determinados filósofos. Sem falar que gente graúda, como Frege, Comte, Bachelard, Althusser, Morin e Deleuze foram reduzidos a poucas linhas insossas. Félix Guattari mereceu uma rápida menção dentro da caixinha de Gilles Deleuze. Isso, também, muito lamentável.
Então, embora competente, o livro é apenas um manual. Não vai fazer de você um especialista. Não é um manual burocrático, meramente categorizador, mas, mesmo assim, um manual. Sério, abrangente, um bom referencial. Inovador, colorido, ágil, muito simpático.
Ao tratar da importância das grandes ideias de todos os tempos, ele também nos propicia pensar sobre as nossas próprias ideias, sobre o nosso lugar no mundo, sobre nossas vidas cotidianas, nossas opções, nossos destinos. E, por isso, fiquei extremamente agradecido a esse livro pelos momentos de reflexão que me proporcionou. Serviu como iniciador de um processo reflexivo que pretendo aprofundar.